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Experimentações
Experimentações
por Karlla Girotto
Karlla Girotto conta como seu interesse em moda contribuiu para a descoberta de outras formas de expressão e pesquisas no campo da arte
Estilista de formação, Karlla Girotto foi atraída por esse universo desde criança: “Sempre gostei de fazer roupa, foi assim que parei numa faculdade de moda. Fazia roupa desde os 5, 6 anos de idade e continuei na adolescência”, relembra.
A moda foi apenas o início ou um impulso em sua produção. Karlla ampliou o campo de atuação ao potencializar a reflexão sobre o fazer do artista. Já trabalhou com importantes marcas brasileiras, participou de edições da São Paulo Fashion Week (Semana de Moda da cidade de São Paulo), é pesquisadora de artes visuais, moda e performance, além de trabalhar com cenografia de espetáculos teatrais.
Também coordena o grupo de pesquisa e projetos em moda e design G>E (Grupo maior que Eu), sediado na Casa do Povo, em São Paulo. Karlla conversou com a Revista E sobre como o interesse inicial pela moda se desdobrou numa travessia entre linguagens.
Singularidades
Hoje entendo a moda como um atravessamento na minha produção. Olhando para o passado, consigo identificar claramente o que sempre me atraiu na moda e como isso se mantém no que faço hoje. Sempre gostei de fazer roupa, foi assim que fui parar numa faculdade de moda: fazia roupa desde os 5, 6 anos de idade e continuei na adolescência. E sempre gostei das singularidades que a moda é capaz de produzir, antes até de entendermos o que é moda. As singularidades surgidas por um desejo, um escape visual, algo que alguém faz porque sente necessidade de estar vestindo alguma coisa que ela pensou, desejou. Isso é moda para mim.
Cheguei à faculdade e entendi bem rápido o que não gosto na moda, que é uma coisa horrorosa: ficar falando o tempo todo o que pode e o que não pode, quem pode ou quem não pode, isso ou aquilo – ou seja, mecanismos de poder atuando sobre alguém ou alguma coisa.
Daí, quis estudar artes visuais – que na época era identificado como artes plásticas –, mas eu era bolsista na Faculdade Santa Marcelina (São Paulo) e mudar significaria ter que abrir mão da bolsa e batalhar por qualquer outra coisa. Resolvi terminar o curso e lidar com os meus desejos versus as demandas da moda. Mas sempre tive a moda como linguagem e possibilidade. E a moda virou um campo de ação e pesquisa para mim, que, durante um tempo, fez bastante sentido e continuei por ele. Porém, aos poucos, ao lidar constantemente com os mecanismos de poder que a moda também carrega, foi perdendo a graça e o brilho, e eu o abandonei. Por isso, digo que hoje a moda é um atravessamento.
Nunca fiz de propósito, nunca foi muito pensado. Simplesmente, fui construindo tudo num grande fluxo de vida, indo pelos caminhos que faziam sentido e que me mantinham e mantêm viva e potente criativamente.
Compartilhando processos
Estamos em plena atividade. O G>E (Grupo maior que Eu) começou de forma natural e despretensiosa, como um workshop de processo criativo no meu ateliê. Era para durar dois meses e lá se vão três anos.
O G>E é tanta coisa que a gente mesmo não sabe direito o que é – e é bom que seja assim, na dúvida e na incerteza, na imprecisão. A gente não objetiva nada e, justamente por isso, as práticas mais aleatórias, confabulações, desejos e materializações vão se misturando e desconfigurando nossas vidas e corpos para configurar poéticas políticas grupais.
É um grupo na figura de uma constelação de pessoas, atualização de um conjunto de ideias, imagens e conceitos – que movem o mundo e que são movidos por ele – e, mesmo que se aproximem, formam um conjunto bastante vago. Numa constelação, algumas estrelas morrem, outras nascem e produzem ainda mais luz do que outras, ganham intensidade, avizinham-se para emprestar o brilho, permanecem ou desaparecem.
Nós somos como pedaços/figuras que surgem para unir uma estrela (ideia/palavra/conceito) à outra. É por meio dessas pequenas porções de céu que é possível navegar pela escuridão. Se há estrela, não há escuridão. Mas qual escuridão não carrega em si a virtualidade da luz?
Experimentação e mercado
Sempre há diferenças no processo de criação, a começar pelas raríssimas marcas que permitem um processo criativo. Só essa frase já basta reflexão. Mas, voltando a contar histórias do passado, vou dizer como consegui sobreviver à faculdade de moda (desculpem-me aqui, professores maravilhosos que tive, e sim, estes deixaram memória e foram especiais): participei de um processo seletivo para cenógrafos e figurinistas no CPT (Centro de Pesquisa Teatral, no Sesc Consolação), dirigido por Antunes Filho. E foi lá que alguma outra coisa começou a acontecer comigo. Eu amava entrar na sala escura onde os atores tinham ensaiado o dia todo e ficar, olhando para aquele pretume das paredes e do palco e sentindo a vibração de tudo o que tinha acontecido durante o dia. Aquela relação do lugar com os corpos e narrativas, textos, experimentações me dizia uma coisa que se tornou muito importante: que todas as narrativas são possíveis, todas as histórias podem existir mesmo que seja num palco, numa ficção. Isso foi fundamental para o trabalho que desenvolvi em moda e para os caminhos que se desenharam na vida, fui estudar subjetividade, a potência do que já é sem exatamente ser ainda, coisas em estado latente, nascente.
E ainda trabalho com teatro, fiz direção de arte para o Fim de Jogo, espetáculo dirigido por Isabel Teixeira, com Renato Borghi e Elcio Nogueira, que ficou em cartaz em maio no Sesc Vila Mariana.
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