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Quanto tempo...
por Danilo Santos de Miranda
Quanto tempo...
Por mais que eu tente, não consigo avançar cegamente rumo ao futuro. Muito do passado me guia, pois sou, pelo menos em grande parte, feito dele. Ele me constitui como um ser mais completo, com meus fantasmas e ideais, que ora espanto e ora conclamo. Ninguém passa incólume pelo tempo, e isso é uma bênção. As mudanças nos tornam aquilo que somos, e por este motivo uma pessoa é um acúmulo de vidas, no tempo e no contato com o outro.
As perguntas sempre foram as alavancas com as quais movimentei meu mundo. As respostas, por sua vez, nunca vieram certas, concretas, mas mutáveis, indecisas em certas horas, resolutas em tantas outras. Na solidão necessária que permito aos pensamentos, sempre pulularam questões básicas, que me acompanham desde tenra consciência: O que eu sou? O que faço aqui?
Perdido nessa essência humana, fui seguindo, fluindo como as frases de um romance, batendo cabeça e deixando o vento estufar a vela içada de minha nau. Me encontrei diante da vida e do inexorável papel de vivê-la. Ao longo do tempo, fui firmando o pé no mundo, enraizando aqui e ali, mas nunca deixei, como as respostas, de mudar. Além do mais, desenhamos missões, nortes, rumos, luzes que nos conduzam a uma rota, para que não fiquemos girando na inércia das reviravoltas.
Neste mês, o Sesc completa 70 anos. Como na trajetória de alguém, foi criado e se desenvolveu. No entanto, diferente de mim e de tantos outros humanos, nasceu com uma missão clara com o bem-estar e a qualidade de vida do trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo; consequentemente, abraçou seus familiares e o entorno dos centros culturais – que chamamos de Unidades –, já que os cuidados a serem requeridos envolviam as pessoas em sua volta. Assim, como não deveria deixar de ser, a sociedade se apropria das possíveis benesses que a instituição oferece.
Uma das características de uma vida longeva é justamente o relacionamento que se estabelece com os outros. Não conseguimos ser sem estar com o outro. Certezas e contradições se encontram, aprendemos e ensinamos num ritmo marítimo, misturando água e terra e fertilizando os campos de ideias e fazeres. No Sesc, tal predicado é base do trabalho daqueles que têm na presença do público sua prova mais contundente de realização de uma tarefa.
O Sesc é feito de gente. Tem sua missão comprometida com milhares de outras missões individuais, que se entrelaçam no dia a dia buscando cada qual sua paz, seu fogo, suas preces, sua potência. Desejos que se encontram, que colidem e se afagam; perguntas que não cessam de estourar nas mentes inquietas, em cada idiossincrasia que vagueia por um espaço que tem como princípio deixar-se estar, deixar-se descobrir, deixar pairar um sopro de liberdade.
Pessoas e instituição se amalgamam num sentido que se estende não feito uma linha, onde não há possibilidade de fuga, de desvio, mas como uma área, uma grande faixa estendida ao futuro, um caminho pavimentado com uma missão sólida (institucional) cujos pés que a atravessam (individuais) carregam consigo outros nortes. O êxito do Sesc reside justamente nestas missões que se encontram e se veem, pelo menos em parte, refletidas em si mesmas.
Sigo com minhas perguntas tendo como resposta minhas utopias, ainda de olho no passado para a aprendizagem do futuro. Pessoalmente, ainda titubeio em saber o que faço aqui, nesta vida. Profissionalmente, compreendi, com o tempo em que estou à frente da direção do Sesc – graças ao fato de gozar da confiança de quem preside a Instituição, compreendendo o vínculo com a proposta original –, o que fazemos na instituição, como seguimos firmes, como acompanhamos as mudanças inerentes às épocas, fazendo parte de um comprometido processo civilizatório, como nos tornamos educadores num cotidiano criado pela alegria e possibilidades infindas dos encontros.
...70 anos... Quanto tempo!
Danilo Santos de Miranda, Diretor Regional do Sesc São Paulo