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Para cativar novos leitores

Ex-engenheiro, Luís Antonio Torelli atua no mercado editorial há quase quatro décadas, uma área pela qual enveredou graças ao acaso. Uma história que começou lá atrás, na infância, como leitor voraz das obras de Jorge Amado, e se transformou em um catálogo de saveiros, mares e capitães na bagagem Brasil afora. Presidente do Instituto Pró-Livro (IPL), Torelli também dirigiu, até fevereiro passado, a Câmara Brasileira do Livro (CBL). Atuante dentro e fora dessas e de outras instituições, ele acredita que o futuro do mercado editorial pede um novo modelo para cativar novos leitores.

 


Foto: Leila Fugii.

Porta a porta

Neste ano completo 39 anos na área editorial. Comecei um pouco sem querer. Meu sogro, do meu primeiro casamento, tinha uma gráfica e uma parceria com a editora Maltese, voltada para a venda de livros porta a porta. Eu era engenheiro e a empresa onde trabalhava me mandou para Belo Horizonte. Foi quando meu sogro falou que estavam lançando uma coleção com obras de Jorge Amado: livros proibidos na década de 1960. Aquela era uma parceria com a editora Record.

Os catálogos da época eram enormes e os vendedores tinham até uma técnica para abri-los e apresentar os livros. Era algo incrível: havia gente especializada em montar tais catálogos. Ao chegar a Belo Horizonte, fui a quatro distribuidoras de livros, porta a porta, para mostrar os catálogos. Por coincidência, uma delas era muito perto do escritório de engenharia no qual trabalhava em Belo Horizonte. De manhã, estive numa das distribuidoras. Mostrei os catálogos e chamaram o gerente. Disseram-lhe que aquilo ia vender.

Capitão do mar

Os atacados tinham uma linha de livros voltada para esse mercado. Tais como enciclopédias e coleções infantis. Ao mesmo tempo, a Record estava lançando livros de Jorge Amado. Quando olharam o catálogo perguntaram quanto custava, eu desconhecia. O preço era em dólar. Depois dessa, fui a outros quatro atacadistas. Liguei para a editora com o pedido das quatro. Para eles foi uma surpresa a venda que eu havia feito. Não fiz nada em especial, apenas mostrei os livros. Mas aí, quando voltei, me ofereceram uma comissão sobre a venda e me disseram que eu tinha talento.

Foi a coisa mais emocionante da minha vida, porque, quando Jorge Amado esteve em São Paulo, com a Zélia e a filha, Paloma, me convidaram para um almoço com ele e os editores. Foi a coisa mais maravilhosa do mundo, até porque eu comecei a ler com os livros do Jorge Amado. Foi então que começou a bater a vontade de trabalhar na área editorial. Me convidaram para ficar na editora Maltese nos anos 1980. Esse foi meu início e nunca mais saí. 

Livro digital

A Câmara Brasileira do Livro fez o primeiro Congresso do Livro Digital em São Paulo [no ano de 2010], para o qual trouxemos uma série de pessoas importantes mundo afora. Lembro que um francês, no final de uma palestra, disse que o livro de papel ia morrer. Saíram todos se questionando como se fazia um livro digital, mas em vez de pensarem em como realizá-lo, elas pegaram o PDF e disseram que aquilo era um livro digital. Ou seja, começou tudo errado. Somente nos

Estados Unidos a curva do digital permanece a mesma ou vem crescendo. Em outros países, a curva vem até caindo.

No Brasil, a Câmara fez uma pesquisa com 287 editoras que produziam livro digital e percebemos que apenas 1% do faturamento editorial era da venda de livros digitais. Talvez fosse diferente se tivéssemos começado de outra forma essa adaptação. Quando vamos para as feiras de Frankfurt, Guadalajara e Bolonha, em nosso estande há oportunidade para editoras pequenas e médias. No entanto, o setor de livros digitais ainda é modesto. Inclusive, não temos uma pesquisa a respeito disso no Brasil porque a Amazon não divulga números e ela é a maior vendedora desse modelo.

Quando você é mordido pelo bichinho da leitura, você quer mais

Crise editorial

Acompanhamos a crise das duas maiores redes de venda de livros do país. Mas essa é uma coisa, outra coisa é o próprio mercado. Percebemos que o mercado editorial amadureceu pouco. Essa é uma crítica que faço até a mim mesmo. Se voltarmos atrás e buscarmos os balanços dessas grandes livrarias, veremos que esses prejuízos não são de agora, mas de muito antes, mostrando que esse modelo não está funcionando. Ou seja, o mercado precisa rever esses modelos. Se uma faz algo que dá certo, todas as outras vão atrás, mas nem sempre isso é válido. Nosso grande problema hoje também são os descontos. Nenhum mercado resiste a isso. Há pouco tempo fui pesquisar os dez livros mais vendidos no ranking da Publishnews. Desse total, sete livros tinham desconto acima de 40%. Então, que mercado resiste a isso?

Brasil leitor

A última pesquisa Retratos da Leitura [aplicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, sob encomenda do Instituto Pró-Livro] aponta que 52% se declararam leitores. Esse é um montante ainda pequeno. O número de livros por habitante também é pequeno, mesmo se compararmos com nossos vizinhos da América do Sul, mas sinto que na próxima pesquisa, que começa neste ano e vamos divulgar em 2020, vamos passar desses 52%. Sou otimista.

Na última Bienal de São Paulo, foram 650 mil pessoas, que ficavam por lá, em média, quatro ou cinco horas. Chegaram a pedir para fecharmos as portas porque não cabia mais ninguém no pavilhão. E 78% das pessoas compraram mais de um livro, segundo uma pesquisa que fizemos na saída do evento. Quando você é mordido pelo bichinho da leitura, você quer mais.

Luís Antonio Torelli esteve presente na reunião do Conselho Editorial

da Revista E no dia 16 de janeiro de 2019.

 

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