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Swatch
Swatch
O relógio Swatch que eu levava no pulso, quando criança, no pátio
de um navio, talvez, no Chile, segurando os cabelos com uma das mãos, para a fotografia.
Os mesmos cabelos e o relógio que eu vejo agora, na volta de levar o lixo, antes de ligar para a faxina, antes de ver as mensagens e fazer a lista
para o Casamento.
Agora,
outros cabelos adentram a sala sem que ninguém perceba, trazidos pelo vento ou na cabeça de alguém
ainda muito mais jovem
(mas ainda assim, com mesma idade, mais ou menos) –
A melhor brincadeira
era a de índio
todos nas nossas cabanas
feitas de plástico
com arcos e flechas
de plástico.
Eu gostava de ti porque eras
ou parecias, em parte,
incapaz de machucar
alguém
(teoricamente)
incapaz
de machucar.
Mas todas as pessoas ou coisas que parecem incapazes
são assim apenas
na superfície,
na fotografia.
Anos depois, eu olharia
diferente para essa aparência
inofensiva.
As possibilidades
contrafactuais
a pele,
um tronco –
(uma pessoa que é uma celebridade
apenas no Uruguai)
As partes que se encontram
apenas uma vez
só para depois
se separarem novamente – uma ainda de frente
para a outra –
mas: as partes frias
eram essas as que mais davam
a sensação
de que seria
– impossível –
agora, quando se deita
de cabeça para baixo
com os lençóis ainda arrumados por cima
da própria cabeça e mesmo depois, quando por baixo
da própria barriga você ainda pudesse
olhar
ou pensar
exatamente sobre aquilo:
em breve você vai
sair e realizar os movimentos de que falei –
(como se esta decisão não fosse
realmente sua), mas –
Uma vassoura
nada mais é do que um pincel muito grande
e um pincel
não mais é do que uma vassoura minúscula, dependendo do pincel, e
Nós
andamos pela terra, antes das 9h,
e olhamos o desenho que isso causa, causou, causava
ou iria ainda
causar:
às vezes
se assemelha a um tatu
outras vezes, a coisas muito menos “altas”
– andamos pela casa e, curiosamente,
dentro das mulheres
havia pedras
(e essa seria
a razão borgeana para não gostar de espelhos)
apenas andávamos, antes das 9h, e gostaríamos
de que todos os nossos amigos
estivessem lá, e vissem isso, também,
todos impecavelmente
vestidos
foi quando descobriram que a palavra cordeiro
aparece 26 vezes no livro do apocalipse
e 26 vezes você iria dizer
“cordeiro”, durante o almoço,
– passamos a tarde tomando café
no escritório da minúscula editora. Daqui a pouco eu deveria
descer e perguntar aos homens da Arquitetura
o porquê de tudo isso. Mas, para nós, é bastante óbvio:
braveza
é braveza
e uma pintura
é uma vassoura ou um pincel
muito grande assim como
um pincel
é só uma vassoura
minúscula (dependendo do pincel)
Depois,
você mudaria
de assunto porque leu em livros
que seria a hora
de sair (ou ficar, dependendo
do ponto de vista) e portanto você
com sua real altura
talvez pudesse
dar um pequeno passo atrás
(olhando para dentro do táxi, os olhos de dentro do táxi)
tentando entender como é possível
um movimento como este:
que as frases venham e voltem
a seus donos.
Um bom ano
para o milho
caso eu fosse a esposa
de um mafioso, agora,
acariciaria uma taça de vinho
exceto
se após a aula de meditação avançada
voltássemos para casa e abríssemos pacotinhos
de chips
de milho
<< Sequoia >>
porém: nada daquilo importa.
se naquele momento
o importante fosse apenas
“tomar as decisões corretas”
(mesmo que elas nunca parecessem
certas, na hora)
certo:
você imagina
e diz que este é um acordo
sobre o qual devemos
meditar
certo: a hora
em que os convidados chegam
é sempre muito variável –
jogamos as almofadas sobre o tapete,
pedimos mais vinho, salada,
uma bandeja para pôr tudo em cima e ainda uma banda
para falarmos das coisas que não entendemos por completo ou fingimos
não entender
(à noite, antes de dormir,
você se parece a alguém de quem não sei o nome
arrumando os copos e outras coisas frágeis em cima da pia
de modo que tudo se equilibre embora pareça sempre prestes a cair)
Boston
(9/8/2019)
sentamos à mesa na calçada
de um bar
em botafogo
eu te esperei talvez
10 minutos
e você chegou com os cabelos mais compridos do que da última vez
um pouco mais encaracolados
talvez mais escuros, no ombro
a cor da sua pele talvez estivesse mais clara, por falta de sol, e o copo
de chá gelado à minha frente
suava –
você chega de boston
com as roupas de boston
um sorriso de boston e os olhos
um pouco mais tristes, por trás dos óculos
de boston
é só o meu horário de almoço
e temos ovos fritos
à nossa frente
cogumelos, torradas
muito tempo sem se ver
escrevo algo na primeira página
de um livro
novo e comento que a poesia me aburre, atualmente, toda
a poesia por isso
você me convida
a ir a boston –
eu tiro o seu retrato enquanto você
folheia
o livro aberto à sua frente e jamais
saberemos quando
nos encontraremos de novo
se em Boston
ou ao sul
do nosso próprio país
(o autoexílio
você diz
é uma escolha ainda mais difícil)
eu me pergunto
o que veio antes
a possibilidade de fechar os olhos, através do sutil movimento das pálpebras,
ou a vontade
de abrir ou fechar os olhos, de não ver algo
que está bem a sua frente
como você está agora
enquanto diz sobre os boys de boston
ou os boys do rio de janeiro
em vez de falar sobre o que está bem diante de nós
sobre sua tradução dos poemas de Lorde
em vez de admitir que estamos bem diante
de nós.
para Ana Laura
Catarina Lins é poeta e autora de Parvo Ofício (Garupa, 2016), seu livro de estreia, além de O Teatro do Mundo (7Letras, 2017), obra finalista do Prêmio Jabuti 2018, e de Na Capital Sul-Americana do Porco Light (7Letras, 2019), entre outros títulos.