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Acervo pessoal
Acervo pessoal

PRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO DE CONHECIMENTO, MOBILIZAÇÃO SOCIAL E INICIATIVAS DO PODER PÚBLICO FORMAM O TRIPÉ DE UM ESPAÇO URBANO SUSTENTÁVEL

 

Dados e indicadores apontados por mapas e pesquisas são ferramentas para enxergar de perto uma cidade, como uma lupa. Indispensáveis para que a sociedade e a gestão pública analisem questões como emprego, educação, lazer, mobilidade urbana, recursos naturais e tantos outros aspectos que demandam atenção no espaço urbano. Afinal, 85% da população brasileira mora em cidades, e este número só tende a crescer. Segundo o Programa Cidades Sustentáveis (PCS), que atua desde 2012 na mobilização para implementação de políticas públicas, “indicadores ajudam os tomadores de decisão a avaliar adequadamente a realidade, a interpretar os desejos e necessidades da população e a implementar ações que atendam às prioridades estabelecidas”. Neste Encontros, o engenheiro Jorge Abrahão, presidente do Instituto Cidades Sustentáveis, que engloba o PCS e a Rede Nossa São Paulo, fala sobre a importância da produção e disponibilização desse conhecimento sobre a cidade, destaca problemas desvelados na pandemia e aponta o desafio de ações conjuntas entre sociedade e poder público.

 

Chave da mudança

Eu me formei em engenharia e trabalhei em empresa privada por um bom tempo, mas nunca deixei de participar de ambientes que discutiam os destinos da sociedade. Foi aí que passei a me relacionar mais com algumas instituições. Comecei no Plano Nacional das Bases Empresariais, que discutia o papel dos empresários nesse processo, depois fui convidado a ser um dos fundadores do Instituto Ethos, em 1998. O Ethos traz esse olhar de responsabilidade social para além do resultado econômico das empresas. E, quando fui convidado a presidir o Ethos, tive que deixar o outro campo profissional. Uma decisão que mudou minha vida. Foram três mandatos como presidente e ali me aproximei das agendas globais, dos desafios que estavam sendo construídos pela Rio +20, em que o Ethos teve uma participação grande, até chegar na Agenda 2030 [conjunto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos em setembro de 2015 por líderes mundiais na sede da ONU, para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir que as pessoas alcancem a paz e a prosperidade]. Acho importante marcar essa chave da mudança porque, às vezes, nessas bifurcações da vida, vale a pena você tomar alguns rumos e correr alguns riscos.

 

Desafio, cidade

A pandemia trouxe luz para questões estruturantes da nossa sociedade e que devemos enfrentar. Nesse sentido, onde a pandemia está deixando marcas mais profundas é no ambiente das cidades, onde vamos ter que construir uma superação. Sem demérito a outros espaços, mas 85% da população brasileira vive nas cidades. No mundo o percentual é de 55%, mas será de 70% em 2050. A América Latina, de maneira geral, é muito urbanizada. Então, os problemas acontecem aqui onde uma maior quantidade de gente mora. No Cidades Sustentáveis trabalhamos com uma questão: como a gente faz para que as cidades sejam sustentáveis? O sustentável é, para nós, uma cidade mais democrática e nesse sentido ela tem que ser participativa, transparente, inclusiva economicamente, justa socialmente, menos desigual e sustentável em relação ao meio ambiente. Então, para uma cidade sustentável, precisamos integrar as dimensões política, econômica, social, ambiental e cultural.

 

Frentes de ação

Trabalhamos com a produção de conhecimento e indicadores que permitam diagnósticos de uma cidade. Realizamos pesquisas e mapas de desigualdades. Na dinâmica da apresentação da pesquisa, convidamos o poder executivo e a sociedade civil para discussões e, a partir desses dados, são elaboradas propostas para enfrentar esses temas. Todo trabalho que a gente faz está disponível gratuitamente em nossos meios virtuais. Então, a partir dessa produção de conhecimento, a gente mobiliza a gestão pública e a estimula a assumir compromissos com agendas criadas pela sociedade. Quando foi criada a Rede Nossa São Paulo, em 2007, a gente conseguiu fazer um advocacy [processo de reivindicação de direitos que tem por objetivo influir na formulação e implementação de políticas públicas que atendam às necessidades da população] pela lei do Plano de Metas. Prefeitos e prefeitas de São Paulo devem apresentar um Plano de Metas, que seria a tradução do que foi prometido na campanha. Assim, a sociedade consegue acompanhar essas metas, e nós fazemos balanços anuais com encontros da sociedade e do executivo para avaliar, criticar e fazer propostas assertivas para que a gente consiga avançar com as agendas comuns. A lei do Plano de Metas virou política pública em 62 cidades do Brasil e estamos trabalhando para ampliar esse alcance. Estamos hoje com prefeitos que aderiram à plataforma do Programa Cidades Sustentáveis: são 214 cidades no Brasil que somam 52 milhões de pessoas.

 

O sustentável é, para nós, uma cidade mais democrática

e nesse sentido ela tem que ser participativa, transparente,

inclusiva economicamente, justa socialmente,

menos desigual e sustentável em relação ao meio ambiente

 

Quem fica

O que está acontecendo na pandemia é o que tende a acontecer com a mudança climática. As pessoas que têm recursos vão conseguir, de alguma maneira, se adaptar ao “problema da vez”. E o problema agora é a pandemia, por uma irresponsabilidade do modelo que se construiu. Eu tenho o privilégio de viver numa casa e trabalhar remotamente na pandemia, mas saíram pesquisas mostrando que 9% das pessoas conseguiram fazer home office. A maioria das pessoas ficam vulneráveis. Vivemos num país em que 75% das pessoas precisam da saúde pública, 85% das pessoas precisam da educação pública. Fizemos um mapa da desigualdade em São Paulo e um dado mostra a idade média de morte no distrito mais rico e no mais vulnerável. No Jardim Paulista é 81 anos, e no Jardim Ângela, 58. Isso dá uma medida da importância de pensarmos em escala no país, e as soluções devem vir para essas questões.

 

 

 

 

Consumo local

Na pandemia,  as pessoas se aproximaram dos locais onde elas moram e se apropriaram da vizinhança, do comércio. Há cidades em que é proibido criar grandes unidades de comércio em determinadas regiões para não inibir o pequeno comerciante, oportunidades de trabalho e de renda para a população local. Então, é muito interessante que isso tenha acontecido, as pesquisas mostram isso. Cito um exemplo importante que começa a ser discutido nas cidades brasileiras: a possibilidade de criar um raio próximo da habitação das pessoas e de uma infraestrutura. A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, apresentou a proposta de “Paris a 15 minutos” [leia matéria É logo ali, na Revista E - 287, setembro de 2020]. Esse é um desafio das cidades. São Paulo pode não ser uma cidade a 15 minutos, mas quem sabe possa ser uma a 25 minutos? E como você estimula essa infraestrutura local? Acho que muitas cidades brasileiras podem trabalhar nessa direção.

 

Soma de forças

Temos que ter todos os segmentos contribuindo: governo, sociedade civil, empresas. Eu acredito que será a união desses esforços, cada um dentro de suas possibilidades, que fará avançarmos. Agora, o engajamento da população não é fácil de obter porque as pessoas estão envolvidas na própria sobrevivência. E só com a participação das pessoas conseguiremos. Lançamos o Guia de Participação Cidadã, um estímulo para as pessoas. Acho que a participação está um pouco em cada um de nós mesmo, no desejo de participar, de disponibilizar tempo para isso, mas também está nos poderes Legislativo e Executivo para que possam criar espaços de participação.

 

Jorge Abrahão esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E no dia 10 de dezembro de 2020

 

 

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