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Descentralizada e diversa

"Um céu partido ao meio", de Danielle Fonseca, 2021. Filme 16:28 min. Coleção Danielle Fonseca

EXPOSIÇÃO REÚNE OBRAS DE ARTISTAS DE
DIFERENTES ESTADOS DO PAÍS QUE PRODUZIRAM ARTE MODERNA 

 

Catapultado pela Semana de Arte Moderna, o movimento modernista segue como objeto de estudo e reflexões cem anos após o festejado evento realizado no Theatro Municipal de São Paulo em fevereiro de 1922. A história da arte consagrou por muito tempo aqueles cinco dias protagonizados por escritores, músicos, pintores e intelectuais da elite paulistana como emblemáticos para essa corrente artística que rompeu com tradições eurocêntricas ao propor um presente, e um projeto de futuro, com base numa cultura brasileira. No entanto, ainda que muitos livros didáticos não tenham acrescentado, por ora, novas páginas ao capítulo dedicado à arte moderna no Brasil, cada vez mais pesquisadores desvelam o protagonismo de artistas modernistas de Norte a Sul do país que vinham produzindo já desde o final do século 19 até meados do século 20.

Essa reflexão é levantada pela exposição Raio-que-o-parta: ficções do moderno no Brasil, realizada pelo Sesc São Paulo, mostra que integra o projeto institucional Diversos 22 – Projetos, Memórias, Conexões, que discute as efemérides do Centenário da Semana de Arte Moderna e do Bicentenário da Independência do Brasil. Aberta ao público a partir de 16 de fevereiro, na unidade 24 de Maio, a exposição reunirá 600 obras de 200 artistas de diferentes estados brasileiros, sob curadoria de Aldrin Figueiredo (PA), Clarissa Diniz (PE), Divino Sobral (GO), Marcelo Campos (RJ), Paula Ramos (RS) e Raphael Fonseca (RJ), com consultoria de Fernanda Pitta (SP).

O nome que dá título, explica o curador-geral Raphael Fonseca, não deixa de ser uma provocação. É que “raio-que-o-parta” foi como se convencionou chamar um estilo arquitetônico encontrado em habitações construídas em Belém (PA), entre as décadas de 1950 e 1960. As fachadas dessas moradias – consideradas populares e improvisadas –, eram compostas por fragmentos de azulejos e pisos. “Sabendo que grande parte das pessoas que ergueram essas casas vieram da classe trabalhadora e muitas vezes, até hoje, não são creditadas pelo trabalho hercúleo e genial de composição e colorismo, trazer esse elemento para o título é uma forma de lançar luz para muitas pessoas invisibilizadas nesse amplo recorte do modernismo por não serem parte de uma certa aristocracia intelectual brasileira”, ressalta.

Para a curadora Clarissa Diniz, a proporção continental do Brasil também contribuiu para que outros protagonistas da arte moderna fossem deixados em segundo plano. “A importância dessa ampliação consiste no entendimento contracolonial de que também nossas próprias histórias (nacionais, regionais, locais) devem ser revistas, criticadas, ampliadas e transformadas na intenção de vislumbrarmos um horizonte menos desigual para o Brasil”, constata.

 

Haruo Ohara. Cafezal pós-geada. Ampliação digital (cópia de exibição). Instituto Moreira Salles
 

 

Voltaire Fraga. Dançando o samba na Festa da Ribeira, cerca de 1950.
Ampliação digital (cópia de exibição). Galeria Roberto Alban
 

 

Múltiplas leituras


A fim de ampliar esse horizonte de entendimento da Arte Moderna brasileira – uma estética tão diversa quanto são as múltiplas culturas, sotaques e narrativas que compõem o país – a mostra é dividida em quatro núcleos. No primeiro, Deixa Falar, é feito um recorte da presença de personagens e de manifestações de povos originários, afro-brasileiros e minorias imigrantes, fator central na criação de uma ideia de arte moderna. Já o segundo núcleo, Centauros Iconoclastas, traz uma pujante produção que investiga as múltiplas possibilidades dos corpos, das animalidades, dos mitos e das metamorfoses, e como alguns artistas foram buscar outro fértil território ao se aproximarem da psicanálise. O terceiro, Eu vou Reunir, Eu vou Guarnecer, reúne obras que buscavam uma autonomia criadora em romances e telas, e que por meio de brincadeiras e cordões populares trilhavam o caminho do novo, do sentimento de identidade da aldeia e da metrópole. Por fim, Vândalos do Apocalipse, que faz referência a um grupo literário formado por escritores paraenses e sua crítica aos parâmetros de progresso e desenvolvimento vigentes no país a partir de 1921, reconta e retoma as discussões sobre a verdadeira identidade nacional brasileira, engendrada na tradição colonial e na modernização territorial.

Nessa proposta de imergir no espaço e no tempo histórico e social das artes modernas brasileiras, Raphael Fonseca destaca outra semelhança à técnica raio-que-o-parta: “na descontinuidade e no excesso das fachadas, característica que também faz parte dessa exposição, que é como um quebra-cabeça infinito, onde sempre faltará uma peça, uma obra ou um artista”. Por isso mesmo, Clarissa Diniz deixa ao público uma reflexão: “e se o modernismo no Brasil fosse narrado a partir de outros marcos, outras datas, outros autores, outras obras, outras questões?”.

 


Alice Brill. Protesto contra remoção de favelas - Câmara dos Vereadores, Cinelândia, Rio de Janeiro.
Ampliação digital (cópia de exibição). Instituto Moreira Salles

 

 

Ação educativa


Além da mostra no espaço expositivo com cerca de 1.300 m², no quinto andar do Sesc 24 de Maio, localizado no centro histórico de São Paulo, serão oferecidas atividades em ambiente digital e ações educativas presenciais com educadoras/es e pesquisadoras/es que estão em constante diálogo com as produções artísticas brasileiras. A exposição também conta com acessibilidade, como audiodescrição, vídeo-guia em libras, recursos táteis e textos traduzidos para o inglês e o espanhol.


Serviço:
Raio-que-o-parta: ficções do moderno no Brasil
Quando: De 16/2 a 7/8, de terça a sábado, das 10h às 20h30; domingos e feriados, das 10h às 18h*.
Local: Sesc 24 de Maio (5º andar), Rua 24 de Maio, 109 - Centro/SP (Próximo à estação de metrô República, linhas vermelha e amarela).
Agendamento de grupos: agendamento.24demaio@sescsp.org.br
Informações: www.sescsp.org.br/24demaio

* Os horários de funcionamento podem sofrer alterações, conforme as orientações sanitárias vigentes. Maiores de 12 anos deverão apresentar comprovante de vacinação contra Covid-19 (físico ou digital), evidenciando as duas doses ou dose única.

 

Alvim Correa. Ilustração para o livro The Earth Under the Martians. Ampliação digital (cópia de exibição)
 

 

Vicente do Rêgo Monteiro. Motivo indígena, 1922. Óleo sobre madeira. Coleção Airton Queiroz
 

 

Ismael Nery. Autorretrato com Adalgisa, sem data. Óleo sobre tela. Coleção Airton Queiroz

 

 

Jean-Pierre Chabloz. Vida nova na Amazônia, 1943. Impressão sobre papel.
Coleção Jean Pierre Chabloz, Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará

 

Aurora Cursino dos Santos. Sem título, sem data. Óleo sobre papel. Coleção Museu de Arte Osório Cesar.
Cortesia Complexo Hospitalar do Juquery e Prefeitura Municipal de Franco da Rocha

 

 

Raimundo Cela. Jangada para o mar, cerca de 1940. Óleo sobre tela. Coleção Max Perlingeiro
 

 

(Julio Ribas) Caraíba. Paz, sem data. Nanquim e Lápis de Cor sobre papel. Coleção Museu de Arte Osório Cesar.
Cortesia Complexo Hospitalar do Juquery e Prefeitura Municipal de Franco da Rocha
 

 


José Antonio da Silva. Sem título, 1956. Óleo sobre tela. Coleção Vilma Eid
 

 


Joaquim do Rego Monteiro. América do Sul I, 1927. Óleo sobre tela.
Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães - MAMAM

 

Tomie Ohtake. Sem título, 1959. Óleo sobre tela. Coleção particular
 

 

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