Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Pequenos Notáveis

Foto: Fernando Godoy / Divulgação
Foto: Fernando Godoy / Divulgação

Assim como outros países, o Brasil tem recebido os mais variados produtos tecnológicos do mercado. As novidades, que vão de celulares multifuncionais a câmeras de bolso, transformaram-se em utilitários do “momento” – já que muitos deles armazenam dados, navegam na internet e fazem as vezes de mp3 player (entre outros truques).

Como de costume, a cada surgimento desses dispositivos – de tamanhos reduzidos e multifuncionais – fazem escapar da boca de especialistas e leigos a clássica pergunta: até onde pode ir a tecnologia? Talvez ninguém ainda saiba a resposta, mas uma coisa é certa: cada vez mais, nós levaremos esses avanços no bolso.

Até os menos aficionados a essas novidades já perceberam que todas elas têm em comum, além dos formatos portáteis, a mobilidade – sem fios, sem plugues, sem tomadas. Sejam celulares com câmeras de alta resolução, sejam mp3 players que navegam na internet ou aparelhos de Global Positioning System [sistema global de posicionamento, em tradução literal], mais conhecidos como GPS, todos eles podem nos acompanhar para onde quer que a gente vá.

“A comunicação real, historicamente, sempre dependeu de dispositivos de mediação”, explica a midiartista e professora da pós-graduação?em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Giselle Beiguelman. “O que acontece hoje é que, além de operar essa aproximação no tempo, a despeito da distância no espaço, o que temos é uma comunicação que se faz em três vias simultâneas.”
A especialista exemplifica sua tese com o celular – grande “vedete” das mídias móveis por ter sido escolhido como ponto de confluência de diferentes tecnologias.

“O celular hoje é uma máquina de publicar – você twitta o tempo todo, escreve no Facebook etc. –, de leitura, seja de e-mails pessoais, de mensagens de texto, de redes sociais ou de serviços noticiosos, e ele também é uma ‘máquina de ver’ as coisas. Eu tenho insistido muito nessa ideia de que o celular é o terceiro olho na palma da mão.”

Sociabilização real ou virtual?

Para Giselle, a fusão de funções e possibilidades de interação no celular mudou “radicalmente a maneira de enxergarmos o mundo”. No entanto, essas são discussões que talvez nem todos percebam – sobretudo em meio à correria de um dia a dia cada vez mais “invadido” por esses aparelhos.

Para o artista visual e mestre em artes visuais Claudio Bueno, a proliferação desses dispositivos – sobretudo, os celulares – acaba nos convencendo de uma conexão e acesso sem fronteiras ao mundo de forma quase automática. O que, segundo Bueno, merece reflexão. “É indiscutível que o celular é bom, que poder acessar minha caixa de ?e-mails na rua é bom”, diz o artista. “Ninguém duvida disso. Mas ainda assim existe uma questão sobre como uma coisa pode ser incorporada de forma tão avassaladora.”

São essas e outras questões que Bueno explora em seus trabalhos com mídias móveis. Em um deles, chamado Redes Vestíveis, quatro pessoas – em um ambiente externo, como uma praça – conectam-se por meio de um GPS e vão acompanhando a movimentação uns dos outros. A ideia é ir alterando a rede criada entre eles a cada mudança de localização – até que um saia do perímetro de cobertura e da área de conexão.

A intenção da intervenção, segundo Bueno, é refletir sobre “um assunto que já se tornou clássico” nas discussões acerca das implicações sociais e artísticas das mídias móveis. “Já que essas mídias são móveis, as pessoas podem acessar umas às outras a partir de qualquer ponto. Mas será que isso, de fato, aumenta a sociabilização entre os indivíduos?”

Mapas da cidade

O GPS tem sido um grande alvo de interesse por parte de artistas, basicamente por trazer para a vida doméstica um dispositivo de localização – mas também de rastreamento – antes utilizado em operações militares. “Como tecnologia, o GPS tem um resquício militar muito grande”, analisa Lucas Bambozzi, artista visual e curador, juntamente com o professor doutor em comunicação e semiótica Marcus Bastos, do Festival arte.mov – Arte em Mídias Móveis (veja boxe Circulando...).

“São tecnologias criadas para fins militares, de guerra até. E é a popularização dele – e a integração dele com outros sistemas – que permite uma série de coisas que nos interessam [aos artistas].” Um dos exemplos citados por Bambozzi são as novas formas de mapeamento que esses dispositivos permitem ao usuário comum. “Antes, quem podia mapear a cidade eram os órgãos oficiais, estruturas governamentais, enfim, eram dados aferidos por quem tinha o poder de uso de ferramentas específicas”, segue o artista.

“Hoje as pessoas podem, elas mesmas, fazer esses mapas e interpretá-los, ou seja, podem transformar dados em outras coisas – imagens, áudios, performances, em processos de inserção na cidade.”

Bolhas privadas

O acesso a ferramentas antes exclusivas a especialistas e as novas formas de diálogo ou isolamento nos ambientes urbanos são também pontos que têm ocupado a pauta de quem lida com o assunto acadêmica e artisticamente. ?“Serem portáteis pressupõe que esses aparelhos vão para a rua”, observa Claudio Bueno. “E quando você fala de um aparelho celular que une GPS, telefonia móvel e internet, você fala de uma produção em tempo real. Você propõe situações de conexão ali, na hora, como no meu trabalho Redes Vestíveis.”

Ou, segundo Bueno, o efeito pode ser contrário, e essa tecnologia pode resultar no que o artista chama de uma “bolha privada no espaço público”. “Na medida em que eu saio de casa com o meu mp3 player, com os fones de ouvido, eu acabo produzindo mais uma bolha”, comenta. “Quando eu coloco os fones é quase como se eu estivesse dizendo: ‘Por favor, não me incomodem’.”

Giselle Beiguelman não compartilha dessa teoria do isolamento e é contra qualquer tipo de “demonização” – como ela se refere – dos meios móveis de comunicação no sentido de que eles estejam afastando as pessoas umas das outras. Para comprovar sua opinião, a especialista lembra o boom das chamadas redes sociais – Orkut, Facebook, Twitter, entre os mais famosos.

“Uma explosão que aponta justamente para o contrário disso”, avalia. “As pessoas cada vez mais estão emparelhadas com outras pessoas dentro de suas atividades.” A midiartista emenda: “Tanto que a grande questão é justamente nós não termos mais privacidade”.

Democratização

Lucas Bambozzi chama a atenção também para a popularização dos meios de produção artística. “Eu faço vídeo desde antes de me formar, em 1988, na UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], em comunicação”, diz. “Depois que saí da universidade, onde eu tinha acesso a equipamento, demorei seis anos para conseguir comprar minha própria câmera.”

Uma realidade que uma geração de “nativos da tecnologia” não consegue imaginar. “Hoje, essas ferramentas já estão em nossas mãos, ou bolsos, no caso”, comenta Bambozzi. “A pessoa só precisa aprender a torná-la algo útil do ponto de vista criativo.”

Segundo o curador, isso já tem acontecido. “Nós vimos isso pelas inscrições que recebemos [no arte.mov]. Hoje já existe uma série de pessoas que se denominam realizadores, artistas, videoartistas e que surgiram a partir dessa oportunidade de fazer um vídeo. Então a pergunta é: por que não fazê-lo?”

Para a midiartista Giselle Beiguelman, também autora do livro Link-se (Peirópolis, 2005), vale a mesma pergunta: por que não? “O barateamento dos meios tem apontado para uma possibilidade, de certa forma, de uma democratização das possibilidades de criação”, analisa. “E quanto mais criações existirem, mais sofisticadas as coisas tendem a ficar, porque você tem mais inputs [entradas] e os seus horizontes aumentam.”

A especialista finaliza afirmando que não se trata de dizer que o celular trouxe uma nova arte, mas sim que, aos serem mais acessíveis, as mídias móveis – como ferramentas de criação e canais de distribuição – diversificam a produção artística “de uma forma impressionante”, conclui.

Circulando...

Festival arte.mov – Arte em Mídias Móveis chega na íntegra à capital ?em 2010 e desta vez conta com parceira do Sesc São Paulo em sua realização

O Sesc Pinheiros apresentou, entre 30 de novembro e 03 de dezembro de 2010, o evento Arte em Mídias Móveis, tido como pioneiro no Brasil. O alvo é o espaço público, em um movimento impulsionado por dispositivos móveis, como celulares e aparelhos GPS – sigla para Global Positioning System [sistema global de posicionamento, em tradução literal]. A parceria do Festival, que surgiu em 2006, com o Sesc neste ano possibilita a expansão de uma programação – tanto na unidade quanto em espaços públicos, com atividades que também contaram com o apoio da instituição.

“Em vez de ignorar o surgimento dessas mídias [móveis] para fins artísticos, a gente vem estimulando isso”, explica Lucas Bambozzi, artista visual e curador do evento, juntamente com o professor doutor em comunicação e semiótica Marcus Bastos. “Tentando criar formas, situações, condições para que esses novos dispositivos sejam considerados menos objetos de desejo, fetiches, consumo, e mais objetos de interação afetiva com a sociedade, com o espaço público, com formas de expressão individual, coletiva etc.”

A programação do arte.mov reuniu atividades de diversas naturezas, como simpósio, debates e workshops, e também instalações, intervenções e performances. Uma multidisciplinaridade que se afina com a proposta do Sesc em suas ações tanto no campo das artes quanto da educação não formal. “A realização do Festival arte.mov – Arte em Mídias Móveis em São Paulo se insere na linha de ação do Sesc São Paulo ao olhar para o papel da cultura e da tecnologia na contemporaneidade”, afirma Cássio Quitério, assistente da Gerência de Ação Cultural (Geac).

“Pensando na fluidez da configuração espacial em que os elementos constantemente se conectam e reconectam, a proposta de ação cultural do Sesc nas áreas de artemídia e cultura digital é estimular no seu público frequentador diferentes percepções sobre as transformações dessas cartografias da rede, através do uso das mídias disponíveis.” Segundo Cássio, dessa maneira, a programação pensada para acontecer nas unidades nessa área – e da qual fez parte a agenda do arte.mov, no Pinheiros – enfatiza o sujeito “não como vítima das consequências da aceleração tecnológica nos conglomerados urbanos e na rede, mas sim como agentes dessas transformações”. O Festival Arte.mov de 2010 teve edições em Belém, Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte.