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Otavio Frias Filho



Visões do jornalismo


O diretor de redação do jornal Folha de S.Paulo e diretor editorial do Grupo Folha, Otavio Frias Filho, autor dos livros Queda Livre (Companhia das Letras, 2003), Seleção Natural – Ensaios de Cultura e Política (Publifolha, 2009), De Ponta Cabeça (Editora 34, 2000), entre outros, também é dramaturgo com vários textos já encenados. Em encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, o convidado desta edição falou sobre a onda de manifestações que vêm ocorrendo no Brasil desde junho, reforçou o papel do jornalista frente às constantes facilidades tecnológicas e contou um pouco sobre o programa TV Folha. “Em relação às manifestações, a minha opinião pessoal é a de que, como outros setores da opinião pública, a própria imprensa demorou a perceber que havia uma insatisfação latente muito mais intensa do que a imaginada”, afirma. A seguir, trechos.


Manifestações


Eu sou das pessoas que acham que quando não há uma relação intensa entre imprensa e governo tem algo de errado. Ou a imprensa não está sendo suficientemente incômoda, inquisitiva em relação ao governo ou o governo não está agindo como todo governo. Qualquer governo, não importa a cor ideológica, quer da imprensa uma única coisa, que não o critique e que, se possível, o elogie. Isso é um consenso. Eu estou nessa atividade há 30 anos e o comportamento é o mesmo desde os governos militares – eu cheguei a pegar o governo Geisel e o governo Figueiredo. Então sempre que há uma tensão entre imprensa e governo, eu tendo a considerar isso como índice saudável do que está acontecendo na sociedade. Claro que essa tensão não deveria chegar a um paroxismo, a um rompimento, a um fechamento de jornais ou de revistas, mas que haja um certo nível de tensão, de críticas recíprocas me parece não só normal como até desejável.


Em relação às manifestações, a minha opinião pessoal é a de que, como outros setores da opinião pública, a própria imprensa demorou a perceber que havia uma insatisfação latente muito mais intensa do que a imaginada. No quarto dia de manifestação, que se passou na quinta-feira [liderada pelo Movimento Passe Livre em São Paulo, 13/6], a desmedida repressão policial aos manifestantes acabou funcionando como um estopim que deflagrou algo muito mais amplo do que a mera reivindicação em relação à tarifa de ônibus. Evidentemente o direito de protestar e de se manifestar faz parte dos direitos básicos de qualquer democracia.


Felizmente eu não vejo ninguém no Brasil dizendo que esse direito não existe, é algo que faz parte das conquistas da sociedade brasileira após ter vencido períodos ditatoriais, de muito sofrimento, muita luta. Essa questão de se manifestar publicamente, de se reunir pacificamente, de expressar seu ponto de vista, de gritar palavras de ordem, de criticar o governo, criticar as autoridades, isso faz parte do básico de qualquer sociedade minimamente democrática. Me parece evidente também que atos de violência física, depredação de patrimônio, agressões a pessoas, agressões, por exemplo, ao Caco Barcellos [jornalista da TV Globo], agressões contra jornalistas realizadas por policiais, inclusive jornalistas da Folha – tudo isso é inadmissível e tem que ser punido nos termos da lei.


Em relação à TV Globo, tenho impressão de que houve uma evolução no trabalho deles desde a época das Diretas Já [movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil ocorrido em 1983-1984] para hoje. Na época desse acontecimento, a Globo teve a atitude de escamotear a realidade e de noticiá-la de uma maneira muito sumária e até distorcida. Esse não me parece ser o comportamento da TV Globo ou das emissoras em geral hoje. Houve uma evolução no sentido de um jornalismo mais profissional, um pouco mais isento.


Reconheço que esse movimento de protestos é essencialmente pacífico e que a grande maioria das pessoas que vêm se manifestando não têm se dedicado a atos de violência ou de vandalismo, mas esses atos têm ocorrido mesmo que de forma mais isolada. Isso não é bom para a democracia. Tenho na minha memória que o Nazismo acabou emergindo da República de Weimar [modelo de governo parlamentarista democrático que se instaurou na Alemanha logo após a Primeira Guerra Mundial], em parte pela incapacidade desse governo de garantir a lei e a ordem.


Quando você começa a ter facções querendo fazer justiça pelas próprias mãos – por mais legítimos que sejam os motivos que as levem a fazer isso –, fatalmente, se a autoridade não usar a força da lei, mais cedo ou mais tarde, surgirão contrafacções que também tentarão fazer prevalecer os seus pontos de vista na base da violência, da força. Isso acaba levando à dilaceração do pacto político e em algum momento aparece um Adolf Hitler para acabar com a desordem.


Acomodado?


A internet se tornou uma ferramenta importante para todo mundo e não é diferente para o jornalista. Eu diria que para o jornalista ela tem duas funções essenciais. A primeira é o fato de ela ser um gigantesco banco de dados, então a possibilidade de pesquisar na internet é algo muito mais frutífero no trabalho jornalístico do que pesquisar num banco de dados tradicional que os jornais e as revistas tinham e ainda têm. Além disso, muito do que antigamente era feito ao vivo, por telefone, agora é feito pela internet: entrevistas, consultas, pedido de agendamento.


Mas eu acho essa segunda função menos inovadora porque é meramente instrumental. A mesma polêmica que havia nos anos 1970 e 1980, questionando o uso do telefone por evitar que o repórter presenciasse as cenas de rua e tivesse contato rosto a rosto com as pessoas, empobrecendo o conteúdo final, ainda se coloca hoje. Eu acho que não. Mas, para o jornalista, o principal valor da internet – na minha opinião – é o primeiro que mencionei. Claro que há diversas técnicas sendo desenvolvidas de como fazer pesquisas que sejam recompensadoras do ponto de vista da qualidade, em pouco tempo.


TV Folha


O programa TV Folha é um laboratório que estamos realizando e com o qual estamos bastante contentes. Ele começou no início do ano passado e é uma tentativa do jornal de dominar uma técnica e uma narrativa do jornalismo, pois, com o advento da internet, o videojornalismo se configura como um caminho que pode vir a ser promissor, tanto do ponto de vista jornalístico como do ponto de vista empresarial.


Do ponto de vista editorial, eu considero que o programa é um sucesso, acho que tem uma linguagem interessante, que é estimulante, que é diferente daquele “padrão global” – que, sinceramente, é até enjoativo, porque você liga em qualquer emissora e o formato é o mesmo. O TV Folha procura fazer uma coisa diferente, é um estilo de jornalismo um pouco aparentado do documentário. Agora, a sustentação publicitária do TV Folha não cobre os custos, infelizmente. Até o momento, é uma operação deficitária. A ideia é que, se for bem-sucedido, o TV Folha possa se transformar num núcleo de produção de videojornalismo, eventualmente até para vender material para a TV a cabo. Mas ainda é cedo para dizer se isso vai de fato ocorrer.



“Qualquer governo, não importa a cor ideológica, quer da imprensa uma única coisa, que não o critique e que, se possível, o elogie. Isso é um consenso.”