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Cinco Poemas em Prosa

Ilustração: Marcos Garuti
Ilustração: Marcos Garuti

C I N C O
P O E M A S
E M  P R O S A

por Fernando Paixão
 

DEBAIXO DAS ÁRVORES

Debaixo das árvores procuro o ponto
intenso, ponho-me a espiralar sobre a cidade,
perfurando. Mecânica imaginada.
Em volta, percebo um casario duvidoso,
inesperada aparição da mulher.
Dilatam-se os pulmões das casas e das cores.
Em resvalo, a curva do teu nome: rabisco no
vale da luz.
Como quem afaga os gatos ou maneja hábitos
nos bolsos — volto ao calor dos teus ombros.

 

O VELHO BÊBADO

Velho bêbado e a bengala, único sinal a
deparar na estrada. Atravessa a noite, coleciona
qualidades oníricas.
Levanta a bengala e a voz, não se sabe se
ameaça ou clama.
Surge do escuro, bicho corcunda:
— Procuro um caminho de pedras.
Vou seguir por ele.
Toda a dificuldade é a noite, o livro dos passos
embaralhando direções, pastosa velhice
cegando o olho da bengala.
Persistente, o velho retoma a meada e
apruma os ombros.
Desce a ladeira, à procura do caminho.

 

OS MAPAS

A mulher louca trazia no corpo um mapa
abrupto. Muita história litoral a ser percorrida,
deitada na cama em uma evaporação de anos.
Pedra dentro de pedra, esquecia-se de quem
batia à porta.
O mapa existia por debaixo das roupas.
Todas as manhãs voltava o cheiro daquele
homem de há tantos anos — lembrança. Tirava
do passado a continuação daquela história,
resumida a cubículo tão estreito.
Quando ele lhe ofereceu uma caixinha de
vidro, disse:
— Já não será possível você me esquecer.


ENTRE LOUÇAS

Aros de louças espinhosas, outras valises onde
o tempo se acomoda — basta um sinal.
O pano jogado no quarto — a lembrança do
gato que morreu ali, agonizando dias em febre,
a girar: existo!
Aceito a passagem do cometa repentino, as
mãos entre cinzas. O gato morreu siderado
aos próprios olhos — mas os objetos ainda
divergem. Setas frias.


ROSA MÍSTICA

Rosa apenas, rosa em penas, arma furiosa de
carícias, apenas rosa, no que de oblíquo pode ter
qualquer volúpia, qualquer memória aberta no
segredo, sagrada boca intrínseca, intrigante, há
longos tempos fincada no seio das palavras como
uma bola de mel, numerosas vezes flagrada em
seu desabrochar, em seu namoro com o vento, esta
rosa, vermelha, negra e da cor da mão acordada,
presença que se multiplica no fundo branco destas
letras, rosa que dança com as pétalas.



Fernando Paixão é escritor e professor de literatura brasileira na Universidade de São Paulo. Publicou em 2015 o livro de poemas Porcelana Invisível, pela Cosac Naif.


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