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Conhecer sem degradar
”Vamos repensar a maneira como desbravamos novos destinos”. Quem nos faz este convite – ou melhor, este apelo – é o especialista em turismo Joan Buades, escritor, professor e pesquisador da ONG Alba Sud – associação catalã focada em pesquisa e comunicação para o desenvolvimento, fundada em Barcelona. Longe do glamour estampado em fotografias, blogs ou campanhas publicitárias, quais seriam os impactos do turismo em massa para setores como educação, cultura, serviços, bem-estar social e meio ambiente? Dados divulgados em janeiro pela Organização Mundial do Turismo (OMT) mostram que o número de pessoas que fazem viagens internacionais cresceu 7% no mundo em 2017: o maior resultado em sete anos. E as previsões indicam que o crescimento deve ficar entre 4% e 5% em 2018. Tendo em vista esse cenário, o pesquisador espanhol nascido em Maiorca (Ilhas Baleares) fala sobre o papel do turismo no capitalismo global e sobre a necessidade de repensar modelos.
Foto: Leila Fugii
De onde vim
Primeiramente, quando a origem é uma cidade como a minha – onde vivi, praticamente, toda a minha vida –, que faz parte de um arquipélago cuja população é de menos de 1/10 da população da cidade de São Paulo [a população de SP é de 12,1 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] e nos visitam 13 milhões de turistas anualmente –, se supõe que devêssemos saber algo sobre o turismo, o êxito turístico e suas consequências. O problema é que quando se vive num lugar rodeado por um turismo que a cada ano cresce mais – nosso turismo dobrou nos últimos 15 anos – as grandes perguntas a fazer, assim como em muitos lugares onde se busca o incremento de visitantes é: “Valeu a pena este boom de turistas?Para quem valeu a pena? Para quem vive no país? Temos energia; transporte público eficiente; os idosos estão sendo bem cuidados?” A resposta é: não. Devemos, claro, contextualizar essa afirmação: em plena ditadura franquista [referente à ditadura de Francisco Franco, na Espanha], que começou em 1936 e terminou em 1975, ou seja, durou 40 anos, o turismo passou de zero a muitíssimo. Podemos dizer que nos primeiros 20 anos, ele foi, sim, proveitoso. Houve uma melhora econômica evidente, assim como uma mudança socioeconômica importante.
O outro lado da moeda
Esse quadro positivo, no entanto, se encerrou no começo dos anos 1990. Quando se desequilibrou totalmente o crescimento do turismo e o bem-estar da população nas Ilhas Baleares, por exemplo. Agora, começamos a perceber que recebemos milhões de turistas, que nossa população cresce rapidamente porque as pessoas encontram trabalho na construção, nos hotéis... É muito fácil conseguir um trabalho sem qualificação profissional, sem estudos. Mas isso não serve para viver melhor, porque está provado que com a entrada de empresas que locam residências particulares, a especulação imobiliária cresceu vertiginosamente, o preço das moradias disparou e estamos num processo de desalojamento massivo de jovens e idosos de suas moradias. Residentes que estão alugando suas casas para determinadas empresas. O turismo também deixou de ser uma fonte de riqueza para o país, porque algumas riquezas naturais como a água estão se tornando escassos. Digamos que, nos últimos 25 anos, estamos registrando uma queda do bem-estar da população das Ilhas Baleares, enquanto dispara o número de turistas.
Próximo destino: Brasil
Por isso, acredito que este seja um grande momento para falar sobre o que é o turismo. Principalmente para vocês, que vivem no Brasil, país que recebe, aproximadamente, sete milhões de turistas estrangeiros por ano [dados do Ministério do Turismo divulgados em janeiro de 2017] e tem quase 200 milhões de habitantes. O potencial turístico de um país como o Brasil é enorme. Mas essa afirmação não é tão simples assim, e a entrada de turistas não pode ser vista, totalmente, como uma grande oportunidade, mas também como um grande desafio. E aí é o ponto de reflexão: quando uma região como o Brasil, por exemplo, decide se abrir ao turismo, e acredito que o Brasil possa ser uma nova França ou Espanha [1º e 2º destinos, respectivamente, mais procurados pelos turistas no mundo, segundo a OMT], a população precisa saber qual o valor dessa conta, tendo em vista o saldo ambiental e democrático. Porque se enganam se acreditam que um turismo feito de qualquer maneira seja proveitoso.Por isso, devemos fazer a pergunta: “Se queremos turismo, para quem o queremos? Queremos o turismo para que as comunidades locais se beneficiem?”.
Fator socioambiental
Há uma preocupação social e ambiental crescente. No entanto, há mais turismo do tipo aéreo e precisamos pensar sobre as mudanças climáticas. Quando foram calculadas as causas por trás dessas mudanças, uma das mais importantes é o transporte aéreo: responsável por três quartos do setor turístico. As emissões de poluentes desse transporte adotado pelo turismo é de, aproximadamente, 14% do total de poluentes emitidos, responsáveis pela mudança climática. Então, o turismo está não somente sofrendo com as mudanças climáticas, como também está provocando essas mudanças. Cada vez mais há turistas que utilizam o avião como meio de transporte. Portanto, há uma preocupação ambiental porque se o país se organiza para o turismo, caso do Brasil, que abre novos aeroportos, capazes de receber mais turistas pelo segmento aéreo, temos que recordar que os acordos internacionais sobre o clima, como o de Kyoto, exclui o turismo aéreo e de cruzeiros da contabilidade climática.
Mudanças já
Isso quer dizer que, se o turismo seguir desse jeito, as mudanças climáticas serão maiores do que esse quadro do qual temos acesso e que desconsidera esse impacto do turismo. Em algum momento no século 21, teremos que fazer algo para mudar o cenário: menos aviões e mais turismo regional em trem, carro, ônibus, de base terrestre ou marítima. Outro problema é que cada vez mais as sociedades se questionam se o turismo é algo, de fato, bom. Em Barcelona, periodicamente, a prefeitura faz uma sondagem com a população sobre quais são os problemas mais importantes. E os moradores confirmam: o turismo e, em seguida, o trabalho. Porque, assim como nas Ilhas Baleares, a sociedade percebeu esse setor como um problema para o bem-estar, que é um problema de fundo democrático. Então, é importante que aqui não se cometam os mesmos erros que nossas autoridades, tanto ditatoriais quando democráticas, cometeram.
Por isso, devemos fazer a pergunta: “Se queremos turismo, para quem o queremos? Queremos o turismo para que as comunidades locais
se beneficiem?
Joan Buades esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 6 de dezembro de 2017.