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Alquimista do tablado
Um dos maiores nomes do teatro no mundo
vem da Rússia e alia talento aos mistérios da psique humana
Pela primeira vez, um dos nomes mais importantes do teatro russo, Anatoli Vassiliev, realizará uma montagem no Brasil. Inspirada na obra do escritor norte-americano Ernest Hemingway e apresentada em 2017 no Festival Internacional de Teatro Tchekov, em Moscou, O Velho e o Mar deve ser encenada em 2019, a convite do Sesc São Paulo. A peça é uma homenagem ao diretor russo Yuri Lyubimov (1917-2014), um dos mestres do encenador.
Em julho, Vassiliev esteve em São Paulo para escolher a atriz brasileira que protagonizará o monólogo. Durante a visita, o diretor participou de um bate-papo com o público no Sesc Consolação e falou sobre Lyubimov, motivações, arte e espiritualidade. Confira trechos dessa conversa.
Foto: Leila Fugii
Teatro psicológico
Eu não faço peças na Rússia. Faço peças na Europa. Mas, na Rússia, de fato, eu reconstruí essa escola [originário da Rússia, o teatro psicológico produz espetáculos impregnados de conteúdos sobre espiritualidade e filosofia, transmutáveis pela ação física e/ou pelo canto] e comecei a trabalhar com estruturas totalmente distintas. Busquei o teatro metafísico, o teatro sagrado e dediquei a isso boa parte da minha vida: da teoria à prática e a uma metodologia de formação do ator. Acho que foi por causa disso que fui expulso de lá. Porque isso não era popular. Eu queria direcionar o teatro russo para esse caminho. Quando me vi na Europa, eu o pratiquei de formas diversas. Me parecia que lá, essa base da vida emocional é extremamente fraca, sobretudo na França, mas não só na França. Ou seja, as condições sociais, a educação e a civilização nivelam a personalidade. Elas igualam. E o europeu começa a esconder tudo que está conectado a sensações profundas. Para o teatro, isso é péssimo. Por isso, na minha prática com os europeus, comecei a voltar a essa escola que permite explodir o psiquismo. Tive resultados muito bons. O ser humano é o único elemento que sempre deve ser preservado no palco dramático. O ser humano e sua personalidade devem ser o elemento básico e principal. Isso eu recebi de herança dos meus mestres.
Ao mestre, gratidão
Acho que o mais importante no contexto da vida é sempre ser grato àquele que te salvou, te protegeu, te deu um caminho e determinou seu futuro. E Yuri Lyubimov [ator, diretor e o fundador do Teatro Taganka, um dos mais populares de Moscou] foi uma figura assim na minha vida. Quando mais uma vez eu tinha sido expulso de Moscou, ele me convidou e disse: “Olha, aqui tem um palco. Faça o que quiser”. E dessa forma, desde 1980, ele definiu toda minha vida até o dia de hoje. Por isso, sempre busquei uma oportunidade para retribuir o que ele fez para mim. Mas retribuir com uma palavra de gratidão não significa nada. Por isso, fiz um espetáculo totalmente dedicado a ele.
O velho e o mar
A montagem O Velho e o Mar é uma parábola da vida de Lyubimov: sair para o oceano da cultura, o oceano do teatro e da vida, pescar o maior peixe e, então, sofrer uma derrota. Ele educou uma geração de jovens atores. A história do grupo de teatro Taganka começou em meados dos anos 1950. E, em 1984, Lyubimov não pôde voltar à União Soviética, quando os atores o colocaram para fora e Moscou não o defendeu. Então, Lyubimov abriu mão do Taganka e terminou sua vida fora do teatro. Apesar de toda uma geração russa de políticos e empresários formada por ele, quando todas essas pessoas chegaram ao poder, tomaram terras, fábricas, bancos, dinheiro – eles não lhe deixaram o teatro que frequentaram e onde foram educados com liberdade. Foram eles que abocanharam esse “peixe” pescado por Lyubimov – um homem grandioso que morreu aos 96 anos.
Vencedores e vencidos
O espetáculo, portanto, não está direcionado ao espectador, em primeiro lugar. Trata-se de uma parábola dedicada à vida de um artista. Mas, ao mesmo tempo, existe uma mensagem de Hemingway que é: ganha aquele que foi derrotado. E essa é uma das mais importantes mensagens dirigidas ao público porque ele é composto também por vencidos. E esse otimismo da derrota é uma mensagem muito importante para a vitalidade, para o sentido da vida. Isso é o mais importante que eu poderia transmitir. Quanto às forças da natureza [às quais o texto de Hemingway faz referência], de fato, vou conhecer a natureza quando virar um cadáver. Enquanto isso, sou parte dela e acho que a preservação do humano como algo da natureza é muito importante. Porque a transformação do humano em máquina é uma tendência muito perigosa.
A natureza nunca é automática.
O ser humano é o único elemento que sempre deve ser preservado no palco dramático