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Lado A Lado B


Foto: Edouard Fraipont.

Segure firme, mas com cuidado. Garanta que nenhum arranhão inconveniente atrapalhe a audição. Agora, sim: é só ouvir o chiado inicial da agulha, como se fosse o batimento cardíaco indicando que há vida ali, e siga o som. Cada um tem seu ritual, mas a dinâmica não é diferente nos quatro cantos do planeta desde 1948, ano no qual chegou ao mundo, pela americana Columbia Records, o long play (ou LP).

Essas maravilhas rodavam por 25 minutos no lado A e mais 25 minutos do lado B. Além disso, agora eram de 33 1/3 rotações por minuto, substituindo as antigas bolachas que tocavam em 78 rotações, acompanhadas de chiados constantes e com uma capacidade temporal bem reduzida (aproximadamente quatro minutinhos de cada lado).

O criador da mágica responde pelo nome de Peter Goldmark, engenheiro húngaro naturalizado americano que demorou três anos para chegar ao resultado comercializado pela Columbia. Para a estreia, a gravadora optou pelo nem tão revolucionário, mas rei da popularidade, Frank Sinatra.

 


Foto: Leila Fugii.
 

Virou febre

Foi o início de uma paixão pelo disco de vinil em escala mundial. Segundo o curador da exposição Lado B: O Disco de Vinil na Arte Contemporânea Brasileira (veja boxe Nem só de música), Chico Dub, o advento do LP em 1948 ajudou a tornar a música a mais popular das artes. “É impossível pensar no jazz, no rock e em gêneros surgidos posteriormente sem o disco de vinil como suporte estético e ideológico”, afirma.

No Brasil, a nova invenção virou febre nas vitrolas desde 1951. Entre os destaques da época, estão as canções interpretadas por Oscarito, ator conhecido pela dupla com outro astro do cinema nacional, Grande Otelo. E não é que Oscarito fez sucesso cantando marchinhas de carnaval?

Na outra ponta da diversidade, aparece o grupo Os Cariocas. O primeiro lançamento, ainda em 78 rotações, foi o compacto simples A Ilusão (1948). A gravação foi a fagulha que iria acender a paixão pela bossa nova.
 

Vende-se

O apelo mercadológico dos discos de vinil não passou despercebido pela indústria cultural. Professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Eduardo Vicente traça um panorama da indústria e do mercado fonográfico brasileiro em Da Vitrola ao iPod – Uma História da Indústria Fonográfica no Brasil (Alameda, 2015). De acordo com o pesquisador, observa-se um constante aumento na venda de discos num movimento global, em maior ou menor escala, dependendo do país. Historicamente, nos anos 1990 o CD substituiu o vinil numa indústria que se baseava principalmente na venda de suportes. Dados do livro informam que no Brasil, em 1997, foram vendidos 108 milhões de CDs. Quanto aos LPs, em 2015, a gravadora Polysom produziu cerca de 120 mil discos. Para efeito de comparação, 0,11% da produção de CDs em seu auge. “Hoje, o vinil ganha terreno diante do CD – e também a fita cassete parece estar ganhando – numa indústria musical que se baseia também em suportes, mas principalmente em shows ao vivo, serviços de streaming, direitos autorais (uso das músicas em filmes, games etc.), direitos de execução (em rádio, televisão, cinema e internet...), vendas de música online (que têm caído ano a ano)”.

Nesse sentido, o especialista contextualiza por que o vinil deixou de ser a menina dos olhos da indústria, pois o lucro está pulverizado em novos modos de fazer contato com a música, pagos ou não.

O fato é que esse não é um caminho em linha reta, pois o vinil ainda circula entre colecionadores, DJs (alguns usam vinis em suas apresentações) e fãs que podem se relacionar como ouvintes ou adorar o objeto em si, sem considerar as faixas que tocam no lado A/lado B. E, à parte de tudo isso, a indústria musical.

Mesmo considerando as mudanças do novo milênio, como o desmantelamento do negócio das grandes gravadoras, o crescimento do mercado de shows, as mudanças nos hábitos de consumo das pessoas (fones de ouvido, celulares, serviços de streaming), segundo o professor Eduardo Vicente ainda se trata de uma indústria baseada em fonogramas. “O padrão que surgiu no final do século 19, começo do 20, ainda sobrevive. E é isso que, para mim, conecta tudo: playlists de serviços de streaming, videoclipes do YouTube, canções de trilhas de filmes e games, CDs, vinis, K7s...”, completa.
 

Está no museu

Não é só o que os ouvidos ouvem, mas o que as mãos tocam e os olhos constatam. O poder simbólico de um disco retrata experiências sensitivas que aproximam, afastam e perpassam gerações, tendo em vista sua durabilidade, que, para Jefferson Motta, músico e membro da equipe da Discoteca Oneyda Alvarenga (Centro Cultural São Paulo), reforça seu simbolismo. “Temos discos de vinil do final dos anos 1950 que estão em perfeitas condições tanto de qualidade sonora quanto de integridade da mídia”, esclarece.

Tal longevidade se reconhece no culto ao objeto artístico. Disco se exibe na vitrola, mas não só. Também pode fazer parte, por exemplo, de uma instalação de arte contemporânea. Há momentos marcantes na história do vinil para compreendermos sua potência artística. Um escolhido por Chico Dub é bem nos anos 1960, em sua visão, época das mais férteis. “Mesmo que experimentos artísticos com o disco de vinil tenham surgido desde o nascimento da mídia, acredito que os anos 60 e as obras intermídia dessa década, principalmente via grupo Fluxus e arte conceitual, usaram e abusaram do vinil como objeto artístico e meio de expressão e da capa como tela em branco”, observa.
 

Som na caixa

SELECIONAMOS RAPIDINHAS SOBRE OS DISCOS DE VINIL PARA VOCÊ LER NUM TEMPO DE UM ANTIGO 78 ROTAÇÕES

Petita: o disco de Mário Pinheiro traz a peça Petita, foi produzido em junho de 1910 pela gravadora Victor Records e é considerado senão o mais antigo, um dos mais antigos discos de violão solo lançados no Brasil. Faz parte da coleção Ronoel Simões, da Discoteca Oneyda Alvarenga.


Foto: PolyGram Records. 

Tela: a capa dos discos é tão ou mais cultuada do que seu som. Do rock, temos a senhora banana de Andy Warhol na capa de The Velvet Underground and Nico (1967), os quatro garotos de Liverpool cruzando a Abbey Road (Beatles, 1969) e o prisma que transcende Dark Side of the Moon (Pink Floyd, 1973).

 


Foto: Divulgação.

Tropicália ou Panis et Circenses: direto de 1968, representa a síntese do movimento tropicalista, que incluía a conexão entre expressões artísticas, “com toda sua construção complexa e afrontosamente política em relação ao regime que vigorava na época”, contextualiza Jefferson Motta, da Discoteca Oneyda Alvarenga. No clique icônico do fotógrafo Oliver Perroy estavam Os Mutantes, Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso, Rogério Duprat, entre outros.


Foto: ContinentalWarner Music.

Tela brasileira: o disco Secos & Molhados (1973) é um campeão de recordes. Tirou a coroa de Roberto Carlos na lista dos mais vendidos em 1974. Ligeiro, trazia 13 canções em cerca de 30 minutos. A capa é de autoria de Antonio Carlos Rodrigues, que maquiou os músicos.

 

Nem só de música

Vinil diz a que veio em exposição de obras artísticas que abordam seus aspectos históricos, visuais e sonoros


Foto: Lucas Bori. 

Lado B: O Disco de Vinil na Arte Contemporânea Brasileira é uma exposição coletiva que reúne 61 obras de mais de 30 artistas contemporâneos brasileiros, demonstrando a versatilidade nos usos do disco de vinil como material estético visual, sonoro, matérico, conceitual e poético. Para o curador Chico Dub, “o som, em si mesmo, devido a avanços na tecnologia e, também, pelo desejo de ultrapassar os limites da experimentação, passou a ser reconhecido e exibido como arte”. Com entrada gratuita, a mostra fica em cartaz no Sesc Belenzinho até 30 de junho.

 

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