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Teatro gesto criador


Antunes Filho | Foto: Jairo Goldflus.

 

Um artista que expressou sua época por meios que estabelecem pontes entre o ser humano e as divindades recuperadas do pensamento arcaico. A definição está presente em Hierofania: O Teatro Segundo Antunes Filho (Edições Sesc, 2010), de Sebastião Milaré, e ajuda a entender a potência e a inventividade de um homem que dedicou a vida às artes cênicas. No livro, Milaré defende uma análise da obra de Antunes sob o ponto de vista histórico e transcendental: “Debruçar-se não munido dos velhos instrumentos, dos velhos conceitos, dos velhos paradigmas, e sim despojado, pronto para lidar com o novo, fruto do gesto criador”.

José Alves Antunes Filho nasceu em São Paulo, em 12 de dezembro de 1929. Morador do bairro do Bixiga, na juventude chegou a cursar direito na Universidade de São Paulo (USP), carreira que abandonou para estudar artes dramáticas. O fio condutor dessa trajetória se deu com seu pioneirismo. Antunes fez parte de uma geração de diretores brasileiros influenciados pelo Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC. Por lá, também passaram outros grandes nomes do teatro nacional, como Antônio Abujamra, Fernanda Montenegro, Paulo Autran e Amir Haddad. Em 1952, Antunes fez parte do staff de assistentes do TBC, convivendo com renomados encenadores estrangeiros: Ziembinski, Adolfo Celi, Luciano Salce, Ruggero Jacobbi e Flaminio Bollini. Sua estreia teatral foi um ano depois, com a comédia Week-end, do dramaturgo e ator britânico Noel Coward.
 

Revisão de Nelson Rodrigues

Antunes Filho iniciou a incursão pelos textos de Nelson Rodrigues com A Falecida (escrita em 1958), esm meio ao trabalho com a obra do escritor mineiro João Guimarães Rosa. O diretor redireciona, então, sua pesquisa para o dramaturgo e jornalista. Nos anos 1980, um grupo de atores se dedicou a vasculhar suas crônicas, textos sobre futebol e romances, enquanto a outra parte do então chamado grupo Pau-Brasil (mais tarde batizado de Macunaíma) excursionava pela Europa.

Improviso e vivência serviram de instrumento para desvendar e posteriormente encenar as obras. Ainda em seu livro, o pesquisador Sebastião Milaré informou: “Antunes nunca aceitou o confinamento do drama rodriguiano a rótulos”. A obra dramática só pode ter sua qualidade poética desvelada ao se transformar em matéria cênica. “Isso é o que ele procurava fazer”, acrescenta.

As pesquisas levaram Antunes a encenar ainda Nelson Rodrigues, o Eterno Retorno (1981), tendo como base os textos Álbum de Família, Toda Nudez Será Castigada, Os Sete Gatinhos e Beijo no Asfalto; e Nelson 2 Rodrigues (1984), focado nas peças Álbum de Família e Toda Nudez Será Castigada.
 


O diretor, em ensaio de Colatanea 2, foto  de 2009 | Foto: Piu Dip
 

Guia de gerações

Ao estrear O Diário de Anne Frank, em 1958, primeiro espetáculo por sua companhia Pequeno Teatro de Comédia, leva o prêmio de melhor direção pela recém-criada Associação Paulista de Críticos Teatrais (APCT). Na sequência, Alô...36-5499, com texto de Abílio Pereira de Almeida, adere ao interesse pela dramaturgia nacional.

Foi com Platão 21 (1959), texto do dramaturgo norte-americano Sidney Kingsley, que ocorreu o pulo do gato da encenação, na dinâmica do volumoso elenco: 30 atores em alternância harmoniosa no espaço cênico, como a estreante Laura Cardoso. Entre outras grandes atrizes que trabalharam com Antunes estão Cleyde Yáconis, na peça Yerma, adaptação do poeta e dramaturgo espanhol Federico Garcia Lorca; e Eva Wilma, em Sem Entrada, Sem Mais Nada, de Roberto Freire, última peça do Pequeno Teatro de Comédia.

Em 1977, esteve à frente de outro marco do teatro nacional: Esperando Godot, de Samuel Beckett, com um elenco formado por mulheres. De peito aberto às inovações, teve em Macunaíma (1978) o símbolo de sua vanguarda. Foi o primeiro diretor a realizar uma montagem autoral sobre o livro de Mário de Andrade, que é referência para novas gerações desde os anos 1980. “Ele era exigente”, relembra Emídio Luisi, fotógrafo que acompanhou o diretor, registrando os bastidores dos espetáculos por mais de 40 anos. “Ao dizer ‘você não pode gostar de teatro, tem que se apaixonar por teatro’, ele deixa clara a dedicação ao ofício. O que aprendi foi a metodologia que ele ensinou aos atores, o ensinamento contido em cada espetáculo”, relata o fotógrafo.
 

Centro de pesquisa

Com ligação profissional e afetiva ao Teatro Anchieta, no Sesc Consolação, Antunes Filho foi quem mais dirigiu espetáculos por lá. Da parceria, surgiu o Centro de Pesquisa Teatral (CPT), em 1982. Desde então, o espaço tornou-se a sala de produção artística do grupo. Do fluxo intenso, vieram a público peças baseadas em obras como Macunaíma (cuja estreia se deu em 1978, no Theatro São Pedro), de Mário de Andrade; A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1986), de Guimarães Rosa; A Pedra do Reino (2006), de Ariano Suassuna; Blanche (2016), sua versão de Um Bonde Chamado Desejo, do dramaturgo norte-americano Tennessee Williams; e Eu Estava em Minha Casa e Esperava Que a Chuva Chegasse, do francês Jean-Luc Lagarce, apresentada no teatro do Sesc Consolação em setembro de 2018, após estreia no Mirada: Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, na cidade de Santos.

Em depoimento registrado no livro Teatro Sesc Anchieta – Um Ícone Paulistano (organização de Alexandre Mate, Edições Sesc, 2017), Antunes Filho definiu o Teatro Anchieta como um porto. Naquele palco estão ancorados muito trabalho e capítulos importantes do CPT e dos atores que continuam a produzir e renovar a linguagem teatral. É o caso de Emerson Danesi, que participou dos espetáculos com direção de Antunes desde Drácula e Outros Vampiros (1996) até Antígona (2005), de quase todas as edições de Prêt-à-Porter, depois produziu e dirigiu. Na direção foram Lamartine Babo, com texto de Antunes Filho, e mais recentemente Marguerite – Mon Amour – Recital.Duras.

Danesi relata que a morte de Antunes, em 2 de maio de 2019, foi um momento difícil, pois o diretor era o eixo do CPT: “Homem inquieto, sempre estabelecendo novas relações e descobertas para o trabalho do ator e para a linguagem teatral”. Para ele, fica a vontade e a dedicação “para que a formação técnica e aprimoramento da sensibilidade do intérprete continuem, e para o retorno ao cartaz das nossas últimas obras montadas e possível pesquisa de novos projetos”.

O Sesc São Paulo homenageou o dramaturgo batizando o teatro da unidade Vila Mariana como Teatro Antunes Filho. Em vídeo postado em seu perfil oficial nas redes sociais em 6 de maio, o Diretor do Sesc, Danilo Santos de Miranda, relembrou dois aspectos inseparáveis do encenador: sua atuação como criador e educador. “Esses dois aspectos do Antunes estiveram presentes nos 37 anos de sua trajetória no Sesc, somada a sua trajetória anterior como grande realizador em diversos palcos do Brasil”. Sobre o legado, Danilo Miranda menciona o fazer teatral de Antunes, vendo-o como “propositor de uma nova metodologia de atuação para os atores e para os novos diretores” que se formaram e seguirão formando outros.

 

Para guardar na memória

Uma cronologia de peças inesquecíveis que o diretor e o CPT levaram aos palcos


Foto: Emidio Luisi.

Macunaíma (1978) Adaptação do livro homônimo de Mário de Andrade recriado com toques épicos. Foi encenada em 20 países, sendo a última apresentação em 5 de julho de 1987, em Atenas.

 


Foto: Emidio Luisi.

Paraíso Zona Norte (1989) Reunindo as peças A Falecida e Sete Gatinhos, de Nelson Rodrigues, marcou a radicalização da linguagem, a pesquisa e a experimentação de novos meios interpretativos.


Foto: Emidio Luisi.

A Pedra do Reino (2006) Adaptação do romance de Ariano Suassuna na qual a encenação nos remete ao imaginário popular, tendo como instrumento uma linguagem madura e sem sintonia em o momento histórico.

Lamartine Babo – Um Musical Dramático (2010) Único texto de Antunes que foi encenado e primeira direção de Emerson Danesi. É a história de um grupo musical que prepara um show sobre Lamartine quando recebe a visita de um enigmático homem que conhece tudo sobre o compositor.

 

Presente para os sentidos

Livros e programação especial do SescTV são caminhos para desvendar a obra do mestre

O universo de Antunes Filho pode ser apreciado em diversas plataformas:


Divulgação.

Em livros das Edições Sesc São Paulo: Hierofania: O Teatro Segundo Antunes Filho (Sebastião Milaré, 2010), sobre o método criado por Antunes, as referências estéticas e os exercícios; Antunes Filho: Poeta da Cena (Emidio Luisi e Sebastião Milaré, 2010), que refaz a história do diretor com base em material fotográfico e em textos; Teatro Sesc Anchieta: Um Ícone Paulistano (diversos autores, 2017), uma revisita à história e personagens do teatro, com destaque para o Centro de Pesquisa Teatral (CPT). 


Divulgação.

Em programação do SescTV: O Teatro Segundo Antunes Filho, minissérie que mergulha no universo do diretor e revela suas técnicas e suas colaborações no desenvolvimento do teatro, em seis episódios: As Origens de um Artista; O Método; 60, a Década das Transgressões; Desafios de um Tempo Duro; Mestre e Discípulos; A Poética do Mal; além da série Teatro e Circunstância com o episódio Dialética da História: Prêt-à-Porter, sobre o método para atores desenvolvido por Antunes Filho, entre outros programas também disponíveis on demand em sesctv.org.br.

 

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