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Paisagem viva

Museu de Arte Primitivista 'José Antônio da Silva', São José do Rio Preto - SP
Museu de Arte Primitivista 'José Antônio da Silva', São José do Rio Preto - SP

Sabe aquele ambiente de cidade de interior, lá onde o caipira conta causos fabulosos e a vida rural se reflete na paisagem? É nesse cenário de cultura popular que o escritor, escultor e pintor autodidata José Antônio da Silva desperta para o mundo das artes. “Suas reminiscências vinham à tona para produzir o espetáculo da natureza”, informa o pintor Jocelino Soares, que o conheceu nos idos dos anos 1970 e compartilha com ele a temática.

Conhecido pelos pares como o “SILVA” – o registro em maiúsculas é do colega Soares –, o artista, nascido em 1909, em Sales de Oliveira, município paulista, chamou atenção ao expor na Casa de Cultura de São José do Rio Preto (SP) em 1946. Também em São José do Rio Preto, onde morava desde 1939, ganhava a vida como trabalhador rural, entre outras atividades.

No entanto, a exposição marcou a virada para o pintor, que recebeu elogios dos críticos Lourival Gomes Machado e Paulo Mendes de Almeida, na época. A paleta inicial era pontuada por tonalidades frias em escalas de cores mais escuras e atrelada à nascente geração de pintores naïfs [o termo naïf vem do francês e significa ingênuo ou inocente]. Desse feito, resultou uma mostra em 1948 na Galeria Domus, já na capital paulista.

 

Natureza em Escombros, 1954. Óleo sobre tela | Coleção Romildo Sant’Anna

 

 

Do Brasil para o mundo

Daí em diante foi impossível frear o avanço de realizações, e Silva formou teias vibrantes entre os museus da metrópole. Teve, inclusive, pinturas adquiridas por Pietro Maria Bardi, diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Em seguida, em 1951, veio a participação na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, na qual recebeu o Prêmio Aquisição do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Depois disso, alçou voo pelo circuito internacional das artes plásticas.

Para Romildo Sant’Anna, que divide a curadoria da exposição Caipirismo - José Antônio da Silva e Jocelino Soares (leia Conversa na roça) com Odécio Visintin Rossafa, esses acontecimentos representam a aceitação de Silva como expressão moderna e contemporânea. “Isso se confirma na seleção para a 1ª Bienal de São Paulo, juntamente com Heitor dos Prazeres”, explica.

 

Carreiro na Tempestade, 1983. Óleo sobre tela | Museu de Arte Primitivista 'José Antônio da Silva', São José do Rio Preto - SP

 

 

Artista multifacetado

Nesse intervalo dourado, teve estreia literária editada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), com Romance de Minha Vida (1949): um conjunto de memórias que ainda pode ser encontrado em sebos e traz na capa um trabalhador rural. Na prosa, lançou Maria Clara (1970), com prefácio do crítico literário Antonio Candido; Alice (1972); Sou Pintor, Sou Poeta (1982); e Fazenda da Boa Esperança (1987) – livros que refletem a sua vivência no campo e na pintura.

O ímpeto criador se espraiou ainda na gravação de dois LPs, ambos chamados de Registro do Folclore Mais Autêntico do Brasil, em 1966, trazendo composições musicais de sua autoria. Nesse mesmo ano, Silva abriu as portas do Museu Municipal de Arte Contemporânea de São José do Rio Preto e sua carreira internacional ganhou mais um capítulo robusto, ao receber uma Sala Especial na 33ª Bienal de Veneza.

Já estabelecido como artista original e conceituado, nos anos 1970 fixou residência em São Paulo. Na década seguinte, é fundado, com obras do artista e do museu que havia inaugurado anos antes, o Museu de Arte Primitivista “José Antonio da Silva” (MAP), em São José do Rio Preto. Morreu em 1996, na capital paulista, que o acolheu.

 

Baile na Roça (1969) | Coleção Odécio Visintin Rossafa Garcia | Foto de Nanah Farias
 

 

Herança em cores

O curador Odécio Visintin Rossafa destaca que, desde a inserção de Silva no circuito das artes, sua pintura versou sobre os desmatamentos, as lavouras de algodão, as colheitas de café, o mundo das festas rurais e folclóricas. “Um mundo rural na sua essência”, define.

Uma nova realidade se apresenta entre as décadas de 1960 e 1970, com o êxodo rural como fruto do processo de industrialização. Nesse contexto, Silva levou para suas telas um universo pincelado na memória e na saudade. “A vinda do caipira para os grandes centros, as viagens de trens, as músicas saudosas”, afirma Rossafa. “Na pintura e na poesia, a saudade da terra, descrita em palavras e cores.”

 

 

Referências possíveis

CONHEÇA NOMES DA ARTE QUE DIALOGAM COM A PRODUÇÃO DE SILVA

Andy Warhol (1928-1987)

   Com sua pop art, faz colagens e busca diversas formas de expressão como parte da contracultura dos anos 1970. José Antônio da Silva também faz colagens e interferências em suas pinturas, como no quadro Namoro com a Maria Clara (1976), um óleo sobre tela e colagem em cima de fotografia – atribuída a Romildo Sant’Anna.

Vincent van Gogh (1853-1890)

   Precursor do expressionismo, concentra no traço e na pincelada a força do gesto. Referência presente em obras como Baile na Roça (1969), um nanquim sobre cartão no qual os traços sutis de Silva são quase um rabisco, mas expressam o movimento e suas nuances.

Carmézia Emiliano (1960)

   Premiada pintora naïf de Roraima, com quem há um encontro de paletas no uso de verdes e vermelhos, além do poder de síntese nas figuras e na composição dos espaços. Enquanto nas texturas, Carmézia e Silva conversam ainda mais.

Mario Soares (1991)

   Artista plástico bocaiuvense, que possui trajetória de formação bem interessante. Vive no ambiente rural até os 18 anos e estuda diferentes áreas: informática, design de moda e, finalmente, artes visuais. Como na obra de Silva, a natureza é valorizada em sua produção.

 
Fontes: Odécio Visintin Rossafa Garcia e a pintora naïf Shila Joaquim

 

 

Retrato do professor Romildo Sant’Anna, 1983 | Coleção Romildo Sant’Anna

 

Conversa na roça

EXPOSIÇÃO REÚNE OBRAS DE ARTISTAS QUE RETRATAM O AMBIENTE RURAL

Os pintores José Antônio da Silva e Jocelino Soares se conheceram em 1973, em São José do Rio Preto (SP), “quando ele era o diretor e fundador do museu que hoje leva seu nome”, rememora Soares. Ambos dividem o espaço da mostra Caipirismo – José Antônio da Silva e Jocelino Soares, com curadoria de Odécio Visintin Rossafa Garcia e Romildo Sant’Anna, no Sesc Bom Retiro.

 

 

As obras retratam a origem de ambos os artistas. “Somos do mato, criados na roça, onde a água era tirada da cacimba. Estar ao lado do mestre Silva, para mim, está sendo um grande privilégio”, diz Soares. No acervo, 25 obras de Silva – pinturas que compreendem o período de 1952 a 1990 – dialogam com 22 trabalhos de Soares – pinturas que abraçam os anos de 2010 a 2020.

O nome da exposição joga luz ao estilo de vida que abarca o ambiente rural e as transformações provocadas pelo avanço da vida no ambiente urbano – uma intersecção entre as transformações das cidades e as tradições locais. A mostra também destaca a importância do universo cultural do interior do estado São Paulo, com obras que retratam o trabalho, as religiosidades, festas e paisagens. Seguindo os protocolos de saúde obrigatórios, a exposição está aberta ao público até 31 de janeiro, mediante agendamento pelo site: www.sescsp.org.br/bomretiro.

 

 

 

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