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Natália Agra

Ilustração: Editoria de Arte
Ilustração: Editoria de Arte

Nos teus olhos todas as fases da lua

para a Letícia Ferro

I

o planeta vermelho que de perto

é um balão voando

na altura dos meus cílios

postiços

em atrito dá efeito

de borboleta na balada

já cansada

torres transparentes de tequila

torres vermelhas de vinho tinto

e lá no fundo você

extraindo da moldura a carne pura

na manhã seguinte

o olhar fechado

o corpo em ressaca

a memória uma torre de vidro

neste mar de valsas-ondas

 

II

a maçã e sua anorexia à mostra

estranho exemplo

a boca preenchida de carne

os olhos gotejam no balde

a liberdade melancólica da lua

sempre só

num silêncio-móbile

que Patti Smith canta:

você seria uma asa no céu azul

em sua escuridão

(finally we are no one)

– pergunto-me se isso não seria o fim do horizonte

o espaço me entrega as maçãs mais vermelhas

saturnos

                                   giram

                                                 e                 giram

it was beautiful

it was beautiful

 

Maneki Neko

I

na manhã saturnina

voltam para casa

depois da aventura silenciosa

(psi-viagem

                      cérebro-bússola)

dormem no tempo infinito

entre humanos

(a quem presenteiam

com insetos e rom-rons)

Órion nas íris

vibram em harmonia

deuses da preguiça

                           samurais

haikais nas lâminas das espadas

a singularidade no nariz:

pequeno coração entre os olhos

 

II

um samurai

busca

proteger-se da chuva

embaixo da árvore

à sua frente,

um gato

com a pata levantada

convida-o para o templo

instantes depois

um raio atinge a árvore

que sorte topar com um gato

em uníssono com o universo

seu movimento essencial

 

Monocromatismo Macabro

para a Maíra

 

um besouro

fosforescente

invade o céu

da boca como

uma zaragatoa

o sangue alegoria

espalha mortalha

elixir de nicotina

entoa

no corpo

havia larvas

pupas e moscas

adultas

deriva ao lado

névoa rosa

encrosta o

pulmão áspero

das árvores

eis que exangue

no interior da

caverna a sombra

do assassino a

maior expressão

do homem vencido

o horror e

o cérebro ainda

escorrendo nas estalactites

 

Acrobacias

I

no topo da árvore

respiram

longas notas musicais

 

II

o verão nos encontra

na cicatriz do peito

abraçamos os ossos

onde perplexos

pecamos

 

III

uma                         anêmona

adentra                    a                                  noite

 

IV

o tempo

corta a palavra

        templo

 

V

agonizam iradas

entrelaçadas

as montanhas

 

VI

uma anedota

para passar o tempo

enfim,

um desatino

 

NATÁLIA  AGRA é poeta e editora. Publicou os livros de poesia De Repente a Chuva (Corsário-Satã, 2017), fotogramas [o silêncio possível] (7Letras, 2019) e Noite de São João (Corsário-Satã, 2020). Em 2019, publicou seu primeiro livro infantil, Os Balões de Nise, na coleção Coco de Roda, da Imprensa Oficial Graciliano Ramos. Ela edita, ao lado de Fabiano Calixto, Rodrigo Lobo Damasceno e Tiago Pinheiro, a revista de poesia Meteöro. É uma das organizadoras da Desvairada – Feira de Poesia de São Paulo, que acontece anualmente na capital paulista.

 

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