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A hora e a vez da inovação
por Evanildo da Silveira
Em 7 de junho foi divulgado o resultado da concorrência para ocupar os três últimos terrenos disponíveis para a construção de centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As vencedoras foram as gigantes multinacionais Siemens, BG E&P e EMC Computer Systems, que em conjunto deverão empregar mais de mil cientistas em suas futuras instalações. Elas representam apenas três exemplos de um fenômeno que vem ocorrendo no Brasil em anos recentes: a implantação em território nacional de grandes laboratórios de empresas globais para a criação de novos produtos, serviços e inovações. Isso decorre principalmente da estabilidade política, da economia em crescimento, do mercado consumidor em expansão e da mão de obra qualificada – como mestres e doutores formados nas universidades brasileiras. O país tem muito a ganhar com isso, incluindo o avanço em seu desenvolvimento científico e tecnológico.
Entre as outras companhias estrangeiras que resolveram montar centros de pesquisa no Brasil ou ampliar os que já possuem aqui, podem ser citadas a IBM, a GE, a Saab, a Dell, a Telefônica e a Whirlpool, esta última dona das marcas Brastemp e Consul. Segundo dados da Secretaria Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (SNDTI), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em 2010 foram investidos nada menos que R$ 14 bilhões na criação de laboratórios no país, valor que deverá subir para R$ 17 bilhões neste ano, um crescimento de 21%. “O Brasil vive um momento especial, de grande atração internacional, e passou a assumir recentemente a inovação como palavra-chave para o desenvolvimento sustentável”, diz Ronaldo Mota, titular da SNDTI.
O fenômeno não está ocorrendo por acaso. Há duas grandes razões para isso. Uma está ligada às próprias empresas e outra ao ambiente científico, tecnológico e econômico do Brasil e a seu peso no mercado mundial. No primeiro caso, o diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique de Brito Cruz, um estudioso do assunto, lembra que de uns 20 anos para cá a maior parte das grandes empresas mundiais percebeu que é um bom negócio descentralizar, em algum grau, suas atividades de P&D. “Seus executivos entenderam a importância de buscar mais contato com os mercados onde atuam”, diz. “As multinacionais com sede nos Estados Unidos, por exemplo, realizam em outros países cerca de 18% desse trabalho, o que é um índice expressivo.”
Coordenador de dois estudos sobre as atividades científicas e tecnológicas de multinacionais instaladas no Brasil, realizados entre 2004 e 2009, Sérgio Robles Reis de Queiroz, do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp), tem opinião semelhante. De acordo com ele, embora as grandes companhias globais ainda realizem a maior parte das pesquisas e do desenvolvimento de produtos nos países de origem, é importante para elas fazer investimentos e estar presentes na área de tecnologia nos mercados onde atuam, não só criando novos produtos, mas adaptando os que são fabricados fora.
Condições atraentes
Como exemplo típico de adaptação, Queiroz cita o que ocorre na indústria automobilística. “Todo mundo sabe que, se um carro projetado para rodar na Europa vier para cá do jeito que é, não dura dois meses”, diz. “Por isso, o veículo precisa de uma série de ajustes.” Esse trabalho de adequar o produto a determinado mercado, principalmente se for grande e estiver em expansão, como é o caso do brasileiro, vale a pena para a empresa. Isso valoriza sua presença naquela nação e é uma grande motivação para que invista em P&D local.
Outra razão para uma empresa decidir instalar um centro de pesquisa em determinado país tem a ver com o que ele oferece em termos de ciência e tecnologia, incluindo a mão de obra qualificada, ou seja, cientistas bem formados. “Por exemplo, uma empresa da área farmacêutica pode decidir instalar um laboratório na Suíça, que, embora seja um mercado pequeno, tem muita competência em pesquisa de medicamentos”, explica Queiroz. “Então a companhia vai atrás daquele predicado, do grupo da universidade que é forte ou de um parque tecnológico lá existente.” Esse é o motivo pelo qual muitas empresas de tecnologia da informação (TI) são instaladas no Vale do Silício, na Califórnia. Se quiserem estar atualizadas sobre o que está acontecendo no mundo e ter acesso aos melhores recursos humanos nessa área, a instituições científicas e a universidades, tais empresas deverão ir para lá.
Guardadas as devidas proporções, o Brasil também vem se destacando nos últimos anos nesse aspecto. O país forma hoje 12 mil doutores e 40 mil engenheiros por ano. Além disso, sua participação na produção científica mundial vem crescendo. Um relatório denominado Conhecimento, Redes e Nações: A Colaboração Científica no Século 21, divulgado em março deste ano pela Royal Society, a academia nacional de ciência britânica, mostra que essa participação passou de 1,3% do total de estudos científicos globais entre 1999 e 2003 para 1,6% no período de 2004 a 2008. Ainda de acordo com o documento, a cidade de São Paulo subiu do 38º para o 17º lugar na lista de cidades com mais publicações no mundo, o que “reflete o rápido crescimento da ciência brasileira”.
É atrás disso que muitas empresas vêm, quando montam seus laboratórios no Brasil. Esse é um dos aspectos revelados por um estudo de Queiroz, para o qual ele entrevistou, em 2007, representantes de 55 filiais de multinacionais instaladas aqui. De uma lista de argumentos usados pelas subsidiárias locais para convencer a matriz a investir em P&D no Brasil, a maioria deles refere-se a quatro: mão de obra (com preço competitivo), custo total para P&D, ambiente local para a realização das atividades de pesquisa (qualidade dos cientistas e das instituições científicas) e atendimento do mercado (em relevância e em necessidade para adaptação).
Fatores semelhantes a esses pesaram na decisão da GE, por exemplo, de escolher o Brasil entre mais de cem países analisados para sediar o quinto Centro de Pesquisas Global (GRC, na sigla em inglês) da companhia. É o primeiro no país e será construído na ilha de Bom Jesus (hoje integrada à do Fundão), na cidade do Rio de Janeiro. “A escolha do Brasil levou em conta diversos aspectos, como estabilidade da economia, potencial de desenvolvimento, qualificação da mão de obra, oportunidades de negócios em infraestrutura, potencial de crescimento, maturidade da atuação da GE aqui e relacionamento com clientes”, enumera Kenneth Herd, líder do GRC. “A cidade do Rio de Janeiro, por sua vez, foi escolhida com base em critérios importantes, como logística e proximidade de universidades e clientes.”
Mercado aquecido
Além disso, segundo Herd, o Brasil vive um momento próspero em diferentes aspectos. Foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, o que deverá acelerar a modernização, o desenvolvimento e a infraestrutura do país. Também atravessou a última crise financeira, de 2008, sem muitos percalços. “Com os olhos voltados para o crescimento da economia brasileira, o mercado proporciona oportunidades para diversos profissionais”, acrescenta ele.
Razões como essas também foram levadas em conta pela Telefônica quando decidiu instalar seu primeiro centro de inovação fora da Espanha. “A escolha do Brasil para sediá-lo é o reconhecimento das perspectivas do mercado local de comunicações e do potencial criativo e inventivo de uma das sociedades com maior índice de utilização de tecnologia em todo o mundo”, diz Pablo Larrieux, diretor de Inovação da empresa. “Além disso, o país já está preparado para receber esse tipo de laboratório, porque conta com universidades e pesquisadores de ponta. Nossa intenção é estar próximo das instituições daqui.” Todos os cientistas e funcionários do centro são brasileiros, embora haja possibilidade de intercâmbio de pessoal com a sede da empresa em seu país de origem.
No caso da Dell, gigante na área de fabricação de computadores, a decisão inicial de escolher o Brasil para implantar um de seus laboratórios foi motivada pelos incentivos previstos na Lei de Informática. Para poder usufruir deles, em contrapartida a empresa teve de investir em P&D no país. “Mas em pouco tempo o resultado da equipe daqui ultrapassou os limites dos benefícios fiscais”, conta Felipe Soares, diretor do Centro de Tecnologia da Informação da companhia no Brasil. “Atualmente, a qualidade dos profissionais, a baixa rotatividade e a localização geográfica foram os fatores-chave para manter a operação aqui. Praticamente toda a equipe é formada por brasileiros. São raros os casos de estrangeiros no quadro de funcionários.”
A IBM também aposta na mão de obra nacional. Em março a empresa inaugurou, no Rio de Janeiro, as instalações de seu primeiro laboratório de pesquisas no hemisfério sul, o IBM Research-Brasil. A previsão é que sejam contratados, nos próximos cinco anos, mais de cem cientistas altamente qualificados, quase todos brasileiros. Eles vão trabalhar de forma integrada com os cerca de 3 mil pesquisadores que a companhia tem espalhados em cinco países. Para o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, presente na inauguração, a escolha para sediar esse centro é reflexo de como o mundo tem visto as oportunidades para investir em tecnologia e inovação no Brasil.
Segundo o vice-presidente de laboratórios globais da IBM Research, Robert Morris, o que foi instalado no país é o nono da empresa no mundo. As pesquisas realizadas aqui cobrirão as seguintes áreas: descoberta, exploração e logística ligadas a recursos naturais; dispositivos inteligentes, com a utilização de avanços na área de semicondutores; inovação com ênfase em eventos de larga escala, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.
Equipe qualificada
O centro da Dell é mais antigo e está entre os primeiros instalados por multinacionais no país. Foi inaugurado em 2001, em Eldorado do Sul (RS), onde fica a sede da companhia no Brasil, a cerca de 50 quilômetros de Porto Alegre. Em 2002, foi transferido para o campus da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), na capital do estado. “Foi nosso primeiro laboratório de tecnologia a operar fora dos Estados Unidos e, após seu sucesso, foram criados outros, como o da Índia e o da Malásia”, conta Soares. “Aqui, trabalha uma equipe altamente qualificada, formada por doutores e mestres, que atuam com as universidades no desenvolvimento de vários projetos.” Eles têm a responsabilidade de criar, testar e manter os sistemas internos da Dell Mundial. Os profissionais locais respondem por todo o processo de criação e teste de softwares, desde o levantamento de requisitos até a implementação em produção.
Inaugurado em fevereiro deste ano, em São Paulo, o laboratório da Telefônica, por sua vez, terá o grosso das pesquisas centralizado nos estágios iniciais de novas soluções (incubadoras e provas de conceito), além de iniciativas para lançamento de novidades tecnológicas de vídeo, redes móveis e serviços por meio de fibras ópticas domiciliares. “A inovação é peça fundamental na oferta de serviços a nossos clientes”, diz Larrieux. “Esse processo será acelerado por uma atuação integrada entre os centros de desenvolvimento do grupo na Espanha e no Brasil.” Atualmente, trabalham aqui cerca de 30 pessoas, entre cientistas e funcionários, número que deverá ser ampliado em futuro próximo. Por razões estratégicas próprias, a empresa não divulga dados sobre investimentos e custos.
A GE é menos rigorosa no fornecimento de informações. De acordo com Herd, o GRC da empresa no país deverá ser inaugurado em meados de 2013. Será o segundo maior centro multidisciplinar de pesquisas da empresa fora dos Estados Unidos, atrás apenas do da Índia. Ele vai ser construído em uma área de 13 mil metros quadrados e terá, na fase inicial, 200 profissionais altamente qualificados, quase todos brasileiros, dos quais cerca de 70 serão contratados até o final de 2011. “Nosso investimento inicial será de US$ 100 milhões”, revela Herd. “Até o laboratório estar totalmente pronto, os cientistas da GE realizarão seu trabalho no Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes), da Petrobras, instalado no campus da UFRJ.”
Quando estiver em pleno funcionamento, ele abrigará cientistas que realizarão P&D de novas tecnologias, principalmente para resolver os gargalos nacionais em infraestrutura e tentar colaborar para suprir as necessidades tecnológicas do Brasil como país emergente. “O escopo inicial do Centro de Pesquisas Global da GE aqui será voltado para diversificação e otimização da matriz energética nacional e exploração de petróleo na camada pré-sal”, diz Herd. “Além disso, vamos trabalhar no desenvolvimento de tecnologias em saúde, que propiciem acesso e qualidade no tratamento de doenças para toda a população, assim como em mineração e soluções para o tratamento e reúso de água.”
O Brasil pode ganhar mais com esses centros, no entanto, do que apenas pesquisas e novas tecnologias em determinados setores. De acordo com Brito Cruz, da Fapesp, como eles pertencem invariavelmente a companhias que têm tradição de P&D de muitas décadas, vão contribuir para difundir no ambiente brasileiro a ideia de que as empresas precisam fazer pesquisa e ganham quando fazem isso.
Não é apenas o setor privado, porém, que tem a lucrar com a instalação no país de grandes laboratórios de empresas multinacionais. Isso é bom também para o sistema universitário, porque cria oportunidades de trabalho para seus ex-alunos e estimula a interação entre as instituições científicas nacionais e os laboratórios. “Além disso, é benéfico porque eles pertencem a empresas que já estão acostumadas, em seus países de origem, a interagir com o meio acadêmico, respeitando seu interesse e sua natureza”, diz Brito Cruz. “As universidades não são um substituto para o centro de pesquisa da empresa. O que podem fazer é contribuir com estudos e ideias exploratórias e avançadas.”
Queiroz, da Unicamp, lembra outro efeito positivo dos laboratórios de tecnologia, que é o chamado transbordamento de conhecimento. Esses centros vão formar e treinar pessoas que depois poderão ir para outra empresa, muitas vezes nacional e pequena, ou criar um negócio próprio. “Dessa forma, o sistema local se beneficia da atividade dos laboratórios das multinacionais”, diz. “Daqui a dez anos, diversos cientistas bem treinados terão saído para fazer outra coisa, levando a experiência e a qualificação que adquiriram por ter trabalhado num centro de pesquisa de uma grande empresa. Isso é importante, é um avanço para o Brasil.”
Segundo Mota, secretário da SNDTI, ganha-se muito com esses centros, porque eles qualificam os investimentos. Ou seja, os recursos empregados nos laboratórios de P&D das multinacionais instaladas aqui podem ajudar na transferência de tecnologia, além de estimular parcerias com empresas nacionais e gerar patentes depositadas no Brasil e no exterior. “A presença de grandes companhias com centro de P&D avançado certamente contribuirá significativamente para ampliar nosso potencial de produzir conhecimento e transferi-lo para a sociedade em forma de produtos e inovações”, diz. “Isso favorece nosso desenvolvimento econômico e social."