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Oriundi mantêm laços históricos
por Cecilia Prada
Na esteira das comemorações dos 150 anos da unificação da Itália – com a aclamação, em 1861, do rei Vítor Emanuel –, acontecerá em nosso país, de outubro de 2011 a junho de 2012, o Momento Itália-Brasil, uma série de eventos que visam fortalecer as relações culturais, sociais e comerciais entre as duas nações, ligadas tão visceralmente nos séculos 19 e 20 pelo estabelecimento de correntes migratórias.
Constituíram os italianos, desde 1870/80 até o pós-Segunda Guerra Mundial, o maior contingente de imigrantes estrangeiros que para cá vieram em busca de um velho sonho, “fazer a América”. Disso sabemos bem, muitos de nós, principalmente em São Paulo, como oriundi que somos – descendentes, mesmo que parcialmente, de italianos. E, após o processo de miscigenação ocorrido do último terço do século 19 a meados do 20, continuamos impregnados desse hibridismo cultural, que se revela em nosso sotaque reconhecidamente “ítalo-paulista”.
Não é à toa que o idioma italiano predominava, por volta de 1900, entre as mais de dez línguas estrangeiras ouvidas nas ruas “europeizadas” da capital paulista, na massa de imigrantes que já alcançava 25% da população do estado. Hoje, São Paulo é a cidade do mundo que concentra maior número de descendentes de italianos – muitos dos quais gozam ainda do direito à dupla cidadania.
Andiamo in America
Já nas primeiras décadas do século 16, era possível detectar o estabelecimento em nosso território de alguns grupos de exilados políticos ou de degredados italianos. Como observa Angelo Trento em seu livro Do Outro Lado do Atlântico, encontramos no nordeste brasileiro algumas famílias de origem italiana dentre as mais tradicionais, como Cavalcanti, Accioli, Doria, Burlamaqui – seus remotos antepassados fugiam a perseguições políticas e estabeleceram-se na região devido à produção açucareira. E, ainda segundo o autor, mesmo entre os bandeirantes, nos séculos 17 e 18, deparamos com sobrenomes italianos, a exemplo de Adorno, Mainardi e Spinosa.
De 1820 a 1836 chegaram ao Brasil grupos de refugiados políticos liberais, que fugiam ao rigor da dominação austríaca da Itália, em especial os carbonários ou mazzinianos – isto é, revolucionários que partilhavam as ideias do líder do movimento pela unificação italiana, Giuseppe Mazzini. Dois deles ficariam também na nossa história: o médico e jornalista Líbero Badaró, vindo em 1826, e que foi assassinado em 1830 em São Paulo, onde se estabelecera, por partidários do absolutismo, e Giuseppe Garibaldi (1807-1882), general e condottiero, que se tornou um dos mais aguerridos combatentes da Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul, e mais tarde um herói na luta pela unificação da Itália, para onde regressou em 1848.
Ainda nessa época duas levas de italianos foram despachadas da Itália, após negociações intergovernamentais: a primeira, em 1820, constava de indivíduos declarados “facínoras” pelo Reino das Duas Sicílias. A segunda, em 1837, era de prisioneiros políticos para cá remetidos pelo papa Gregório XVI, por transbordarem das prisões do Vaticano. Paradoxalmente, foi apenas depois da unificação da Itália (1870) que começou a se organizar o grande processo migratório para a América – que se transformaria, no período 1880-1902, em um grande movimento de massas, figurando os Estados Unidos e a Argentina como principais países acolhedores, e em terceiro lugar o Brasil. Era uma verdadeira “febre migratória”, estimulada também por agentes encarregados de pintar de dourado o futuro para os camponeses europeus, que na época sofriam grandes reveses, disputando trabalho e alimentos em um espaço superpovoado, agitado por lutas entre potências e onde o campesinato se ressentia ainda dos vestígios da organização feudal.
Para os pequenos proprietários rurais, o impulso para atravessar o oceano e tentar uma vida nova vinha de sua impotência diante das circunstâncias que sufocavam a classe: a impossibilidade de que “dinheiro vivo” passasse por suas mãos, porque tudo o que ganhavam estava sujeito a um regime de impostos fundiários, de registro e de transmissão, a dívidas hipotecárias, usura, altos encargos. Além disso, embora a unificação italiana politicamente fosse sonho embalado por muitos, em termos práticos representou a restrição da emigração para outros países do Império Austro-Húngaro, ao qual pertenciam antes e onde podiam circular e trabalhar livremente.
Dizem mesmo os historiadores que, no Vêneto e no Tirol italiano (Trentino-Alto Ádige) – de onde saiu a grande maioria dos imigrantes que vieram se instalar no Brasil –, a emigração chegava a esvaziar aldeias inteiras, assumindo aspecto de verdadeira fuga ou libertação. Um observador da época, Kiriaki, citado por Angelo Trento, dizia: “Vão para a América como iriam à aldeia vizinha na festa do padroeiro, e vão em procissão, às vezes até ao som de sinos, quando não levam consigo estes...”
Paraíso terrestre ou inferno tropical?
Vistas de perto, a Merica (no dizer dialetal) e a vivência da imigração eram bem diferentes do que se havia sonhado. A começar pelas agruras da longa viagem marítima – dois meses em veleiros, até o final da década de 1870, e de 21 a 30 dias nos barcos a vapor, dali por diante. Uma grande massa humana apinhada em navios precários, homens, mulheres e crianças deitados no convés inferior, em beliches ou empilhados diretamente no assoalho, mal alimentados, sujeitos a epidemias – principalmente de varíola. Como relata um testemunho da época, também citado por Trento: “...a passagem através do oceano era assinalada por uma esteira de cadáveres ceifados pela morte nas fileiras dos emigrantes mais fracos e doentes, das mulheres e crianças, extenuadas, pela falta de cuidados sanitários, pela falta de ar respirável...” Há números impressionantes registrados: mesmo tão mais tarde, em 1888, em dois navios que vinham para o Brasil, contaram-se 52 mortos de fome. E em 1899 – é incrível – no navio Frisca houve 24 casos de declarada “morte por asfixia”.
No comum da vida dos imigrantes, o estranhamento do clima, o tormento com o grande número de insetos e cobras, a falta de resistência a doenças próprias do trópico, a total ausência de cuidados médicos. E a realidade de um trabalho duro nas fazendas de café, uma cultura inteiramente desconhecida para eles, com métodos muito diferentes dos usados na agricultura europeia. Jornadas exaustivas em que até as crianças pequenas trabalhavam, nas épocas do plantio e da colheita – e no mais das vezes sob a vigilância e até mesmo o chicote de um feitor afeito ainda às práticas com os escravos. Como consta de um relatório oficial feito por um funcionário do Comissariado Geral da Emigração, Aldo Rossi, apresentado ao governo italiano em 1902 : “...com mulheres violentadas, homens chicoteados, disciplina que faz a fazenda parecer uma colônia de condenados a domicílio obrigatório”.
É extenso o material disponível sobre o relacionamento Brasil-Itália – nos numerosos jornais italianos existentes aqui na época, nos arquivos diplomáticos dos dois países, nas muitas obras de historiadores da imigração. Eles dão conta de um detalhe: como as massas de imigrantes eram manipuladas inclusive pela propaganda oficial dos dois lados, ora estimulados pelo próprio governo italiano a deixar o país, sendo para isso apresentado o Brasil como o verdadeiro paraíso terrestre, belo e acolhedor, onde não havia frio nem falta de terras para ninguém... ora em sentido inverso, quando a emigração a toque de caixa parecia expor o continente europeu ao esvaziamento populacional – então, as terras de ultramar eram apresentadas como hostis, semibárbaras, “onde tantas nações degeneraram e onde a escravidão vingou-se, corrompendo os homens livres”.
Presença anarquista
“Um passaporte para a América” foi medida de que usou e abusou o governo italiano, principalmente a partir da década de 1890, para livrar-se dos elementos que punham em risco a sociedade estruturada e conservadora dos cavalieri. A fermentação operária que se produzia no Brasil, com o descontentamento dos trabalhadores devido aos salários baixos, à exploração do trabalho feminino e infantil, à falta de assistência de saúde e à precariedade de alimentação e moradia, valeu-se de um grande número de peninsulares endoutrinados, que logo se distribuíram em grupos organizados, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
Alguns desses líderes circularam entre Brasil, Argentina e Uruguai, ao sabor das circunstâncias ou das perseguições policiais. Salientaram-se entre eles Gigi Damiani, considerado a figura mais prestigiosa do movimento anarquista no Brasil, Oreste Ristori, descrito por Everardo Dias, autor de História das Lutas Sociais no Brasil, como um “orador fluente e cáustico”, “o maior agitador aparecido no Brasil”, e Alessandro Cerchiai, ligado principalmente à organização da imprensa anarquista, fundador de vários jornais. Foi imediato o entrosamento desses líderes com os nacionais, entre os quais se destacavam José Oiticica e Edgard Leuenroth.
A cidade de São Paulo, de mero entreposto de tropeiros que era até o último quartel do século 19 – com uma vida cultural centrada na sua Academia de Direito e socialmente agitada apenas por estrepolias estudantis esporádicas –, evoluía repentinamente, a partir do período administrativo do prefeito João Teodoro (1872-75) para uma metropolização de estilo europeu (francês). No final do século já se dividia nitidamente em dois núcleos, bem caracterizados inclusive quanto às classes sociais. De um lado os bairros nobres que surgiam, como Campos Elísios, Higienópolis, Consolação, Cerqueira César e o próprio Centro, onde habitavam os “barões do café” – ou os grandes capitães da indústria, como os italianos Matarazzo, Crespi, Scarpa, Gamba, Puglisi –, de outro uma “cidade” operária, espalhada por variados locais – Bom Retiro, Brás, Pari, Belenzinho, Bexiga, Ipiranga – e dividida inclusive em grupos regionais, com predomínio vêneto, mas também com imigrantes vindos da Baixa Itália, napolitanos, calabreses.
Enquanto São Paulo se firmava como capital do estado – vencendo uma longa rivalidade com a cidade de Campinas, arruinada nas duas últimas décadas do século 19 por epidemias sucessivas de febre amarela e varíola –, sua população mostrava acréscimo súbito, passando de 30 mil a 130 mil habitantes menos de 20 anos mais tarde. Era uma curiosa e fervilhante cidade onde, sobre um substrato “caipira”, duas influências culturais europeias se defrontavam: entre os “barões”, o perfil arquitetônico dos novos bairros residenciais fazia pendant com a influência francesa nas famílias e nas instituições de ensino. Era todo o esplendor da Belle Époque parisiense que aqui encontrava seus ecos, obrigando os fazendeirões a mandar lavar seus ternos de linho em Paris e levando-os a ir eles próprios frequentemente à Cidade Luz – em busca dos ternos enviados, ou melhor, das lindas pernas das vedetes de Pigalle e do Folies Bergère. Enquanto isso, suas paulistanas madames, educadas nos colégios da moda como o Sion, o Des Oiseaux, o Sacré Coeur, o Assomption, transpunham a civilização francesa para cardápios requintados que já misturavam mandiocas e feijoadas com marrons glacés e escabèches.
Com a passagem da era agrária para a industrial, porém, as duas influências europeias – francesa e italiana – se defrontavam, minguando a primeira com os ventos da modernidade, enquanto o caldo cultural vindo com os imigrantes se alastrava, penetrando toda a classe trabalhadora e dela transbordando até mesmo para as classes altas. Afinal, a ópera e o teatro dramático italiano sempre fizeram obrigatoriamente parte da formação cultural do Brasil, deixando vestígios duradouros até em lugares distantes e inesperados, vide o teatro de ópera de Manaus (Teatro Amazonas), inaugurado em 1896.
Na nacionalidade em formação, a inquietação social tomava corpo e se organizava, com partidos incipientes. Sob a influência anarquista processou-se em São Paulo uma greve geral, que paralisou a cidade durante o mês de julho de 1917, alastrando-se depois por outros pontos do país. Embora não tenha tido resultados duradouros – as promessas assumidas pelos patrões ao fim da paralisação não foram mantidas por muito tempo –, o episódio ficou marcado como a primeira grande mobilização do operariado no país.
Influências culturais
Remontando ao início do século 20, quatro aspectos principais vão merecer que neles se detenha nosso olhar: o elemento linguístico e literário, a imprensa, o início das políticas assistenciais e o teatro. Em relação ao primeiro desses temas, dois nomes se destacam por retratar a fusão linguística do “dialeto” paulistano e a vida cotidiana em São Paulo: o do ficcionista Antônio de Alcântara Machado (1901-1935), autor de Brás, Bexiga e Barra Funda, e o de Alexandre Marcondes Machado (1892-1933), jornalista e escritor que, sob o pseudônimo de Juó Bananére e combinando os dialetos imigrantes com o português falado na capital em sua singular língua macarrônica, retratou os personagens, os hábitos, os problemas políticos e sociais e a vida cotidiana da população que se sedimentava na metrópole em formação.
Fator da maior importância cultural e política foi a imprensa em língua italiana – jornais e revistas que circulavam pelo Brasil todo e alimentavam campanhas sociais. O número desses órgãos é impressionante. Segundo Maria Nazareth Ferreira, em A Imprensa Operária no Brasil – 1880-1920, dos 343 periódicos operários publicados no Brasil no período, 55 eram italianos. Somente em São Paulo, dos 149 jornais existentes, 48 eram italianos.
Angelo Trento, no entanto, discorda dessa listagem – em sua opinião, o número desses órgãos, principalmente de esquerda, foi muito maior. Nas bancas da capital paulista, em 1907, encontravam-se cinco diários publicados em italiano: “Fanfulla”, “La Tribuna Italiana”, “Il Secolo”, “Avanti!” e “Il Corriere d’Italia”, bem como uma dezena de semanários. Algumas campanhas levadas adiante por órgãos como “La Battaglia”, fundado e dirigido por Oreste Ristori, e “A Lanterna”, do brasileiro Edgard Leuenroth, se prolongaram durante anos a fio – como a que procurava esclarecer o misterioso desaparecimento, em 1907, de uma menina internada em um orfanato de padres scalabrinianos: o famoso “caso Idalina”, já tratado nesta revista (“O que não Está nos Autos”, PB nº 402).
No campo da educação foi preponderante o papel dos italianos, em São Paulo e nos estados do Sul. Como os estrangeiros não tinham direito a frequentar escolas mantidas pelo governo nem acesso a instituições públicas de saúde ou a saneamento básico, foram incentivadas, principalmente pelos anarquistas, todas as iniciativas educacionais ou culturais que representassem a transposição da cultura europeia para o nosso solo. Várias agremiações sociais, teatros, associações de socorro mútuo e assistenciais reuniam as famílias dos imigrantes, proporcionando-lhes apoio, diversão e educação. Centros de estudos sociais, tanto autônomos quanto no seio de associações já existentes, chegavam a manter cursos em dois níveis, um popular e outro mais elevado – eficientes instrumentos de emancipação social e política.
Em um tempo em que nas escolas públicas nacionais predominavam ainda métodos de ensino atrasados e até castigos físicos regulares – como o da palmatória –, os anarquistas criaram na cidade de São Paulo, entre 1902 e 1918, um número considerável de “escolas libertárias”, de caráter “moderno” ou “racionalista”, onde, desvinculadas de qualquer dogma filosófico ou religioso, crianças de ambos os sexos, filhas de operários, conviviam (o que era proibido em outras escolas), obtendo um ensino gratuito de excelente nível e a instrução necessária para melhorar seu nível de vida. Várias dessas instituições, que eram sustentadas por contribuições mínimas dos pais e pela ajuda generosa de “homens de boa vontade”, mantiveram-se durante certo tempo na capital e no interior. Após a grande agitação social dos anos 1917/18, porém, foram fechadas à força pelo governo. Seus princípios, no entanto, filtrados através dos anos, foram revividos no tempo da Escola Nova dos anos 1930/40 e de certa forma persistem ainda hoje.
No mundo cultural paulistano, ficaram famosos os filodrammatici, sociedades teatrais que se espalharam pela cidade de 1898 em diante. Enquanto as companhias locais mantinham um repertório provinciano, “caipira”, recheado de chanchadas que apenas pretendiam fazer rir, o teatro amador italiano fazia circular ideias avançadas e estimulava o debate de questões sociais, com um repertório dramático que incluía os maiores autores internacionais da época, enriquecido ainda pela eventual participação de grandes artistas europeus que nos visitaram no período. A influência desses círculos durou até a década de 1950 e desembocou, na opinião de historiadores como Miroel Silveira, Sábato Magaldi e Maria Thereza Vargas, na criação do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), fundado pelo empresário italiano Franco Zampari em 1948.
O TBC foi um verdadeiro “divisor de águas” do teatro nacional, onde se revezaram, durante décadas, diretores como Adolfo Celi, Ruggero Jacobbi, Luciano Salce, Gianni Ratto. Ao mesmo tempo, no campo do cinema, nossos jovens aspirantes a cineastas bebiam nas fontes do neorrealismo de Rossellini, de Vittorio de Sica, de Luchino Visconti, logo no pós-Segunda Guerra Mundial – terminada esta, o fluxo entre Itália e Brasil se restabeleceu e do país europeu, reconstruído, vieram, por conta própria, grupos de profissionais escolhidos, de alta cultura, que no campo das artes plásticas, do cinema e do teatro, da moda, do design, permaneceram entre nós até hoje, participando ativamente da transformação de nosso burgo, e de outros centros do país, em prestigiosas metrópoles.
Santos, milagres e comidas
Com os italianos emigraram também para o Brasil seus santos prediletos – cuja devoção floresce até hoje, principalmente na cidade de São Paulo. Tradicionais são algumas festas, abundantes em missas solenes, procissões e grandes feiras gastronômicas, jubilosamente promovidas pelos comerciantes: a de Nossa Senhora Achiropita, no bairro do Bexiga, é realizada em agosto e setembro desde o ano de 1926 e chega a reunir até 300 mil pessoas. No Brás, de maio a julho ocorre a celebração de São Vito Mártir, protetor dos artistas, dos dependentes de drogas e dos doentes dos nervos (existe até uma doença que lhe deve o nome, a “dança de São Vito”), devoção trazida de Polignano a Mare (Puglia). Na Mooca, em setembro a grande festa da paróquia de San Gennaro (São Januário) celebra o bispo de Benevento, decapitado no ano de 305 por Diocleciano. Ele é o padroeiro de Nápoles e três vezes por ano celebra-se naquela cidade sua festa, com a cerimônia da “liquefação do sangue” – conservado em uma ampola em estado sólido, ele se liquefaz quando ela é manipulada pelos oficiantes. Diz a lenda que no ano em que isso não acontece grandes catástrofes ocorrem. No ABC paulista predomina até hoje a devoção a Santo Antônio de Pádua, dividida com a colônia portuguesa, que também o cultua com o nome de Santo Antônio de Lisboa.
Capitães da indústria
Não é possível estudar a história da industrialização no Brasil sem ressaltar o papel das empresas italianas, principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul – que em 1907 acolhiam 71% do total do Brasil e em 1920, 86%, mais de dois terços das quais situadas em São Paulo. A presença italiana – principalmente no setor têxtil – deixou marcas até os anos 1960: segundo estatísticas, em 1962, 34,8% dos industriais de São Paulo eram italianos ou descendentes, e seus nomes se perpetuaram até hoje. O mais conhecido e influente foi Francesco Matarazzo (1854-1937) – vindo de Castellabate em 1881, em 1890 já fundava a fábrica que viria a ser o núcleo de seu futuro complexo industrial e 20 anos mais tarde seria um dos homens mais ricos do mundo.
Outros nomes importantes no início do processo de industrialização: Crespi, Siciliano, Pinotti Gamba, Ramenzoni, Prada, Odescalchi, Medici, Falchi, Martinelli, Puglisi Carbone – fundador, em 1900, do principal instituto de crédito da época no Brasil, o Banco Comercial Italiano.
O historiador Angelo Trento, porém, questiona a lenda do rápido enriquecimento na América: os italianos que chegaram a capitães da indústria – com exceção de Scarpa e Ramenzoni – não eram realmente “imigrantes” e pobres. Sua origem social era diferente; pertenciam pelo menos à classe média, tinham alguma experiência comercial e certo grau de instrução, e em muitos casos trouxeram para cá significativos aportes de capital próprio.
O ano da Itália no Brasil
O Momento Itália-Brasil inaugura-se oficialmente no dia 15 de outubro de 2011, com um grande concerto de Gilberto Gil e Irene Grandi, no Rio de Janeiro – e será finalizado em junho de 2012 com um desfile de alta moda italiana em Brasília. No intervalo entre os dois importantes acontecimentos, uma sucessão ininterrupta de eventos culturais e de aproximações comerciais manterá os dois países em festa. Em outubro mesmo, como evento preliminar, se promoverá em Roma, entre os dias 5 e 11, um encontro oficial de cerca de 150 executivos de empresas brasileiras com seus congêneres italianos. Em dezembro, realiza-se em Brasília um seminário, patrocinado pela Fundação Assis Chateaubriand, que estudará as perspectivas empresariais e comerciais entre Itália e Brasil.
Exposições de grandes nomes da pintura – como Caravaggio, De Chirico, Modigliani e a ítalo-brasileira Maria Bonomi –, além de mostras temáticas, como “Viagens Italianas no Brasil” e “Roma: A Potência do Império”, percorrerão várias capitais brasileiras durante todo o ano, ao mesmo tempo em que uma seleção cinematográfica, espetáculos teatrais e de balé nos atualizarão com o que há de melhor nessas áreas.
Em São Paulo, no dia 29 de outubro será comemorado o centenário de uma instituição cultural tradicional, o Circolo Italiano. Na mesma cidade, nos últimos dias da programação, será lançada a “pedra fundamental” da extensão da sede do Instituto Italiano de Cultura – um projeto de Massimiliano Fuksas, a ser construído nos fundos do tradicional palacete da Avenida Higienópolis onde o órgão funciona atualmente.