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Escrita fina

Na infância, a escritora Ana Maria Machado entrou em contato com a leitura interpretando textos com as quais se deparava. “Lembro-me do prazer em decifrar, por exemplo, as palavras que via nos anúncios de jornal, como “Canadá de Luxo”,“moda”. Eu me sentia o máximo por conseguir”, diz.

Já era indício de um sentimento pela literatura que iria se concretizar como profissão. Jornalista e escritora de livros “para gente grande” e “para gente crescendo”, Ana Maria nasceu em 1941 e está na estrada há quarenta anos, com mais de 100 livros publicados em mais de 18 países, contabilizando um total de 18 milhões de exemplares vendidos. Entre os títulos estão Histórias à Brasileira 1 e 2 (Cia. das Letrinhas, 2002/2004) e Infâmia (Editora Objetiva, 2011), finalista do prêmio Jabuti. “Os prêmios não alteram minha forma de escrever nem minha relação com a literatura, mas, talvez, me deixem mais segura, confiante de que estou num caminho que chega  até as pessoas e de que devo continuar nele”, explica. No depoimento a seguir, a autora compartilha a trajetória.

 

Tateando as palavras

Lembro-me do prazer em decifrar, por exemplo, as palavras que via nos anúncios de jornal, como “Canadá de Luxo”, “moda”. Eu me sentia o máximo por conseguir. Mas não recordo muita coisa além disso. Sei que meus filhos também começaram muito cedo, quase da mesma forma que eu, e são grandes leitores até hoje. Talvez isso se deva ao fato de estarmos todos imersos num ambiente leitor, cercados de adultos que liam, davam esse exemplo e respondiam às perguntas das crianças sobre o som das letras.

Sobre o contato precoce com a leitura, os livros de Monteiro Lobato me influenciaram. Sou contra qualquer censura e o tenho como um grande autor, ao qual toda criança brasileira deveria ter acesso. Tenho muita pena de quem não entra em contato com uma obra tão cheia de qualidades. Evidentemente, toda leitura deve ser crítica, não precisamos concordar com tudo que lemos. Mas penso que teria sido privada de algo fundamental em minha formação se não tivesse lido Lobato.

Já na experiência que vivenciei na carreira pedagógica, sendo professora de línguas, acredito que a educação é de importância fundamental para uma sociedade e que no Brasil ela deixa muito a desejar – em grande parte porque o magistério é desvalorizado,
malformado, mal preparado e pessimamente pago.

Ditadura militar e jornalismo

Durante a ditadura militar participei de reuniões e manifestações, mas, no final de 1969, depois de ser presa e ter vários amigos detidos, deixei o país em exílio e só retornei no ano de 1972, quando comecei a trabalhar no Jornal do Brasil e na Rádio JB. Acho fundamental que o país conheça sua história e que a verdade se restabeleça e se faça pública – tanto relativa ao passado quanto ao presente.

Nesse período atuando como jornalista, gostava muito do ambiente da redação, da amizade e companheirismo profissional. Além da oportunidade de viver profissionalmente de uma atividade que sempre me deu muito prazer: escrever. Mas hoje não gostaria de exercer essa função, porque descobri que escrever ficção, romance, contos, poesia me dá muito mais prazer e não quero dedicar meu tempo a outras atividades profissionais.

Prêmios e futuros projetos

Eu me sinto muito à vontade com prêmios, podem me dar todos os que acharem que eu mereço… É uma forma bem-vinda de  reconhecimento público, depois de um trabalho intenso e isolado, como a escrita. É a maneira de saber que os leitores estão sendo atingidos, emocionando-se e sendo tocados pelo que faço e tento dividir com os outros. Os prêmios não alteram minha forma de escrever nem minha relação com a literatura, mas, talvez, me deixem mais segura, confiante de que estou num caminho que chega até as pessoas e de que devo continuar nele.

Sobre novos livros, entre os infantis, estou prosseguindo com duas séries de recontos. Uma, de histórias do mar, para a editora Moderna, a coleção “Sete Mares”. Para a Editora FTD, recontei Histórias Greco-Romanas (2011), Histórias Árabes (2012). Também estou terminando o livro Histórias Africanas. Para a Global Editora estou trabalhando numa série linda, chamada Abre o Olho, com a fotógrafa Luísa Baeta – lançamos juntas Curvo ou Reto: Olhar Secreto e Quem Foi que Fez?, e agora preparamos o próximo, ainda sem título. Já para os mais crescidos, deve sair nos próximos meses uma novela juvenil Enquanto o Dia não Chega, uma história passada no século 17 entre Portugal, a África e o Brasil.