Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Homem de vocação




Cinema, teatro ou televisão. Não importa o palco, Marco Nanini se sente à vontade para construir personagens memoráveis



Planeta dos Homens, TV Pirata, Comédia da Vida Privada, Gabriela, Dona Flor e Seus Dois Maridos, Lisbela e o Prisioneiro, O Mistério de Irma Vap, A Grande Família, O Bem Amado e, recentemente, A Arte e a Maneira de Abordar Seu Chefe para Pedir um Aumento, que esteve em temporada no Sesc Vila Mariana de 1º de novembro a 1º de dezembro de 2013. Esses são apenas alguns dos programas de TV, peças de teatro e filmes dos quais participou Marco Nanini, com atuações que ajudaram a construir uma carreira que beira à unanimidade. Mas não se trata de um consenso ingênuo. O ator deixa sobressair com maestria, nos diversos meios, a sintonia com a vocação. O melhor de tudo é que, nesse turbilhão, sente-se compreendido pelo público. “Tenho um comportamento mais fechado, não gosto de ir a festas, não gosto de multidão, nada disso. E o bom é que as pessoas compreendem esse lado também”, afirma. Acompanhe conversa do ator com a Revista E.



Imprevistos acontecem


Houve na temporada de A Arte e a Maneira de Abordar Seu Chefe para Pedir um Aumento um desentendimento na plateia, e eu achei melhor intervir. É uma situação em que você tem que demonstrar um pouco de paciência, mas eu não podia ignorar o que estava acontecendo. Cada imprevisto é de um tipo, neste caso foi uma explosão de raiva, o que era compreensível. A partir desse fato, saíram muitos comentários de pessoas que ligam o celular durante os espetáculos, o que atrapalha muito. O celular eu ignoro, mas atrapalha, porque você está no meio de uma emoção, daí vem uma luz que desconcentra. Mas naquele dia preferi manter a tranquilidade para a plateia ficar calma, porque, se eu fico nervoso, a plateia também começa a ficar tensa.



O que o texto tem a dizer


Para aceitar um papel, primeiro faço a leitura com tranquilidade, sem estar pressionado, pois é importante perceber o que o texto diz. Considero também as possibilidades de eu me enquadrar no personagem. Às vezes, gosto muito de uma peça, mas não é o meu perfil. No caso de A Arte e a Maneira de Abordar Seu Chefe para Pedir um Aumento, era um texto de cara apaixonante por não ser convencional ou previsível. Não é popularesco e tem humor muito suave e sutil.


O texto original é escrito sem pontuação nenhuma, mas em nossa tradução pedimos para pontuar. O autor dos textos é o francês Georges Perec (1936-1982), que participou de um grupo chamado OuLiPo – criado por um grande intelectual, Raymond Queneau (1903-1976) –, o qual reunia escritores que também eram matemáticos. Eles se propunham dificuldades para criar a literatura. Por exemplo, o Perec escreveu todo um romance sem a vogal E, a mais usada no francês, em contrapartida fez outro cuja única vogal é o E. Seu livro mais conhecido é A Vida, Modo de Usar (Cia. das Letras, 1991).


A primeira vez que entrei em contato com o texto foi há mais ou menos 10 anos. Na época, por questões de agenda e, principalmente, porque não achávamos o espaço adequado para esse tipo de exercício, postergamos o espetáculo.


Eu e o diretor Guel Arraes deixamos para depois, até que eu e meu sócio, Fernando Libonatti, encontramos, há alguns anos, na zona portuária do Rio de Janeiro, uma pequena fábrica que hoje chamamos de Instituto Galpão Gamboa, destinado a obras sociais. Temos lá aulas de lutas marciais, ioga para terceira idade, oficinas de artes plásticas, cursos de teatro. Vi que ali não era só a sala de ensaio que eu tanto queria, mas um espaço para um teatro.



Trabalho e amizade


As relações de trabalho tornam-se amizades e são fomentadas pelo convívio profissional. Isso eu tenho com várias pessoas, mas em especial com o Guel Arraes, com quem fiz um episódio de Armação Ilimitada. Depois a TV Globo colocou no ar o TV Pirata, uma ideia que ele estava costurando e da qual participei. Já em A Grande Família, o convívio é ótimo, longo e muito íntimo.


Eu conhecia o processo de atuação “por dentro”, mas não sabia como funcionava o lado da direção. Fiz uma peça que ficou em cartaz 11 anos, O Mistério de Irma Vap. Encenei o mesmo papel muitas vezes por semana, era um sucesso, viajamos, durou todo esse tempo. Por isso, eu não podia estar em outro palco, mas não queria ficar somente ali, então comecei a dirigir, com o objetivo de ver as coisas acontecerem e compreender melhor o papel do diretor. Porém, não é exatamente a minha. Só voltaria a dirigir motivado por uma vontade muito grande.



Caixa mágica


O teatro é uma caixa mágica e o mais importante disso tudo é o ator, porque ele é o representante do espectador. Quando o espetáculo é muito mirabolante e não tem a energia do ator, perde o brilho. Então, pouco importa se vai ter isso ou aquilo, às vezes um espetáculo despojado, sem nada, vale mais.


O que importa é que os jovens estão se exercitando no teatro. Para mim, é a coisa mais bonita de ver. No Galpão Gamboa, temos uma mostra dedicada a peças de grupos jovens, pois eles não têm lugar para se apresentar, porque é muito caro. Também abrimos os cursos de teatro na Gamboa, pois o teatro profissional é dos atores profissionais, mas o teatro, como arte, é de todos.



Comédia da vida pública


O apelo da vida privada está virando uma mania assustadora, porque, para mim, é quase incompreensível o interesse pela vida particular dos outros. Eu já me exponho muito no palco, no cinema, na TV, estou ali há muitos anos, por isso gosto de ter minha intimide, de ficar quieto, sem assumir um personagem ou me preocupar se alguém está me vendo. Eu sou ator, mas poderia ter outra profissão, cada um tem o seu talento, a sua vocação.


Eu, por exemplo, achava ótimo ser autor, porque a pessoa pode trabalhar em qualquer lugar, escrever e mandar por e-mail, facílimo, não? Pois bem. Escrevi uma peça infantil há muitos anos. Aí, um grupo resolveu montar essa peça no Rio de Janeiro e eu fui ver um ensaio geral. Fiquei traumatizado, achei aquilo tudo péssimo, inclusive o meu texto, e comecei a criticar. Tive um trauma tão grande que eu não escrevia nem postal. Fiquei anos sem escrever.


Sublimei a ansiedade de ser autor comunicando o texto como ator. O momento em que mais me divirto é o de estudar o texto, vendo as nuances, as frases. Adoro ler e os textos me trazem muita emoção. E, de repente, tenho a oportunidade de encenar alguns deles.



“Quando o espetáculo é muito mirabolante e não tem a energia do ator, perde o brilho. Então, pouco importa se vai ter isso ou aquilo, às vezes um espetáculo despojado, sem nada, vale mais”