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Fotografia__ Carlos Moreira
Câmera no bolso, cidade compartilhada
Andar pelas ruas de São Paulo para capturar instantâneos do cotidiano ajuda a construir uma nova relação com o ambiente urbano
A popularização da câmera pequena de rolo com filme sensível – entre os anos 1930 e 1950 – rendeu aos fotógrafos o trunfo da mobilidade, possibilitando que os profissionais ganhassem a rua para fazer seus retratos do cotidiano. Um dos expoentes máximos dessa vertente, considerado por muitos como o pai do fotojornalismo, é o francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004), mestre em flagrar a poesia das cidades mundo afora.
Em 2014, em plena era digital, o que era uma possibilidade sem precedentes se transformou em um ato quase incessante. Uma constatação desse movimento são os grupos que se reúnem para fotografar e publicar os seus registros, como a iniciativa do São Paulo Walk, que começou em 2011 e possui forte alcance nas redes sociais: são 9.636 fãs no Facebook, 4.936 seguidores no instagram e uma média de 100 a 150 fotos recebidas por dia, números que sinalizam como o ato de fotografar conquistou mais adeptos. “Quando comecei a me engajar com o instagram e a fotografia móvel, saía para a rua, especialmente aos finais de semana, para fotografar e postar. Isso me fez perceber que eu não caminhava em São Paulo, porque comecei a reparar nas coisas e a entender a cidade de uma maneira diferente. Tomei gosto em passear a pé e fotografar”, conta Vinicius Mancini, criador do São Paulo Walk, projeto que agrupa fotografias enviadas por interessados em compartilhar sua visão da metrópole. Ele criou uma rede e incentivou as pessoas a postarem suas fotos da cidade.
A ideia cresceu tanto que o objetivo de incentivar os moradores a se descobrirem no seu dia a dia, reparando uns nos outros e em suas atitudes, deu resultado. “Estamos mergulhados na nossa própria rotina, mas a fotografia veio para a minha vida como um breque nesse fluxo. Como se eu desse um pulo e conseguisse observar tudo de fora, me conectando com a cidade através do olhar”, acrescenta.
Para Tuca Vieira, fotógrafo que desenvolve projetos envolvendo a cidade, arquitetura e paisagem urbana, cada cidade exige uma apropriação diferente de quem a fotografa e é importante que quem se engaje nesse movimento aproveite para educar o olhar. “A fotografia, sem dúvida, é um instrumento de apropriação do espaço em que vivemos e que compartilhamos, por isso é importante ter consciência desse processo poderoso. É preciso pensar antes de fotografar”, adverte.
As escolhas que fazemos no filtro da câmera também apontam para a relação existente entre o objeto revelado e o fotógrafo. “A imagem em preto e branco tem uma subjetividade que convida ao devaneio, à nostalgia. Já o colorido, podemos dizer, nos leva um pouco mais para a realidade”, explica Vieira.
Na miscelânea paulistana, não falta inspiração para seus moradores ou para quem está aqui de passagem. E na experiência não vale a máxima de que tudo já foi feito. “Acho falsa a ilusão de que tudo já foi fotografado, tudo já foi visto. Em busca da novidade as pessoas deixam de fotografar o que está ao redor. Mas isso é uma falsa verdade, porque se você for à avenida Paulista todos os dias encontrará sempre uma nova paisagem. Por isso, saia e fotografe”, incentiva Vieira.
BOXE – Repertório de IMAGENS
Trabalho de Carlos Moreira
é saudado em livro
A cidade que não dorme. A cidade que reúne conhecidos e desconhecidos, os bairros e suas particulares agitações culturais e sociais. Um vasto universo foi registrado pelo fotógrafo Carlos Moreira em sua trajetória de 50 anos de dedicação ao ofício. Desde que realizou sua primeira mostra individual no Masp (Museu de Arte Assis Chateaubriand de São Paulo), em 1973, não parou mais. Toda essa produção esteve em cartaz em uma exposição no Sesc Bom Retiro entre janeiro e fevereiro deste ano e foi celebrada com o lançamento do livro Carlos Moreira | São Paulo, pela Edições Sesc (sescsp.org.br/loja).
A realização do livro contou com a participação de Rosely Martins – coordenação da pesquisa e arquivo; Cesar Ricardo Palmeira e Karina Seino, na pesquisa; Isabel Santana Terron – pesquisa, catalogação; e Rosely Nakagawa e o próprio Carlos Moreira, na edição. “Ao longo de dois anos nos encontramos para discutir, entrevistar e conhecer o arquivo analógico e digital da produção do autor, realizada ao longo destes 50 anos”, diz Rosely Nakagawa.
Tendo em vista o conceito desenvolvido pelo autor, Rosely relata que o conhecimento da obra de Carlos pelo público vem se desenvolvendo desde 1979, quando ela foi curadora de uma mostra na Galeria Fotoptica. “A partir de então desenvolvemos uma dinâmica de encontros constantes para discussão do seu trabalho, nos quais a fotografia pessoal e a fotografia de modo geral vêm sendo debatidas. Desses encontros resultaram mostras que me proporcionaram uma experiência que me deixou segura para editar o livro e a exposição”, conta a editora de fotografia, que é graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP).