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Ney Latorraca

Ney Latorraca

O melhor dos palcos

Com 50 anos de carreira, Ney Latorraca se sente muito bem quando pode se expressar por meio do personagem  que mais cativa o público – ele mesmo



Ao ouvir a voz não há como não se impressionar. Sim, é o Ney Latorraca e ele está fazendo o que mais gosta. Atuar. Em cartaz com a peça Entredentes, no Sesc Consolação, em temporada que vai até 11 de maio, continua sua parceria com o dramaturgo e diretor Gerald Thomas. Esse é o quarto encontro profissional dos dois, que vem se somar às montagens Don Juan (1995), Quartett (1996) e a participação em Unglauber (também de 1995).
Natural de Santos, Ney é torcedor do time da Vila Belmiro. “Nasci em frente ao clube de futebol, na Rua Paissandu, 22, na mesma casa em que nasceu Mário Covas”, conta.
Hoje, vive no Rio de Janeiro, mas se divide na ponte área, devido à encenação de Entredentes em São Paulo. Animado com a rotina e com o carinho que recebe do público, Ney não tem medo de dizer que adora o contato com os fãs: “Às vezes, reivindicamos nossa privacidade, mas fazemos tudo para sermos reconhecidos. E vivemos do público e para o público”, diz, contundente, no depoimento a seguir.
Quem parte para uma carreira de teatro, como eu, que tive a opção de fazer escola de arte dramática em São Paulo, é movido pela ideia de, por meio do seu trabalho, não apenas sobreviver do que faz como ator, mas também, como eu falo na peça [Entredentes], levar uma mensagem. Então, pelo meu trabalho faço questão de trazer as pequenas revoluções. Se eu me apresentar para uma plateia de 300 pessoas e uma for tocada pelo meu trabalho, já considero uma revolução. Prefiro atingir uma pessoa inteligente a 300 medíocres.
Na peça, a citação de revolucionário refere-se à época na qual fui para as ruas durante a ditadura. Isso é quase uma memória emotiva, um flash back. Muitos dos movimentos que tivemos no Brasil foram abraçados pela classe artística. Você não é apenas um artista num tapete vermelho. É um artista que vem para fazer algo pela sociedade, por meio da comédia, do drama, e por intermédio dos três segmentos – cinema, teatro e televisão – podemos fazer trabalhos de qualidade.

Aos olhos do público
Minha relação com o público ficou mais forte. Às vezes, reivindicamos nossa privacidade, mas fazemos tudo para sermos reconhecidos. E vivemos do público e para o público. Agora, como aconteceu comigo, de passar por uma situação grave de saúde e retornar com a torcida totalmente ao meu lado, tendo o apoio dos meus amigos, da empresa em que eu trabalho – no caso a TV Globo – e do público. Percebi que fazia parte da vida deles. Eu, por meio dos meus personagens, quer queira quer não, nesses 50 anos de carreira, faço parte de uma história. Ela pode ser medíocre ou não, ser vitoriosa ou não, mas ela existe.
Quando saí da internação, conversei com o meu médico, que disse impressionado: “Olha, ele voltou a falar com a voz dele mesmo”. Ao que eu respondi: “Claro, doutor. Você acha que eu iria voltar com outra voz?”. É uma brincadeira, mas, como eu parei de fumar há 11 anos – completados em 23 de abril, dia de São Jorge (o que é uma coincidência) –, minha voz ficou melhor. Tenho uma coisa engraçada com a minha voz. Ela não é da minha idade. Não é a voz de um homem que vai fazer 70 anos. Eu me exercito, faço caminhadas e aula de canto, o que contribui para minha voz ser saudável. Tenho que estar bem comigo e, com isso, estarei bem para o público. Como se fosse um atleta. Há todo um preparo para estar no palco.

De volta à cena
Meu trabalho na volta para a TV foi com o diretor Luiz Fernando Carvalho, num especial chamado Alexandre e os Outros Heróis, que foi bem de público e crítica, com indicação ao Emmy na categoria melhor ator. Ao mesmo tempo, já estava envolvido com o processo da peça Entredentes. Eu e Gerald nos encontramos no Rio de Janeiro, Londres e, no ano passado, em Nova York, onde chegamos a ensaiar uma parte do texto. Daí entrou a Maria de Lima no espetáculo, achei que seria interessante ter a presença feminina no palco. O Gerald me disse que conhecia uma atriz portuguesa maravilhosa e, realmente, é uma boa colega, talentosa. Deu muito certo a química entre nós. Somos três, eu, Maria e Edi Botelho.
O texto de Entredentes ficará sempre em construção, porque se acontecer algum fato jornalístico hoje, e o Gerald considerar importante, ele colocará no espetáculo. O teatro dele é vivo. É similar a uma instalação, um happening, sabe? Fazemos no teatro, mas poderíamos estar no vão livre do Masp [Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand] ou no Viaduto do Chá.

Ah, o humor
Lutamos tanto pela democracia, pela liberdade. É importante ter de tudo para todos os gostos. Tem que ter os musicais, ou da Broadway ou os nacionais, como os dedicados a Elis Regina e Rita Lee. Acho saudável esse movimento. Tem que ter comédia em pé. Tem que ter tudo. É o público que determinará o que deseja assistir. O humor sempre será uma arma poderosa. Acho que jamais deve ser grosseiro, não podemos magoar as pessoas para provocar o riso. Com certeza é libertário, mas tem que ser inteligente.
Ainda é melhor ao vivo
Não tenho Facebook, Twitter, nada disso. Eu prefiro pegar o telefone e ligar para as pessoas que eu gosto, para os meus amigos e conversar, do que ficar mandando mensagens. Acho que é muito frio aquilo. Ainda é melhor ao vivo, viu? Assim a mágica acontece 100%. Eu não gosto de solidão. O ser humano já é solitário, então você precisa ter uma lona de proteção, similar àquelas usadas no circo para dar segurança aos malabaristas. E, para nós, a nossa rede é feita pelos nossos amigos, pessoas com quem podemos contar. Por exemplo, perdi um amigo meu recentemente, o Wilker (o ator José Wilker), e procurei os amigos em quem confiava para compartilhar minha saudade, minha dor. E não dá para fazer isso por mímica (risos), por mensagem, são pessoas com quem podemos contar presencialmente e não virtualmente.

Adaptando García Márquez
Cantei uma música com letra escrita por Gabriel García Márquez e musicada por Egberto Gismonti, A Bela Palomera, para o filme de mesmo nome, uma adaptação dirigida por Ruy Guerra e lançada em 1988. Interpretei Orestes e contracenei com Claudia Ohana e Tônia Carrero. Quando eu filmava em Paraty, o Ruy ligava para o García Márquez no fim de tarde e nós conversávamos ao telefone sobre como tinha sido a cena e o dia de filmagem. 

A dor e a delícia de ser o que é
Minha mãe trabalhou num cassino na Urca – bairro do Rio de Janeiro –, e com o Grande Otelo, tanto que ele é o meu padrinho de batismo. Em toda entrevista que eu dou comento isso, e o Gerald acha extremamente cansativo (risos). Por isso ele incluiu este trecho na peça: “Ai, não vem com essa história, pelo amor de Deus”, como se fosse eu reclamando de mim mesmo. Mas a minha história é essa. Não posso negar. E por que não contar de novo?
Sou vaidoso. Gosto de me cuidar, de passar creme no rosto, de me exercitar na Lagoa. Quando a crítica é boa eu mando ampliar, quando é ruim eu guardo. É uma vaidade que nunca vai magoar ninguém. Gosto de tirar foto com o público. Acho legal de saber que tem uma criança que me vê e diz: Vamos bater uma foto, tio Ney? Por que não? É uma delícia isso, um prazer.

“O humor sempre será uma ¿arma poderosa. Acho que jamais ¿deve ser grosseiro, não podemos ¿magoar as pessoas para provocar o riso.”