Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

As escolas do futuro

As escolas do futuro

O mundo globalizado e a Web 2.0 criaram novas formas de olhar os ¿diversos “departamentos” da vida humana. ¿Em várias dessas áreas de vivência, no entanto, os olhares do passado parecem se perpetuar. O educador Jorge Proença e o analista de sistemas Flávio Aguiar discutem as relações e os embates entre  tecnologia e educação.

Sala de aula do futuro: A escola tem escolha?
por Jorge Proença


Dentre as várias áreas essenciais à humanidade está a Educação, que, na opinião de muitos, ainda está muito atrasada. Dizem que se trouxéssemos um médico ou um engenheiro do começo do século passado para os dias atuais, eles não saberiam exercer a sua profissão, enquanto um professor o faria com a maior naturalidade. Isso é reflexo de uma área muito tradicional e que, por muitos anos, cumpriu muito bem seu papel na evolução da humanidade, mas que reclama mudanças.
O professor Jim Legel (Universidade de Boston), um dos especialistas no tema, fala com propriedade sobre o assunto e traz uma visão muito interessante quando analisa o trabalho e a escola desde o século 19. Suas conclusões nos fazem refletir sobre os caminhos que a educação deve tomar nas próximas décadas. Em suma, ensina-nos o ilustre professor que o trabalho e a vida 1.0 foram caracterizados por atividades manuais e artesanais, por pequenos grupos de trabalho e convivência, ferramentas manuais simples, pessoas de idades variadas, sempre com uma visão clara do mundo exterior. A vida na escola e fora dos seus muros era, praticamente, a mesma, ou seja, a escola refletia a sociedade a que servia. Era o lugar em que as crianças aprendiam o que precisavam para sobreviver e ter sucesso mundo afora. Tudo era sincronizado com a economia e com a vida da época: horário, ferramentas e forma.
No início do século 20, a economia mudou e surgiu o trabalho 2.0. Naquela época, muitas pessoas começaram a trabalhar em fábricas, em escritórios e em grupos maiores. O que se via eram pessoas em estações individuais de trabalho, com ferramentas mecânicas especializadas, idades semelhantes no mesmo espaço físico, repetição e normatização de processos. A escola acompanhou essa mudança, surgindo a denominação Escola 2.0, que seguia os mesmos paradigmas da economia da época.
E o que encontramos no mundo atual? Encontramos pessoas que trabalham em pequenos grupos, ainda que em grandes instituições, destinados a resolver problemas e a encontrar melhores soluções e ferramentas, especialmente da tecnologia da informação. Deparamo-nos com pessoas de diferentes idades, em um mesmo espaço físico, desenvolvendo atividades diversas e vivenciando a inclusão e a justiça social. Esse é o Trabalho 3.0.
Por sua vez, as escolas continuam conectadas ao mundo 2.0, não formando pessoas para essa vida 3.0. Esse assunto está sendo discutido nas universidades, entre as lideranças acadêmicas e políticas, mas muito pouca coisa foi realizada para que tenhamos uma Escola 3.0 na esteira do que temos assistido no mercado de trabalho. A sociedade precisa acordar para tal desafio e contribuir com críticas e sugestões, para que as escolas preparem melhor as pessoas para esse mundo que tanto precisa de ajuda, de justiça social e de priorizar os valores morais e espirituais.
A minha sugestão e o caminho natural para o alcance dessa meta é a valorização dos professores, que são os mais legitimados a participar desse momento de transição e ajudarão a criar o paradigma da Educação 3.0. O professor precisa contar com condições dignas de trabalho, ferramentas adequadas, acesso à tecnologia da informação e melhores salários. Mas, como seria a Escola 3.0? Já teríamos condições de implementá-la?
Alguns países saíram na frente e estão experimentando modelos que quebram vários paradigmas em relação ao modelo tradicional, que costuma trabalhar com muitos alunos em uma única sala de aula, que exige dos professores talento para ministrar várias espécies de aprendizado, que mantém computadores fora da sala de aula, concentrados num único laboratório de informática, que prega um processo de ensino-aprendizado padronizado e empacotado para todos os tipos de alunos. Os resultados das experiências que pretendem mudar esses métodos estão surgindo e demonstrando que é possível instalar-se um modelo diferente de ensino-aprendizagem.
Alguns bons exemplos são o Institute of Play – em que os alunos aprendem através de jogos, o iZone –, que estimula a adoção de modelos inovadores desenhados a partir das necessidades de cada escola, em Nova York, e a Orestad Gymnasium, escola municipal de Copenhague, na Dinamarca, que foi pensada para viabilizar o conceito de “escola do futuro”. Nessa escola, metade das atividades é realizada em espaços multiuso, em que os alunos do ensino médio são incentivados a resolver, em pequenos grupos, desafios propostos pelo professor. Nenhum adolescente usa caderno de papel ou é obrigado a tirar cópia de livros. Tudo é digital.
Por sua vez, tecnologias que permitem que educadores implementem o modelo do aprendizado adaptativo também é outra grande tendência. Com elas, cada aluno é avaliado cuidadosamente e orientado através de planos de ensino personalizados. Nesse cenário de transição, outras iniciativas tecnológicas têm surgido, podendo-se destacar o LMS, CMS, LCMS, SGA, ERP, eLML, Moodle, EAD, eLearning, eBook, AVA, VLE, MOOC, etc. É uma grande sopa de letrinhas, mas isso é assunto para um próximo artigo.
Assim, entendo que o caminho da escola do futuro será a adoção de games (jogos) no seu processo pedagógico. O game tem fundamentos semelhantes e alinhados ao modelo do ensino-aprendizagem. Tanto um quanto o outro implementam técnicas que determinam a conclusão, com sucesso, de uma atividade, já que, para aprender ou jogar, a pessoa deve apresentar evolução gradativa, em termos de dificuldade. O game não pode ser tão desafiador, que desanime, nem tão fácil, para não se tornar desinteressante. Por sua vez, o feedback (retorno) constante e individualizado é essencial para se aferir se o jogo e o aprendizado adaptativo estão sendo eficazes. Premiar e destacar aqueles que concluem, com êxito, cada etapa também é importante.
Enfim, o game é um grande aliado do educador moderno e também traz dispositivos inovadores de detecção de movimento (ex.: Kinect) que permitem grande interatividade nas atividades propostas, desenvolvendo um processo mais motivador e, por consequência, mais produtivo. Então, vamos em frente! Vamos apertar o play agora!!!

Jorge Proença é educador e fundador da Kiduca, ¿plataforma educacional baseada em ¿games voltada ao ensino fundamental.


“O game é um grande aliado do educador moderno e ¿também traz dispositivos inovadores de detecção ¿de movimento que permitem grande interatividade nas atividades propostas, desenvolvendo um processo mais motivador”

 

A sala de aula está com os dias contados?

por Flávio Aguiar

Educação sempre foi um tema primordial e hoje, talvez mais do que nunca, é uma discussão urgente, devido às grandes transformações e aos níveis de informação que circulam incansavelmente por aí. Métodos são testados, repetidos ou inovados de tempos em tempos, mas a sala de aula tradicional, aquela em que o aluno é obrigado a sentar de frente para o professor durante 5 ou 8 horas por dia em uma instituição de ensino, vem de longa data e não parece ser muito estimulante para grande parte dos estudantes.
Em busca de maior engajamento, algumas escolas, em especial as infantis, têm apostado no aprendizado a céu aberto, que foge dos muros e carteiras enfileiradas. O fato é que não é de hoje que educadores pesquisam métodos para driblar a monotonia. Em 1906 a médica educadora italiana Maria Montessori abriu a primeira escola revolucionária, onde os alunos aprendiam e ensinavam a si mesmos. Sua pedagogia foi testada e constatou-se que crianças aprendem com mais eficiência e paixão quando descobrem por si.
Isso foi considerado o futuro da educação. Há mais de cem anos... E, quem diria, hoje continua sendo um método revolucionário. Quem acompanhou o TED (aquela sequência de palestras e ideias que acontece em um evento anual na Califórnia) no ano passado assistiu à palestra do educador Sugata Mitra, que recebeu um prêmio ao apresentar estudos cognitivos realizados na Índia, com os quais provou que crianças podem aprender sozinhas e ensinar umas às outras. Por outro lado, o educador inglês Donald Clark acredita que há perigo de abandono, acomodação ou uso impróprio (para fins de entretenimento, por exemplo) do aprendizado a partir de ferramentas como um computador se esse trabalho não for supervisionado em instituições de ensino.
Paralelamente às discussões metodológicas que permeiam o futuro da educação, estamos atravessando uma das maiores e mais rápidas transformações de todos os tempos. O avanço da tecnologia e a internet digitalizaram o mundo e estão modificando todas as áreas. Inovaram a forma como ouvimos música, como realizamos pesquisas, como nos relacionamos e, cada vez mais, as estruturas das salas de aula e os métodos educacionais.
Se temos infinitas possibilidades pela frente e uma nova geração com sede por novidades, a inovação se tornou uma necessidade, e hoje mais do que nunca profissionais da educação sentem isso na pele. As novas tecnologias vêm para somar e grande parte delas nasce dentro de universidades. O Widbook, por exemplo, veio a partir da necessidade de professores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) publicarem trabalhos online em formato de livro e poderem colaborar com alunos e colegas. A partir daí, criamos uma plataforma digital para publicação e leitura de ebooks, na qual qualquer pessoa pode escrever e ler histórias, enviar colaborações, receber feedback e interagir com usuários do mundo todo.
É uma comunidade de escritores e amantes da literatura – possivelmente a única que permite a publicação gratuita de trabalhos/livros com páginas digitais e elementos multimídia, como vídeos e fotografias – com grande potencial para inovar a sala de aula. Aliado a outras ferramentas educacionais disponíveis no mercado, o Widbook pode trazer criatividade para engajar trabalhos colaborativos ou individuais. Parte do sucesso diz respeito a essa liberdade de criação, que é tão importante nas discussões rumo ao futuro da educação e tão característica das novas gerações.
Hoje cada vez mais há uma urgência de intercâmbios e acessibilidade. Vamos pegar um caso dos Estados Unidos como exemplo. Um professor da Geórgia, John Hardison, em sua aula de Literatura Norte-Americana, dividiu a sala em pequenos grupos e pediu aos alunos que interpretassem capítulos do livro The Deviland Tom Walker, do autor Washington Irving. Cada grupo criou vídeos, fotografias e dissertações que formaram um ebook inovador, disponível no Widbook gratuitamente para quem quiser acessar.
Agora, imagine uma aula de química, por exemplo, na qual alunos pudessem filmar seus experimentos e formar um livro digital com o processo e os resultados? E imagina se alunos de outras instituições pudessem participar desse livro, ou criar os seus próprios, sobre o mesmo experimento, para que sejam avaliadas diferenças culturais em diversos países e níveis educacionais?
A Tufts University, em Massachussets, realizou um experimento que conectou salas de aula em diferentes países. “Os alunos colaboraram nos mesmos projetos de duas instituições e se beneficiaram mutuamente por ouvir perspectivas interculturais sobre os materiais do curso”, afirmou Gina M. Siesing, diretora da área de tecnologia e serviços educacionais e escolares da universidade.
Hoje, a globalização e a tecnologia geraram uma série de possibilidades, e a imaginação é o limite de cada um. Então, o futuro é digital? Na verdade o presente já é. Mas estamos caminhando para um futuro cada vez mais colaborativo.
O Departamento de Tecnologia e Transformações na Educação da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, aposta na aprendizagem combinada entre o individual e o colaborativo, em que o aluno tem acesso a recursos online e, num segundo momento, traz o aprendizado para discussão interativa em sala de aula, face a face.
Tudo isso, aliado às mudanças de comportamento que já estão ocorrendo rumo a um aprendizado mais independente (é grande o número de pessoas que buscam conhecimento por conta, no Google e em bibliotecas virtuais, por exemplo), leva a pensar que um ensino mais eficaz será uma mistura da estrutura educacional de estudo como conhecemos hoje com formas menos arbitrárias e mais livres de aprendizado.
Todos buscam gerar motivação em sala de aula. Alguns acreditam que o futuro seja exatamente longe delas e das paredes que a cercam, mas é inegável que a troca de experiência e o relacionamento social nas escolas e universidades são benéficos ao ser humano. Precisamos, então, suprir a urgência da inovação e trazer as novas tecnologias não só às salas de aula de cursos online, mas às físicas também.
Como disse Nelson Mandela: “Educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”.

Flávio Aguiar é analista de sistemas formado pela PUC, ¿com MBA em Gerenciamento Estratégico e Econômico ¿de Negócios pela FGV e pela Ohio University. ¿É também CEO do Widbook, plataforma de ebooks ¿que promove a colaboração entre leitores e autores.

“Hoje, a globalização e a tecnologia geraram uma ¿série de possibilidades, e a imaginação ¿é o limite de cada um. Então, o futuro é digital? ¿Na verdade o presente já é”