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Cristovão Tezza

Crédito: Leila Fugíí
Crédito: Leila Fugíí



Mestre das nuances da criação literária, Cristovão Tezza fala sobre seu novo livro e sobre as marcas do Realismo em sua escrita

Sete anos após produzir sua obra mais conhecida, O Filho Eterno (Editora Record, 2007), escritor catarinense Cristovão Tezza recebe acolhida calorosa dos leitores e elogios da crítica com o recém-lançado O Professor (Editora Record, 2014).

O romance se passa num fluxo de consciência incessante do professor Heliseu. O personagem central será homenageado pelos serviços prestados à universidade e, no intervalo para elaborar seu discurso de agradecimento, puxa pelo traiçoeiro fio da memória acontecimentos pessoais e políticos da história recente do país. Para Tezza, as interferências políticas se fundem à narrativa com uma consistência puramente literária: “A partir do lançamento do livro, observei que as pessoas estão me perguntando muito disso, curiosas sobre o período Sarney, o período Collor”, comenta. Conheça mais detalhes sobre esta e outras histórias no depoimento a seguir. 


Capítulos políticos

A memória política entra no livro [O Professor] com uma consistência literária. A primeira questão que se apresentava para mim, que é uma marca do meu realismo, é marcar toques do pano de fundo social e político. Isso era particularmente importante na universidade, porque a instituição acompanhou toda a evolução política do nosso país.

Montando os momentos históricos-chaves da sequência, senti necessidade de expô-los, mas por uma razão literária e não por outra causa. A partir do lançamento do livro, observei que as pessoas estão me perguntando muito sobre isso, curiosas sobre o período Sarney, o período Collor.


Língua e memória

Fui professor por dois anos na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), depois prestei concurso e comecei a dar aulas na Universidade Federal do Paraná (UFPR), de 1986 a 2009.

Tive uma fase acadêmica bem intensa. Escrevi dois livros didáticos, estudei história da língua, dava aula de introdução à linguística.

Tive uma familiaridade com o universo do professor Heliseu (do livro O Professor), mas jamais fui o especialista que ele é.

Toda memória passa pela descrição linguística. Entre as coisas e nós, estão as palavras. Então, por mais imagéticas que sejam as lembranças, elas passam pelas palavras.

O livro é o ponto de vista do professor. Escolhi esse foco narrativo e fui até o fim. Tanto que não é correto falar em narrador onisciente, porque se trata de um narrador que sabe apenas o que ele sabe do Heliseu. Não entra no fluxo de consciência dos outros personagens. Foi uma opção minha. Não digo que foi mais fácil ou difícil, pois cada livro apresenta as suas especificidades muito claras.


Baseado em fatos reais?

O estatuto da ficção exige certa cultura literária. Não existe um leitor ingênuo de ficção. Você aprende o que é literatura, o que é um romance. E, às vezes, o senso comum não sabe distingui-los. Costumamos ler um aviso nos livros ou filmes, “baseado em fatos reais”, como se fosse um bônus, como se a obra valesse mais por causa disso. É assim porque alguns leitores não muito afeitos à história da literatura/ficção literária estão interessados nisso que supostamente chamamos de realidade. Mas acho que é uma questão mais cultural do que intrínseca ao texto.

O Professor é uma obra de ficção inventada do começo ao fim, embora trabalhe com fatos da realidade. Para mim a literatura nunca foi um repositório de confissões pessoais, só quando fui poeta, aos 13 anos de idade (risos). Eu chorava algumas pitangas pessoais naquelas páginas. Depois, não. Comecei a construir narradores e personagens. Eventualmente, claro, muitas coisas minhas entram no texto, mas com uma perspectiva totalmente diferente.


Reprovação e escolhas

No quarto ano tive que fazer um exame de admissão. Um minivestibular para ser aprovado no ginásio. A primeira prova era uma redação eliminatória. E eu fui reprovado em redação. Tive que fazer o quinto ano, e excepcionalmente, porque minha família insistiu que eu fizesse, pois era muito comum parar de estudar nesses casos.

Já quanto à universidade, eu não queria prestar vestibular. Resisti o quanto pude. Prestei o exame aos 25 anos. Pensava que a universidade iria me destruir como escritor, um imaginário dos anos 1960/70, totalmente rebelde e contra tudo. Nessa visão, a academia representava o sistema. Aliás, nunca abandonei muito esse substrato desconfiado. Tanto que sempre dei aula de Língua Portuguesa e não de Literatura.

Dos anos 1970 em diante a universidade se tornou o abrigo da literatura brasileira, o que não sei se foi bom. Havia a figura do professor/escritor – e eu fui um –, um sujeito que ao mesmo tempo que escreve dá aula; explica o que é literatura e escreve o livro. Você começa a ser um autor de teses.


Psicanálise, a ciência literária

A psicanálise é uma forma sofisticada de literatura. É uma ciência literária por excelência e muito interessante que me influenciou bastante. Quando li A Interpretação dos Sonhos (Sigmund Freud), parecia que eu estava lendo Os Três Mosqueteiros (Alexandre Dumas). Foi uma experiência impressionante (risos).

Houve uma época da minha vida na qual, enquanto escrevia, não lia nenhum romance, tinha medo de me influenciar. Hoje não tenho problema nenhum com isso. Minha linguagem já anda sozinha e não é influenciável nesse aspecto. Assisto a muitos filmes em versão TV em casa. Para mim cinema é uma influência, mas diversa da absorção de uma obra literária.


Criador e criatura

Não me preocupo mais quando me identificam como o autor de O Filho Eterno. Recentemente, vivenciei uma situação muito simbólica. Um jornalista comentou com uma prima que viria me entrevistar. Ele disse o meu nome e ela respondeu não me conhecer. É o autor de O Filho Eterno, insistiu. Ao que ela se impressionou, sim, claro, o autor de O Filho Eterno. Então, vi que essa identificação funciona mesmo. O livro é mais conhecido do que o autor. Tenho mais de 14 livros publicados, porém a literatura é lenta. Comparativamente a um ator que faz uma ponta em alguma novela, por exemplo. Em cinco minutos, o ator é visto por mais pessoas do que todos os meus livros juntos venderam. São milhões vendo aquela imagem, é instantâneo. Já na literatura vamos no livro a livro, obra a obra.


“A psicanálise é uma forma sofisticada de literatura [...] Quando li A Interpretação dos Sonhos (Sigmund Freud), parecia que eu estava lendo Os Três Mosqueteiros (Alexandre Dumas). Foi uma experiência impressionante”