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Ingenuidade a cores
por José Roberto Ramos
“O senhor é o novo gerente, né? Eu pintei este quadro pro senhor. Eu tinha pintado outro, mas eu dei pra uma pessoa que viu e gostou. Então, eu pintei este. São girassóis. Eles iluminam a vida da gente.” Foi assim que conheci Carmela Pereira, artista de Piracicaba que, dentre outras maneiras de expressar sua sabedoria, pinta quadros naïfs. Isso foi em 2010, ano que cheguei a Piracicaba e iniciei meu contato mais direto com a arte naïf.
A partir daí, para mim são três Bienais Naïfs até agora, projeto que o Sesc São Paulo realiza há mais de 22 anos na unidade Piracicaba. E a cada Bienal aumenta a minha percepção de que essa arte, mais do que podemos encontrar na tradução do termo naïf, configura-se como a capacidade de transportar de maneira simples, verdadeira e até ingênua os sentimentos sobre as coisas da vida para o fruto da arte.
Cada obra possui um jeito único de nos transportar para as paisagens ou situações percebidas no cotidiano de cada artista, sendo fatos reais ou temas surgidos na sua imaginação, que alimentam os assuntos retratados contemplando fatos atuais, festas populares, crítica social, política, fé e muitos outros. Infinitas cores utilizadas de maneira espontânea seduzem não só pela beleza do conjunto, mas também pela simplicidade com que são empregadas. Através delas nos transportamos para as tradições indígenas, retratadas pela artista Carmézia, como podemos ver em “Corrida da Massa” e “Dança do Beija-flor”. Nos divertimos com o retrato bem-humorado de situações do cotidiano que Vósandra apresenta nas obras “Sai Cocô” e “Silênnncio”. Encontramos a perspicácia da crítica social de Alemão na obra “O Engolidor de Sapo”, além de embarcarmos na inusitada viagem à abstração de Efigênia Ramos Rolim, que nesta Bienal 2014 terá exposta a sua obra “Cavalinho e Cavaleiro”.
Efigênia, no livro “Em Nome do Autor”, de Beth Lima e Valfrido Lima, apresenta a seguinte tradução para o seu trabalho: “Eu sou contadora de histórias desde os 15 anos, mas comecei com meus bonecos em 1990, porque me tornei poeta. Foi assim: em 91, eu estava andando pela rua quando vi uma coisa brilhar muito no chão. Fiquei atordoada. Para mim era uma joia, mas era um papel de bala. Se tivesse sido uma joia, eu ia usar e pronto, a história ia acabar. Mas, como era um papel de bala, a história continuou. O papel de bala são os seres humanos quando perdem o recheio e ficam perambulando pela rua. Eu precisava dar vida a eles. Sei que tem gente que não quer dar valor à vida, mas eu me perguntava por quê.”
A capacidade artística é um dom inato no ser humano e não existem técnicas, regras ou dogmas que, quando ele realmente está presente, lhe possam atrofiar qualidade e retirar valor. A origem desses artistas, em sua maioria de camadas socioeconômicas menos favorecidas e de técnica construída de maneira autodidata, facilita e valoriza a espontaneidade tão presente nas obras, que eternizam fatos por eles percebidos em sua sabedoria popular ou a simples certeza da sua realidade imaginária.
E para a Bienal Naïfs 2014 foram 363 artistas de 23 Estados das cinco regiões do Brasil que se inscreveram e possibilitaram ao júri, composto por Antônio Santoro Jr., Kelly Teixeira, Oscar D’Ambrósio e Valdeck de Garanhuns, selecionar 106 obras que estarão expostas ao público a partir do dia 07 de agosto.
São 81 artistas que estarão representando as diferentes gerações, desde o “caçula” Enzo Ferrara com seus 30 anos até a “experiente” Kaldeira e seus 92 anos. Técnicas como pintura em diferentes suportes, xilogravura, escultura em papel machê e argila, entalhe em madeira, tapeçaria, colagem de papel e assemblagem estão presentes entre as obras selecionadas. E dialogando com esses trabalhos, como proposta do curador Diógenes Moura, teremos as fotopinturas, sendo umas de autoria de Mestre Júlio e outras da coleção de Titus Riedel, completando o que será uma grande oportunidade de provocar o brilho nos olhos e a inquietação ao público sempre fiel à Bienal Naifs e também àquele que irá se aventurar pela primeira vez. Portanto, seja bem-vindo!
José Roberto Ramos, formado em educação física, é gerente do Sesc Piracicaba