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Noemi Jaffe

Ilustração: Marcos Garuti
Ilustração: Marcos Garuti


Shopping center


O shopping center é: ou um eletrodoméstico ou uma narina de elefante que chafurda aleatoriamente no ar e no lodo, aspirando tudo o que passa: as pessoas, o tempo, os chinelos, as maçanetas, as bundas e os laminares.

Os laminares são criaturas que gostam muito dos buracos sincopados, simétricos e eufóricos de que são feitos os shopping centers, buracos, que, por sua vez, pensam também muito naquelas criaturas, os laminares. Os laminares são dóceis e fiéis a seus donos, que variam entre buracos ou protuberâncias – masculinos e/ou femininos. 

Quando o shopping center é um eletrodoméstico, é só ligá-lo nas tomadas, apertar o botão “on” e ele começa a funcionar instantaneamente. O eletrodoméstico shopping center serve para: refrigerar, aspirar, aquecer, monitorar, pilotar, mesmerizar, pasteurizar, dirimir, extrair, colocar e trotar. Não se sabe por que ou para que ele possibilita o trote.

Nessas ocasiões, em que o shopping center é um eletrodoméstico, deve-se guardá-lo no armário da cozinha, sob a pia, entre os tupperwares e as panelas de pressão. Nunca em outro lugar. Ao desmontar o shopping center para o uso, observe as instruções e ele se abrirá em múltiplas faces, ocupando a cozinha, a casa, a rua, o bairro, os tornozelos e as alças. Sua casa será temporariamente engolida, mas não se preocupe, ela estará protegida e incorporada ao eletrodoméstico e você, aqui e ali, reconhecerá seu banheiro, sua geladeira, seu marido sentado na poltrona e um pedaço de um guardanapo recém-utilizado, ainda sujo de molho. Logo eles retornarão à forma e lugar originais, mas melhorados, você verá.

Quando o shopping center é uma narina de elefante, entretanto, assume outras características. Perde grande parte da natureza dócil apresentada em seu aspecto anterior e se torna imprevisível, acometido de súbitos acessos de fúria e inflamação das mucosas. O melhor remédio, nessas circunstâncias, é tranquilizá-lo com canções de ninar e com sacrifícios. Devem-se deitar noventa e três laminares numa esteira e oferecê-los à narina, que, após aspirá-los, apresentará atitude calma e a pele macia e rosada, sem os poros saltados e vermelhos. Os laminares não são difíceis de encontrar e apreciam serem ofertados em sacrifício – eles estão geralmente nas gavetas e nos paletós. São pequenos, agradáveis e maleáveis.

As criaturas que não são laminares, já bem maiores e resistentes ao sacrifício direto, podem, entretanto, sempre escolher o modo eletrodoméstico para o uso do shopping center. Um problema importante é que, até agora, ainda é difícil saber como optar deliberadamente por essa variável. É preciso sorte.

Se o usuário não quiser, mesmo assim, escolher nem o modelo eletrodoméstico nem o modelo narina de elefante, ele poderá facilmente sobreviver sem o shopping center. Mas somente nas pradarias, nas encostas rochosas ou nas corcovas dos camelos, já bastante ocupadas.


Noemi Jaffe é autora de O Que os Cegos Estão Sonhando (Editora 34, 2012) e
Quando Nada Está Acontecendo (Martins Fontes, 2011), entre outros livros.