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Livros para os alunos do Senac e para o mercado / Foto: Fernando Piovesan
Livros para os alunos do Senac e para o mercado / Foto: Fernando Piovesan

Por: MARCELO SANTOS

Era para ser apenas uma casa publicadora que daria suporte aos alunos dos cursos oferecidos tradicionalmente pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, o Senac, criado em 1946. Uma forma de complementar e até mesmo substituir os modelos de apostilas didáticas adotadas até o ano de 1995. Só isso já representaria um projeto ambicioso, uma vez que somam, atualmente, 1,6 milhão de estudantes matriculados nos 4,6 mil municípios servidos pela entidade no país. Mas a aposta deu tão certo que o selo Senac Editoras, formado pelo Senac São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Ceará e Departamento Nacional, completa duas décadas de existência em 2015 como uma das mais prestigiadas e expressivas marcas editoriais do país.

Os primeiros livros surgiram a partir da criação da Gerência de Produção Editorial, que publica de acordo com a demanda dos cursos oferecidos pelo próprio Senac. Apenas em 2014, foram vendidos 1,2 milhão de livros aos alunos. “É um mercado grande, mas que não aparece muito porque é restrito ao próprio Senac”, explica Rosemary Zuanetti, gerente de produção e distribuição editorial e membro da diretoria de integração com o mercado do Departamento Nacional. “Essa produção aumentou ainda mais após as parcerias com o Pronatec (através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego o governo federal subsidia cursos de formação profissional e técnica) e o Programa Senac Gratuidade (PSG)”. Dos alunos matriculados nos cursos do Senac, 480 mil são provenientes do programa federal criado em 2011. Outras 460 mil matrículas são de bolsistas por meio do PSG.

Apesar da pulsante produção no escritório, localizado na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, o Departamento Nacional não é uma editora de mercado. “Somos uma gerência de produção editorial”, destaca Rosemary. “Produzimos livros de educação profissional focando em material de sala de aula. Pensamos, estritamente, nos cursos do Senac. Se esses livros servirem para o mercado, tudo bem, podem ser vendidos através de parcerias com as editoras Senac São Paulo e Senac Rio de Janeiro”, ela esclarece.

Em São Paulo, desde que foi criada, em 1º de agosto de 1995, a editora já comercializou 11,5 milhões de exemplares, lançou 1,4 mil títulos de 800 autores e passou a responder por 80% de toda a produção nacional do gênero. “Ela ocupou alguns flancos abertos no mercado e hoje é reconhecida por sua qualidade. Não deixamos de atender também os nossos alunos, e passamos a editar para o público geral, distribuindo às grandes livrarias”, relata a publisher Jeane Passos, executiva que fez carreira na instituição como bibliotecária, por 17 anos, chegando a coordenar a robusta rede de 54 bibliotecas do Senac paulista, alocadas em centros universitários e diversos polos pelo estado. Ela está na direção da editora há quase quatro anos.

Seu escritório ocupa o terceiro andar de um prédio no centro da cidade, onde trabalham, aproximadamente, 60 pessoas ligadas à editora. No endereço, na rua 24 de Maio, funciona também uma unidade educacional do Senac. É lá que ela folheia materiais encaminhados pelo correio ou entregues pessoalmente por escritores iniciantes e mesmo autores da casa. São cerca de 200 novos projetos para serem avaliados todos os meses. Destes, apenas dez serão submetidos ao conselho editorial para uma última triagem. Em média, cem títulos novos são lançados todos os anos. “Nós imaginamos todo esse processo como uma grande esteira de indústria”, compara Jeane. “Temos uma linha editorial bem definida, e publicamos apenas os temas que guardam relação com as áreas de atuação de nossos cursos.” O Senac São Paulo produz conteúdo técnico, científico, profissionalizante e universitário nas áreas de administração e negócios, ciências humanas, comunicação e artes, desenvolvimento social, design, educação, gastronomia, informática, meio ambiente, moda, saúde e turismo e hotelaria. “Romance, poesia, religião e autoajuda, por exemplo, não entram em nosso catálogo”, esclarece Jeane.

Livros didáticos

Nos últimos cinco anos, a editora tem experimentado um crescimento vertiginoso. Enquanto, em 2009, fechou o exercício contabilizando 660 mil exemplares comercializados, em 2014 vendeu 1,8 milhão de unidades. “Foi um grande salto. Quase 300% de aumento. Anos marcados por mudanças e correções estruturais muito significativas, na gestão, em que lançamos mão de outras estratégias, tanto na divulgação quanto na venda, e também com o lançamento da nossa linha didática”, relata a executiva. Com o resultado houve um significativo aumento da capilaridade de seus lançamentos. “Alcançamos mil livrarias em todo o país, além de pontos de venda alternativos, como supermercados e lojas.” Jeane informa que todas as unidades Senac têm pontos de venda internos.

A linha de didáticos é uma ação em parceria com o Departamento Nacional. Os livros desse segmento representam o maior mercado editorial do país, responsável por movimentar mais de R$ 2 bilhões por ano, segundo a Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros). “São livros didáticos direcionados para a educação profissional. Reocupamos uma lacuna que o mercado havia simplesmente deixado de lado. Estávamos muito voltados para dentro dos nossos próprios cursos, nessa questão dos didáticos, e levamos para o mercado mais essa expertise do Senac que hoje tem uma representação bem significativa em nosso faturamento.” De acordo com a publisher, os livros desse segmento já representam 25% de todos os novos títulos da editora.

Entre os lançamentos estão, por exemplo, livros das séries Se Liga Nessa, que procuram estimular os jovens a ter atitudes conscientes diante das relações estabelecidas no convívio social. Temas polêmicos como respeito à diversidade, preconceito, direitos humanos, meio ambiente, consumo e sustentabilidade, vínculos com a família, escola e comunidade, entre outros, são tratados em linguagem clara, levando o leitor a refletir sobre as práticas sociais; Apontamentos, voltada à área de saúde; e Sou, uma coleção criada especialmente para atender à demanda de formação de profissionais na área de prestação de serviços. “São livros que foram absorvidos muito bem pelo mercado, que ultrapassaram as salas de aulas e são consumidos até por não estudantes”, ressalta a editora.

No último ano, o livro Sou Barista, da série Sou, recomendado tanto aos já iniciados na profissão quanto aos que estão apenas começando, ficou com a terceira colocação no Prêmio Jabuti, na categoria Gastronomia. O Jabuti é a maior premiação do mercado editorial brasileiro. Foi escrito por Concetta Marcelina, que é docente na área, com certificação da Speciality Coffee Association of Europe (SCAE) – associação europeia de fomento e difusão no segmento de café especiais –, e Cristiana Couto, jornalista especializada em gastronomia. “Procuramos sempre autores de referência em cada área de atuação. Isso aproxima a realidade e a formação. É o modelo educacional do Senac de aprender fazendo”, salienta Jeane.

Selo vitorioso

Não faltaram distinções. Foram conquistados 21 prêmios Jabuti, os principais após trabalhos como Monteiro Lobato: Furacão na BotocúndiaChic Homem: Manual de Moda e EstiloMulheres Negras do Brasil e Ensaio sobre o Medo. Além destes foram quatro Clio de história, premiação da Academia Paulista de Letras, seis Fernando Pini de Excelência Gráfica, quatro Design do Museu da Casa Brasileira e três prêmios José Celestino Bourroul. As publicações sobre gastronomia são as que mais rendem premiações ao Senac. As obras primorosas, de fazer salivar os olhos e esfomear a curiosidade, renderam mais de 60 Gourmand World Cookbook Awards, a mais importante premiação literária mundial de gastronomia, o que faz do selo editorial o mais vitorioso no Brasil e um dos mais relevantes do mundo.

Resultado de muito investimento e pesquisa, segundo Jeane. Ela afirma que o Senac trabalha a gastronomia desde a sua formação. Outras editoras, que não tinham nenhuma tradição nessa área, estão publicando justamente a partir do momento em que o tema ganha maior relevância. “A cozinha passou um tempo abominada, mas hoje é chique”, reflete Jeane. “Esmeramo-nos em produzir livros que não trabalham só a receita. É certo que dispomos também de obras de receita, mas como temos essa característica de formadores, procuramos fechar o ciclo da cultura gastronômica, sua história”, completa.

É um processo que exige altos investimentos e muito trabalho. Todas as receitas publicadas são testadas antes, e ingredientes não disponíveis no país são substituídos por similares nacionais. “A manteiga brasileira, por exemplo, não tem a mesma consistência da francesa. Por isso, quando se trata de uma obra traduzida, revemos tudo, considerando, entre outras coisas, que os cortes do frango, peixe e carnes vermelhas são diferentes em outros países. Por isso, contratamos uma equipe multidisciplinar que acompanha todo o processo do livro”, conta Jeane.

Os frutos de tanto esmero podem ser vistos em obras como Os Banquetes do Imperador, um belíssimo livro escrito por Francisco Lellis e André Boccato, e que ficou com o segundo lugar do Jabuti de Gastronomia, em 2014. Ele também conquistou o Gourmand World Cookbook Awards, na categoria História Culinária. Foram reunidos 130 cardápios do século 19, colecionados por dom Pedro II e doados à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, pouco antes de sua morte. Um exaustivo trabalho que levou quatro anos para ficar pronto. “É a história de uma visão jornalística sobre esses menus e um estudo sociográfico sobre os livros de gastronomia em português, no século 19”, explica Jeane.

Fotógrafo, jornalista, chef de cozinha e curador do evento “Cozinhando com Palavras”, apresentado na última Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Bienal Internacional do Livro de São Paulo e também na tradicional Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, André Boccato recentemente publicou, pela Editora Senac São Paulo, Hoje é Dia de Feira, Marmita Chic e Saudável e Pudim de Avó. Boccato elogia o catálogo da editora que apresenta mais de 160 obras relacionadas à gastronomia. “Ele contempla tanto o estudante de gastronomia, a curiosidade do leitor comum até mesmo o gourmand avançado e os chefs profissionais. Sua capacidade de atingir vários públicos afeitos à arte de cozinhar e preparar as iguarias de modo a tirar delas o máximo prazer é impressionante, relevante e fundamental para a construção do nosso entendimento da gastronomia mundial e brasileira.”

No último mês de junho, quatro livros do selo Senac Editoras representaram o Brasil na final do Gourmand World Cookbook Awards de 2015, realizado em Yantai, na China. A obra Festas em Miniatura: Comidinhas Salgadas para Muitas Ocasiões, de Flavia e Taissa Calixto e Roberta Vianna, disputou na categoria Entretenimento. Bahia bem Temperada, de Raul Lody, concorreu na Local. Na Culinária Internacional apareceu o livro Interpretações do Gosto, de Monica Rangel, e em Diet, despontou Não Contém Glúten nem Lactose, de Carolina Nizer, Daniel Boarim e Dieter Brepohl. Apesar de nenhum assegurar a desejada estatueta, o destaque mundial colocou, mais uma vez, o nome do Senac como um dos principais selos editoriais do mundo na área de literatura culinária. “É um bom momento para os livros de gastronomia. A tendência é que as pessoas se aventurem ainda mais na cozinha”, observa o editor Manuel Vieira, publisher da Editora Senac Rio.

A empresa especializada em pesquisas sobre o comportamento do consumidor, Nielsen, apurou que, em 2014, foram vendidos 640 mil exemplares de livros sobre gastronomia no Brasil. “A comida é um grande elemento de pertencimento e de identidade de um povo. Ela tem essa possibilidade de referência, de retrato social, cultural, econômico, ecológico e identitário da pessoa”, observa o antropólogo Raul Lody, criador e curador do Museu da Gastronomia Baiana, um empreendimento pioneiro na América Latina. Autor laureado com dois prêmios Gourmand, ele considera o selo Senac o mais relevante da América Latina. “É seguramente um dos dez mais importantes do mundo, considerando não só o volume de suas publicações, mas também sua qualidade editorial e gráfica”, destaca.

Mas nem só de culinária é feito o cardápio literário do Senac Editoras. Os três títulos mais vitoriosos nas vendas do Senac São Paulo, que juntos somam 665 mil, são os best-sellers A Semente da Vitória, do professor Nuno Cobra, profissional admirado e respeitado aqui e no exterior, cujo trabalho tem como base a reconquista do corpo, Chic e Chic Homem, guias básicos de moda da jornalista Gloria Kalil, especializada no gênero. Jeane já sabe como pretende comemorar os 20 anos de atuação da editora. “Quem sabe a gente celebre este ano com mais prêmios?”