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Samba do crioulo doido
Cláudio Roberto Contador é master of art e Ph.D. em economia pela Universidade de Chicago e professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É diretor do Centro de Pesquisa e Economia do Seguro da Escola Nacional de Seguros e membro de diversos órgãos e instituições como o Consensus Forecasts de Londres; International Association of Insurance Supervisors da Basileia, Suíça; Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio; Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem do Rio de Janeiro; Câmara Brasileira dos Corretores de Seguros e Câmara Mineira de Mediação e Arbitragem.
É autor de mais de 200 artigos publicados em revistas científicas no Brasil e no exterior e de 13 livros. Esta palestra, com o tema “A Economia segundo Stanislaw Ponte Preta”, foi proferida no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo, no dia 9 de abril de 2015.
Por que citar Stanislaw Ponte Preta [pseudônimo usado por Sérgio Porto] no título da palestra? O motivo é simples: muito do momento atual parece ter sido previsto por ele. Ponte Preta foi um jornalista que se notabilizou pelas paródias e críticas. Faleceu muito jovem, em 1968, aos 45 anos. Era muito ferino, tinha respostas rápidas, eclético em atividades e até se aventurou num samba-enredo que ficou famoso – o Samba do Crioulo Doido. Os saudosistas com mais idade devem se lembrar da letra e seus absurdos. Faço então uma homenagem ao Ponte Preta, comparando aquele samba à economia brasileira atual, que parece doida.
Da mesma forma que no samba os fatos eram desconexos no tempo, cruzando figuras históricas de momentos diferentes, o que observamos nos quatro primeiros anos da presidente Dilma Rousseff, principalmente nos dois últimos, foi uma sequência de medidas desconectadas entre si, que acabaram gerando problemas sérios. Como se diz, a presidente não perde a chance de errar, o que faz com muita convicção, não só na tomada de decisões como na escolha das pessoas que a cercam.
Para situar a nossa conversa no tempo, vejamos os principais resultados econômicos de 2014. O crescimento do PIB foi de apenas 0,1%, estagnado, portanto, em relação ao ano anterior. A poupança doméstica é baixa, próxima de 16%, e o investimento fixo total em torno de 19% do PIB. Quanto à inflação, com a exceção do IGP, todos os demais indicadores sinalizam taxas de 6% a 7%.
No tocante ao balanço de pagamentos, as exportações e importações caíram bastante, e o saldo comercial ficou negativo. O déficit em conta corrente, que em 2013 bateu US$ 81 bilhões, em 2014 chegou a US$ 91 bilhões. Ora, o exterior não está disposto a manter esse financiamento para o Brasil, que de alguma forma terá de diminuir. O investimento estrangeiro direto foi de US$ de 62,5 bilhões, já menor do que o de 2013. E as reservas internacionais atingiram US$ 374 bilhões, pouco menos do que o estoque de 2013. O I-Drive do comercio internacional para impulsionar a atividade doméstica e os empregos parece perdido e cada vez mais distante.
Porém, o lado mais negativo é o setor público que além do déficit nominal de 6,7%, em 2014, a relação dívida bruta/PIB de 63% é insustentável. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, está fazendo força para reverter o déficit primário de 0,6% do PIB num superávit e estabilizar a relação dívida/PIB.
Segundo dados do IBGE, o desempenho da indústria continua deplorável e, em 2014, teve uma queda de 1,2%, enquanto a agropecuária e os serviços tiveram crescimento pífio. Em termos de resultado econômico, portanto, 2014 foi pavoroso. A impressão que se tem é que o governo foi surpreendido por isso. No entanto, desde o início do ano passado, os boletins de consultoria já alertavam que a situação estava se deteriorando e nada foi feito. Os alertas foram ignorados.
Mitologia brasileira
Chegamos a essa situação porque o governo abraçou basicamente três mitos. O primeiro foi de que tínhamos reservas de US$ 370 bilhões, que seriam um escudo suficiente para bloquear qualquer crise, como uma licença para cometer erros. As reservas são sem dúvida um ativo, mas precisamos olhar o passivo cambial, na forma de investimentos em renda fixa e ações de US$ 550 bilhões, e os empréstimos intercompanhias de US$ 200 bilhões. Ou seja temos um passivo cambial de US$ 750 bilhões. Existem outros passivos, mas esses são os principais que mostram a nossa fragilidade, o risco cambial latente na economia brasileira.
O segundo mito é a crença nas medidas heterodoxas, que se imaginava enterrada, de que é possível controlar a inflação através do controle de preços e da administração da taxa de câmbio. Essa é uma história longa, não só no Brasil como em outros países latinos, que sempre acaba em crises. Argentina e Venezuela abusaram da heterodoxia e vejam a situação deles. No momento em que o governo intervém nos preços, distorce a estrutura de preços relativos e de estímulos na economia. Um dia a farra acaba e surge a chamada inflação corretiva. Essa é a fase atual da economia brasileira. Os efeitos não são só no adiamento da inflação e, no caso brasileiro, a intervenção nos preços de combustível também ajudou a quebrar o caixa da Petrobras. Enquanto segurou tarifas e preços dos combustíveis, segurou também resultados de caixa. Outro efeito foi o impacto na balança comercial. Em 2011 tivemos um superávit de R$ 30 bilhões e em 2014 um déficit de R$ 4 bilhões. Ou seja, não se brinca com preços e muito menos com o câmbio.
Finalmente, o terceiro mito é a crença de que é possível administrar e estimular a economia simplesmente com gastança. Isso não se sustenta e mais uma vez estamos perante a necessidade de um ajuste fiscal severo.
Cadeia de causalidades
Esses três mitos – gastos públicos, administração de preços e tarifas, e controle do câmbio – são a origem dos nossos problemas. Controle de preços e tarifas, mais o controle de câmbio, levam a uma inflação represada. O controle do câmbio eventualmente vai gerar um déficit comercial, aí surge uma sequência de efeitos perversos, causando baixo crescimento econômico, inflação mais elevada e desequilíbrio nas contas externas.
A questão é como quebrar essa grande cadeia de causalidades. Não é fácil, porque em cada uma dessas linhas temos encastelados interesses e até estruturas políticas, hoje fortalecidas. Precisamos então fazer o desmonte da crise. Os R$ 110 bilhões de que o ministro Levy está precisando representam um valor absolutamente inviável de ser obtido em 2015. Isso significa que o ajuste neste ano será parcial, ficando uma parte para 2016. Se levados ao extremo de severidade, o corte de gastos, o aumento de impostos e demais ajustes necessários causariam um quadro econômico insustentável, em termos sociais, o que geraria um problema político muito sério, até mesmo de sustentabilidade da presidente.
A falta de sintonia entre o que os ministros da área econômica falam e o que o Congresso discute é crítica. O ministro Levy não propõe reformas, mas um ajuste fiscal, enquanto as lideranças políticas falam em reforma política. A reforma política da forma de representação da sociedade no Congresso é necessária, mas não neste momento. A reforma administrativa, com o corte do número de ministérios, a extinção de autarquias, fundações e empresas estatais e paraestatais, é fundamental e permitiria aumentar a produtividade e reduzir o engessamento da economia, mas terá de ser enfrentada mais à frente. Juntar o ajuste fiscal com as reformas política e administrativa num cenário de crise apenas complica e não vamos obter nenhum resultado efetivo. O ministro Levy conseguiu um ponto importante, que foi evitar o downgrade das agências de rating, mas é um ganho temporário que pode ser perdido se o ajuste fiscal não se materializar.
Passada a fase do ajuste fiscal em 2015 e 2016, a etapa seguinte seria retomar a discussão das reformas administrativa e eventualmente política e a agenda microeconômica, iniciada por Marcos Lisboa na gestão de Lula e posteriormente abandonada. Eu acrescentaria ainda a agenda de mudanças nas políticas públicas no nível estadual, pois as diferenças regionais estão cristalizando vários Brasis.
E finalmente temos de lembrar as restrições impostas pelas eleições municipais de 2018, que serão uma prévia das eleições maiores de 2020. Portanto, o ajuste fiscal corre contra o tempo. Em 2018 será impossível fazer cortes em gastos e adotar outras medidas menos simpáticas. Imagino, portanto, que o calendário viável para o ajuste fiscal é fazer o que for possível em 2015, deixar o restante para 2016, já com inflação mais baixa, a atividade econômica em recuperação, e uma melhoria nas contas externas e nas contas públicas. Lamentavelmente os partidos da base aliada e principalmente da oposição – se é que ela existe – não acordaram para esse calendário.
Vejamos, num rápido exercício sobre os cenários possíveis e suas probabilidades, algumas projeções de resultados. Num cenário de ajuste fiscal severo o PIB teria uma queda de 1,7% em 2015 e uma recuperação de 1,8% em 2016, mas a inflação cairia de 7% para 4%, já dentro da meta do Banco Central. O saldo comercial atingiria U$ 15 bilhões em 2015 e US$ 22 bilhões no ano seguinte. No lado oposto, com o fracasso do ajuste, a queda no PIB seria menor, de 0,8%, mas em compensação ficaria estagnado em 2016, com uma inflação mais alta e maiores problemas na balança comercial. Por enquanto, pelo menos até o momento desta palestra, a probabilidade do ajuste proposto pelo ministro Levy é de uns 30% em 2015 que aumenta para 50% em 2016.
Infelizmente, o ritmo da atividade econômica já está dado em 2015. Segundo os indicadores antecedentes, a retração se mantém até o terceiro trimestre e a eventual recuperação iniciaria no último trimestre. Portanto, temos de brigar pelo ajuste fiscal mais forte em 2015, já que a atividade econômica estará mesmo sacrificada, e pensar numa recuperação mesmo modesta em 2016. Com esse esforço, haverá um resgate gradual da confiança, a liberação seletiva de crédito para melhoria do consumo das famílias e dos investimentos privados, o ajuste fiscal em andamento, e a balança comercial e de pagamentos em recuperação. Esses fatores todos levariam a um maior crescimento do PIB em 2016 e de forma mais intensa nos anos seguintes.
Em 2014, entramos numa fase down da história política e econômica, mas é bom lembrar que o Brasil já passou por muitas crises que sempre consegue superar. Hoje temos um ativo institucional que são a democracia e a liberdade de opinião e de crítica. Isso vai nos ajudar a superar esta crise.
Debate
HUGO NAPOLEÃO – Tenho para mim que o Estado deve cingir-se a cinco atividades, ou seja, educação, saúde pública, habitação popular, saneamento e segurança pública. O resto deve ser empreendido por particulares, pela sociedade, pela comunidade. Assim, a livre iniciativa e a lei da oferta e da procura devem reger o concerto ou a orquestra dos países. No Brasil, a telefonia celular é um exemplo típico. Com a privatização houve a democratização e os telefones hoje estão no bolso de todos. O outro exemplo é o dos aeroportos. Se não passasse para o setor privado, a Infraero seria incapaz de modernizá-los, como o de Brasília que ficou extremamente útil e bonito.
Nos oito anos do período Lula quase dobrou o número de funcionários da Infraero, mas foram muito poucas as obras, como a ampliação do Santos Dumont e de Congonhas. Enfim, querem dizer que isso é uma concessão, não privatização, como se estivessem com medo da palavra. Concluo com uma pergunta: se entregarmos essas atividades para a sociedade, o país melhora?
CONTADOR – Certamente não existem dúvidas a respeito das atividades que devem ser o foco de um Estado democrático. Com regras estáveis e não impeditivas, o setor privado tem capacidade de assumir as demais funções econômicas. A experiência já mostrou que na administração do PT as privatizações e concessões ficam mais difíceis e mais caras. Quem sabe numa administração do PMDB não seria mais fácil? Pelo que se observa, o PMDB não tem uma ideologia pró-esquerda nem pró-direita, são apenas focados no poder. Mas o fato de não ter compromisso com a esquerda radical e incendiária já é uma vantagem. É incrível como o PMDB está aflorando como uma solução política. Os demais partidos, tanto os menores da base aliada como todos os da oposição, minguaram, o que dá espaço para o PMDB crescer.
MANUEL HENRIQUE FARIAS RAMOS – Minha leitura não controla essas variáveis de economia, é vista de fora para dentro. Na década de 1970, nas ciências sociais e principalmente na ciência política, fazíamos uma crítica que faz parte do mito que foi levantado aqui: se um setor se desenvolvesse, ele puxaria toda a economia. É claro que um setor não vai puxar a economia como um todo. A aposta do PT foi investir no consumo e este puxaria a sociedade como um todo, o que de fato não aconteceu. Cometeram o erro que há 40 anos já se criticava.
Quanto à condução do processo econômico hoje, a hegemonia é do setor financeiro. Não sei quanto ele será capaz de conduzir esse processo, até para sua própria subsistência, porque em 2008 o setor financeiro fez água, não merece credibilidade, mas hoje tem a hegemonia. Sobra o quê? Sobra a sociedade, só que o setor privado, que tem capacidade de agir e produzir, é um segmento pequeno dentro dela. O movimento das ruas é a sociedade que fala mais alto, ela é que será talvez a variável determinante. Só que aí há riscos, porque não sabemos o que sairá realmente da mobilização.
JOSÉ ROBERTO FARIA LIMA – Como entramos nisso, é um diagnóstico fácil de ser feito. O problema é como sair, sem que haja sangue, sem que haja, sei lá, arraigamentos muito fortes. Imagino que precisamos de um grande acordão. As conveniências terão de superar as convicções de cada um. Quando estava no Congresso dizia que os militares combatiam o inimigo errado, e a pior coisa para um militar é escolher o inimigo errado. Escolheram os comunistas para combater e não o comunismo, estavam implantando o capitalismo de Estado, que é esse que vemos agora, é a Vale indo para o brejo, como a CSN [Companhia Siderúrgica Nacional], todas essas empresas. Gostaria que você analisasse a proposta de Modesto Carvalhosa, uma solução americana de dois séculos atrás, de criar o performance bond para afastar a ligação entre empreiteiros e governo.
CONTADOR – Vou responder com outra pergunta: você não acha que o acordão político já está se formando?
FARIA LIMA – Ainda não. O problema é que o PMDB na realidade é que está gerindo o processo e quem dita as normas agora é Eduardo Cunha, um homem que tem experiência. Conviveu com Paulo César Farias na origem do governo Collor, passou pelo Garotinho com quem fez o acordo. O problema é encontrar uma fórmula de financiamento de campanha e uma forma de votação que seja adequada. Temos de começar a cortar dentro de casa, uma Câmara dos Deputados com 513 deputados é um absurdo, temos de reduzir para 200. Precisamos perguntar se o Senado ainda é importante. Para que, se vivemos num Estado unitário? Se não quisermos tomar uma atitude imediata de acabar com o Senado, pelo menos criemos condições de restringir a dois os representantes por estado. Outro absurdo é o número de ministérios, 39. Já tivemos 14, 13, 12. O que se gasta com essa estrutura ministerial para compor um plano político é um exagero.
CONTADOR – Esses pontos são fundamentais, mas isso faz parte da reforma política. Tratamos aqui do ajuste fiscal no curto prazo.
JOSEF BARAT – Uma análise objetiva e pragmática, sem juízo de valor. O PMDB é um fator de equilíbrio, pelo seguinte: a tradição brasileira, ao contrário dos países hispânicos vizinhos, não é de confronto, é de negociação, herança dos portugueses. A negociação sempre implicou estabelecer pactos de governabilidade baseados no entendimento. Muitos criticavam isso, mas essa era a maneira que o Brasil tinha até de se distinguir do caos da América espanhola. A política era feita por profissionais, era uma carreira. Um dos grandes erros dos militares foi extinguir os partidos políticos. Bem ou mal, eles representavam alguma coisa. O PSD [Partido Social Democrático], o ambiente rural; a UDN [União Democrática Nacional], o ambiente liberal urbano; o PTB [Partido Trabalhista Brasileiro], a ascensão dos trabalhadores. Com MDB [Movimento Democrático Brasileiro] e Arena deixamos de distinguir representações da sociedade, a não ser o fato de um ser do governo e o outro, teoricamente, uma oposição.
A tragédia foi justamente a emergência de grupos arrivistas amadores que tomaram conta da política, sindicalistas ou ex-estudantes da UNE [União Nacional dos Estudantes]. Eles não lidam com adversários, lidam com inimigos. Isso dificultou toda a possibilidade de entendimento. Antigamente, quando o país estava à beira do abismo, iam bater na porta dos militares para pedir socorro, hoje em dia não existe mais isso, a crise tem de ser resolvida politicamente. Então o fato de o PMDB participar de decisões é uma novidade, porque o PT não aceita compartilhar. Ele quer cooptar, mas não dividir responsabilidades. Em relação a isso, pergunto: Dilma tem condições políticas de segurar uma crise desse tamanho? Mais: Levy fica ou vai embora? E, por último, estamos no final do lulopetismo?
CONTADOR – A presidente Dilma tem uma personalidade difícil que atrapalha a escolha de pessoas mais bem qualificadas. Mesmo com as mudanças nos ministérios econômicos, será difícil debelar a crise. Acredito que o ministro Levy vai permanecer no cargo enquanto tiver condições, respaldo político e acreditar em seu sucesso.
JACOB KLINTOWITZ – Tenho uma colocação baseada em duas coisas que você falou. A primeira é o patrocínio do Stanislaw Ponte Preta para sua palestra. Mais do que o Samba do Crioulo Doido, ele se caracteriza pelo Febeapá, o Festival de Besteira que Assola o País. É uma coisa muito significativa, porque você coloca o Brasil no universo da subintelectualidade, da burrice. Recentemente no “Estadão”, Oliveiros Ferreira tentou fazer o que você fez, mas comparando a estrutura de enganos e de bobagens do país com a commedia dell’arte. Mas como ele não tem a mínima ideia do que foi a commedia dell’arte, imagina que é uma espécie de chanchada da Atlântida. Evidentemente, é um equívoco geral e ele se inclui, sem saber, na chanchada por falar do que não entende. A commedia dell’arte é o núcleo central da cultura contemporânea pela capacidade de improvisação e por ser antiacadêmica.
A segunda coisa é que você fala mais de uma vez no mito. Se pegarmos o mito em sua essência, que é a narração dos arquétipos da humanidade, uma forma elevada de afirmar coisas que são permanentes, digo que o mito da cultura brasileira é Macunaíma, um ser de origem duvidosa, preguiçoso e que se limita o tempo todo a louvar a inatividade. O mito na Argentina é o Martín Fierro, um malfeitor, um traidor, um bandido. O mito americano é o do horizonte libertário, o caminho em direção ao desconhecido, porque nesse percurso há uma liberdade do ser também. Esse mito construtor americano explica por que os Estados Unidos são desenvolvidos, pois esse espírito é empreendedor. Abandonam inclusive o estudo acadêmico para criar suas empresas na garagem de casa. Então o que você contém é a chave do mundo em que vivemos, porque nosso mito é o da inatividade, instalamos pessoas que são salvadoras da pátria e contribuem para o afundamento do país.
ZEVI GHIVELDER – No Brasil, se uma comunidade precisa de uma ponte para atravessar um rio, vai ficar esperando 50 anos pelo governo. Na cultura americana a comunidade vai se reunir e construir a ponte.
JOÃO TOMAS DO AMARAL – A questão educacional está muito forte por trás de vários itens apresentados. Ela é vista como a luz no fim do túnel e se pretende que seja a saída, até porque um erro na educação leva gerações para ser consertado. Dentro do contexto educacional, a presidente assume a Pátria Educadora como ponto de partida muito forte para a organização de seu governo, mas vejo que temos aí um grande nó. A maioria da população brasileira tem muita dificuldade de se ajustar a esses itens, porque falta exatamente o nível de consciência trazido pelo processo educacional como gerador dessa cultura de controle. Como organizar a questão educação e cultura para a melhoria das questões políticas, econômicas e sociais?
CONTADOR – Pelo menos a sociedade brasileira já acordou para a importância da educação. Fala-se hoje em educação e a falta que ela faz com muito mais frequência do que no passado. Isso não significa que estamos fazendo alguma coisa relevante e bem fundamentada, mas pelo menos demonstra a preocupação da sociedade.
FRANCISCO BARBOSA – Minha previsão de inflação é a seguinte: a inflação de abril, maio, junho, julho e agosto de 2014, foi de 1,57%, 1,5% e mais alguma coisinha, ou seja, 0,3% aproximadamente ao mês, isso principalmente porque em julho e agosto a inflação esteve perto de zero. Então, se a inflação daqui até agosto tiver uma média de 0,66%, a inflação dos 12 meses fechados em agosto vai ser de 10%.
Outro ponto: qual a origem da crise? Foi o programa econômico que o governo Dilma fez desde o começo, visando a reeleição. Precisavam conter a inflação a qualquer custo, porque ela é muito importante para votos. Precisavam melhorar o poder aquisitivo e manter um quadro geral otimista. Fizeram isso primeiro usando fortemente o câmbio, o real foi se valorizando gradativamente. É sabido que a taxa de câmbio é mortal para uma economia, já dizia isso Roberto Simonsen. Só que o efeito é lento, mas em quatro anos fica grave. E sabiam que essa taxa de câmbio traria problemas para o setor industrial, porque estaria subsidiando as importações. Para compensar esse problema industrial, fizeram um programa de criação de emprego e acentuaram o financiamento de alguns setores específicos. Por exemplo, para o setor habitacional e o de veículos. Só que esse programa ao longo do tempo é extremamente danoso, porque o câmbio anula o setor industrial. O financiamento habitacional puxa uma demanda futura para agora, lá na frente cria um buraco de demanda. O setor de veículos também teve uma demanda futura puxada e hoje está numa grande crise.
Tudo isso junto chegou a um quadro de crise econômica. Empurraram ao máximo para passar a eleição e conseguiram, só que a pressão inflacionária continuou pesada. O problema agora é fazer a reversão, voltar o caminho ao contrário, ou seja, o câmbio tem de ser corrigido e está sendo corrigido de propósito. Existem duas complicações. Como puxou uma demanda no setor habitacional, para reacelerar esse setor vamos demorar, sei lá, dois ou três anos. Os veículos, máquinas agrícolas e caminhões também estão totalmente desativados. Quando vão reativar? Reverter esse quadro é complicado.
Meu entendimento é que a taxa de juros inibe mais a oferta do que a demanda, ou seja, isso vai restringir a aceleração. O problema industrial é complexo, porque precisa deixar de importar e de outro lado produzir internamente, mas não tem a produção local. Quanto tempo vai levar para fazer essa substituição?
Qual é o foco do PT em 2015? Eleição de 2018. Vão jogar todo esse processo de reversão em 2015 para que em 2016 talvez a economia comece a melhorar, para lá na frente dizer que superamos a crise. Aliás, esse termo já está lançado pelo PT na propaganda da Petrobras: superação. Não sei qual será a consequência política nesse período mais crítico que a economia está passando. Não duvido que, por causa exatamente da política de juros e da tentativa de aumentar impostos e reduzir investimentos com o problema das construtoras, isso vai criar um quadro de recessão grave, com uma queda do PIB de 3% ou até 4% neste ano.
PAULO LUDMER – Vou tentar, modestamente, ampliar um pouco as variáveis que você apresentou. A primeira é a externa. A maior indústria da Suécia fica no Brasil. Não somos uma plataforma industrial econômica como Cingapura ou Taiwan, mas o Brasil para o capitalismo internacional é absolutamente relevante. Portanto, as variáveis externas são essenciais. A segunda questão é do mercado financeiro. Com a crise das grandes empreiteiras e toda a cadeia produtiva que envolve esse setor, o desemprego já aparece, são 500 mil desempregados de novembro de 2014 para cá. Como os bancos têm debêntures dessas empresas, fizeram empréstimos, devem sofrer arranhões graves. O terceiro ponto é que em São Paulo não conhecemos 90% da população que vive na periferia. É um mundo estranho para nós. Para a periferia PIB não quer dizer nada, transações correntes são um bicho-papão, não têm nenhum impacto. No entanto, a inflação de 10% atingirá essa gente, que foi induzida a fazer dívidas imobiliárias e a comprar automóvel em 60 meses. Poderia acrescentar outras variáveis, como clima, água e tantas outras. Enfim, conseguimos a tempestade perfeita.
LUIZ GORNSTEIN – O economista Samuel Pessoa, que assessorou Aécio Neves, diz que a Constituição de 1988 criou um estado de bem-estar que é difícil atender com a carga tributária. Ao contrário do que muitos falam, ele afirmou diversas vezes que o custeio do governo está estabilizado desde Fernando Henrique Cardoso. O problema, diz, é o salário mínimo, que quebrará a Previdência a médio prazo. Você acha possível mudar a política do salário mínimo?
CONTADOR – Em relação à primeira parte, os programas sociais são praticamente imexíveis. Então boa parte do ajuste deverá ser feito com corte dos créditos fiscais e aumento de impostos. A questão do salário mínimo é um vespeiro, é complicado mexer, mas a Previdência Social tem um futuro simplesmente desastroso. Isso sem contar com outros problemas que chamamos de buracos negros. Existem aproximadamente 2,2 mil fundos de pensão próprios de municípios, a maioria quebrados. São bombas fiscais que estão explodindo. Vários fundos municipais já não têm como pagar os seus aposentados.
ÁLVARO MORTARI – Tenho visto em Goiás e Mato Grosso um clima muito interessante de euforia. Realmente, a agricultura é que está salvando nossas contas. Na área industrial não temos condição, salvo em casos excepcionais, de fazer concorrência com países adiantados. É possível mudar isso?
CONTADOR – O Brasil já foi mais competitivo, mas perdemos essa capacidade. Ainda temos vantagens competitivas em alguns setores, como mostra a Embraer, o agronegócio e as pesquisas genéticas. Ou seja, é possível ser competente desde que o governo não atrapalhe e deixe o espírito empresarial crescer.
MÁRIO ERNESTO HUMBERG – Tivemos no PNBE [Pensamento Nacional das Bases Empresariais] uma discussão sobre o cenário político e a conclusão foi de que hoje temos três cenários. O primeiro seria uma reversão da situação, com a consolidação da presidente. O segundo seria ela não conseguir isso e teríamos quatro anos de um governo se arrastando. E o terceiro é o de a situação se tornar insustentável, a presidente renunciar ou sofrer um impeachment. Na análise, a tendência maior é de que tenhamos quatro anos arrastados, entre os quais haverá a eleição de 2016, em que certamente o PT será o grande perdedor. A expectativa do partido é para 2018, mas nesse meio tempo perderão a base municipal.