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Camila Garófalo: o rock me escolheu
Camila Garófalo é dona de timbre incomum e de voz grave. Apesar de residir na capital paulista, é do interior que ecoa suas mais íntimas influências musicais. Antes de mergulhar profundamente no rock - seja com apelo dramático ou com viés explosivo - ouvia as modas de viola caipira de Tonico e Tinoco. Aos 26 anos, lançou o álbum Sombras e Sobras em 2014, o primeiro da carreira. O disco “é o que tem dentro de mim que não cabe em mim”. As canções mesclam um turbilhão de sentimentos e foram compostas, na maioria, em lá menor, nota bastante recorrente no trabalho da cantora.
A artista se apresenta em Araçatuba no dia 21 de novembro, acompanhada por Rafael Castro nas guitarras com distorções e nos teclados, Fabio Boldo no baixo, e Juliano Costa na bateria. Além das canções autorais, vai interpretar sucessos de mulheres que influenciaram sua carreira, como Janis Joplin, Cássia Eller e Amy Winehouse. Em entrevista exclusiva para a EOnline, ela falou sobre suas origens e carreira.
EOnline: Você nasceu no interior de São Paulo onde há muita influência para as tradições sertanejas. O estilo tem algum significado afetivo para você?
Camila: Sempre esperei por essa pergunta e agora chegou a hora de respondê-la: sim, mil vezes sim. Nasci ouvindo sertanejo. Meus pais nunca me apresentaram Chico Buarque. Aliás, até os 17 anos (idade em que me mudei para São Paulo) o sertanejo era uma das poucas referências que eu tinha. Não sinto vergonha em dizer isso. Já gostei de muita coisa que agora não gosto, com exceção das modas de viola caipira que ouço até hoje. Algumas referências me enriqueceram muito: Tonico & Tinoco, Tião Carreiro & Pardinho, Milionário & José Rico. Já consigo ouvir o som da viola e me vem a saudade de tomar leite no curral às 5 da manhã.
EO: Em qual circunstância você se encontrou com o jazz, o blues e, especialmente, como o rock?
Camila: Não foi nada natural, me forcei muito. Quando me dei conta de que eu precisava de boas referências para ser uma boa compositora digitei “Jazz” no Google e comecei do começo. Pesquisei e escutei, em ordem cronológica, sobre todos os gêneros musicais de uma vez. Nos últimos 10 anos é isso que tenho feito: ouço de tudo para recuperar o tempo perdido. Por isso quando me perguntam se eu tinha a intenção de fazer rock a reposta é não. Não escolhi o rock, o rock me escolheu.
EO: Por que denomina seu estilo musical como "rock dramático"? Como chegou a essa definição?
Camila: Talvez tenha sido uma tentativa de descrever a melancolia que eu defendia. Já não sei se é tão dramático em sua sonoridade. Aos poucos fui mergulhando na força que existia na tristeza das letras e hoje acho mais explosivo do que dramático. Desculpe, talvez não seja dramático (risos).
EO: Sua música é poética ou é sua poesia que possui musicalidade?
Camila: Acho que minha poesia que possui musicalidade. Eu sempre quis ser cantora e tocava violão desde pequena, mas por trás do meu som existe, primeiro, minha escrita. Nunca soube pintar ou desenhar, mas me enfurecia nos meus garranchos e me expressava a partir de um amontoado de palavras. Só sei dizer com palavras e procuro cantar como se estivesse recitando um poema. É muito importante para mim que as pessoas entendam o que estou falando quando subo no palco.
EO: Como é sua relação com o lá menor?
Camila: O que seria de mim sem o “lá menor”? Talvez eu não tivesse um disco, talvez eu nem seria cantora (risos). Mas falando sério, eu praticamente compus TODAS as minhas músicas em Lá Menor (Am). E olha que nem é o tom certo para minha voz. Mas é o som que me toca quando toco a guitarra. É triste e tempestuoso. É grave e inevitável. Eu gosto, sei lá por quê.
EO: Como o jornalismo ajudou na escolha pela carreira artística?
Camila: Sou publicitária e jornalista. Não me arrependo em absolutamente nada por isso. Não fosse as duas carreiras e eu jamais teria tido a destreza de me posicionar como cantora e compositora. O contato com as duas áreas me proporcionou a maravilhosa consciência de pensar música. Porque música não é só música. É também a mensagem que ela passa. E, para isso, você precisa saber escrever um release e vender seu produto, por exemplo.
EO: As composições melancólicas e filosóficas do seu primeiro álbum, “Sombras e Sobras”, é uma maneira de canalizar um sentimento que você mantém?
Camila: Com certeza. Não fosse isso e a sensação de explodir no palco, eu explodiria na minha vida. Eu quis muito isso porque preciso disso. Quão bom é poder se perder numa poesia e sair ilesa. “Sombras e Sobras” é o que tem dentro de mim que não cabe em mim, por isso fiz esse disco.
EO: Viver longe da família em São Paulo e, mais tarde, em Londres, contribuiu com os temas de suas composições?
Camila: Apesar de todas as diferenças, eu gosto muito da minha família. Ter mãe e pai por perto é sentir-se seguro. Muitas vezes é justamente disso que precisamos: sentir-se ameaçado. O fato de morar em São Paulo contribui decididamente para minhas composições. Em “Valsa Vermelha” (que compus quando morei em Londres) eu prolifero um grito de ajuda logo no início “Quem vem pra me saudar?”. A solidão me dói até o calcanhar, mas sem ela eu não seria o que sou e não teria dito o que disse.
EO: Quais influências musicais contribuíram com o processo de composição para “Sombras e Sobras”?
Camila: Tantas e muitas. Eu costumo citar a Patti Smith e a Pj Harvey. Ou ainda The Doors e Nirvana. Mas as influências não são apenas musicais, gosto de transformar cinema em som. Por isso, cito o Tim Burton e o Lars Von Trier nessas referências também. Tudo que é down tá dentro do disco (risos).
EO: Você trabalha sozinha. É assessora de imprensa, produtora. Quais as dificuldades e vantagens de trabalhar de maneira mais independente?
Camila: Hoje sou minha própria gravadora: escrevo meus releases, vendo e produzo meus shows. A vantagem é que estou por dentro de tudo que está rolando, sei quanto vai me custar cada etapa e dou mais valor para cada uma delas. Também gosto de ter minhas próprias ideias quanto ao meu posicionamento, sonoridade e mensagem. Isso é maravilhoso. Quanto às dificuldades são muitas, demanda uma energia avassaladora. Fora que ouvir “não” nunca foi gostoso. Dói e irrita. Cansa e irrita. Mas vamos lá, no fim a melhor sensação do mundo é saber que você acorda para se transformar naquilo que já é. Eu sou cantora e luto para me tornar cantora todos os dias.
Performance de Camila Garófalo - Eu Não Sou
Gravado no Sesc Ribeirão Preto (Mandala Filmes)
Performance de Camila Garófalo - Eu Não Sou
Mandala Filmes (Gravado no Sesc Ribeirão Preto)