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No passinho da tecnologia
Por Sofia Calabria
Frente, trás, frente, lado, frente, virou, voltou, lado, frente, esquerda, direita, esquerda, direita, virou, voltou, virou, voltou, agacha, esquerda, agacha, pulinho, ondinha. O resumo da aula com o Cebolinha do Passinho não chega nem perto da canseira que ele nos deu pra aprendermos o que ele faz com tanta destreza. Mas com paciência e bom humor, Cebolinha e Guilherme nos colocaram dentro do mundo do passinho, nascido no Rio de Janeiro.
Um dos criadores do movimento, Cebolinha, crescido na Madureira, costumava ir com os amigos dançar funk, sempre em conjunto, até que ele viu um garoto num dos bailes, como ele disse, “chamando a atenção sozinho”. A partir daí despertou nele a vontade de fazer igual e reler aquilo que seria o início do passinho. “Eu fiquei olhando, o moleque fazia quase tudo que a gente fazia em coreografia, só que sozinho e de uma forma mais frenética. Eu pedi umas dicas de como fazer aquilo, peguei o que ele me ensinou, adaptei com o que eu já sabia e criei meu próprio estilo de dançar”, conta.
“O surgimento do passinho foi isso. Cada favela criou sua forma de dançar. Cada uma tinha um dançarino que era, digamos assim, o rei daquele lugar, e eles começaram a migrar de favela pra favela pra se desafiarem”. Foi assim olhando, aprendendo e criando que o passinho foi crescendo e se tornando uma dança original no Rio.
E o passinho foi parar na Campus Party, num dos espaços ocupados pelo Sesc. Eu e o resto do pessoal, com afinco, tentamos seguir e aprender, primeiramente, uma das bases do passinho, o “sabará” (frente, trás, frente, lado, frente, trás, como no gif abaixo) a partir do qual você pode desenrolar e criar o seu próprio passinho. Em um evento focado em tecnologia, todo mundo ali era de áreas correlatas, como engenharia, biologia, ou como eu, da comunicação, de penetra. O passinho veio pra destoar e dar um respiro, mas também pra mostrar que tem tudo a ver com tecnologia.
“O passinho é tecnologia. Ele surgiu com os moleques gravando vídeos com o celular, editando os próprios vídeos. O Guilherme é de São Paulo. Eu gravava um vídeo, mandava pra ele editar. Então o passinho e a tecnologia estão muito próximos, porque o que fez ele ter essa visibilidade, essa ascensão e essa inclusão, foi justamente a tecnologia. Levou a dança da favela para outros espaços, como hoje aqui, um espaço de tecnologia, por causa da tecnologia (risos).”, completa.
A galera que dançou junto comigo também pegou os passos e, logo de manhã, às 11h, horário da primeira aula do dia, já se mostrou animada para quem sabe voltar ali para as próximas.
“Foi muito massa aprender com os caras que começaram o passinho, conhecer a história deles”, conta o estudante de engenharia mecatrônica, Vinicius Camplário. Vinicius já conhecia um pouco do passinho, mas me disse que não esperava essa atividade no evento. “Dá uma quebrada, ficamos lá na programação e aqui dá uma descontraída”, diz.
Foto: Danny Abensur
A estudante de engenharia de energia, Stephanie de Siqueira Alves, me contou que nunca tinha feito aula de dança de nenhum tipo. “Essa iniciativa foi muito bacana. Eu não danço nada e aqui eu vi que dá pra aprender e sair uns passinhos diferentes” (risos). Assim como eu, Stephanie também estava feliz de ter conseguido aprender o passinho completo e mostrar que ele pode estar em todos os lugares.
“É o exemplo de como o funk abrange várias áreas. Antigamente havia muito preconceito e hoje em dia ele está transpondo barreiras. Ele tá lá, em espaços em que pouco aparecia o funk, como um espaço de tecnologia, de outros ritmos musicais. Isso diz muito de como o funk se adapta a ambientes e chega até eles”, diz Guilherme Lucas de Souza, hoje professor de fitdance, e que conheceu o Cebolinha na internet, por meio de um vídeo de um evento de passinho ocorrido no Sesc do Rio de Janeiro. Começou a acompanhar o passinho à distância até um dia conseguir de fato encontrar Cebolinha pessoalmente, e então, começou a parceria e a amizade.
A aula finalizou com todo mundo contente, professores e alunos, pelo encontro e pelo intercâmbio, e tenho certeza que, chegando em casa, cada um vai repetir o passinho aprendido e tentar criar o seu próprio, quem sabe vendo um vídeo de passinho no Youtube. Será que um dia a gente se encontra numa batalha?
*Sofia Calabria é editora web do Sesc São José dos Campos.