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Sociedade sob estresse
Foto: Pixabay.
O Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de transtorno de ansiedade, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Um quadro que representa 9,3% da população do país e equivale a mais de 18 milhões e 650 mil pessoas – das quais as do sexo feminino sentem mais as consequências, em comparação com as do masculino. Para a médica Mariângela Gentil Savoia, doutora em Psicologia Clínica do Programa Ansiedade (Amban) do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), fatores genéticos somam-se à violência urbana, insegurança, desemprego e outros agentes estressores. No entanto, há cada vez mais pessoas buscando auxílio psicológico ao se depararem com esse quadro. “O papel da mídia de informar também faz com que as pessoas identifiquem mais, vejam seus problemas e possam buscar tratamento. Muitas pessoas nem sabiam que aquilo [um transtorno de ansiedade] era algo que pudesse ser tratado”, observa a especialista, que também é coordenadora do Núcleo Conscientia – Estudos de Comportamento e Saúde Mental. Afinal de contas, por que estamos tão ansiosos? Como lidar com esse diagnóstico? Será que é possível escapar da ansiedade?
Por que o Brasil apresenta um elevado índice de transtornos de ansiedade?
É interessante porque o Brasil é um país onde as pessoas são consideradas “alegres”. No entanto, essa ansiedade está ligada a cobranças, a necessidades de cumprir certos padrões comportamentais exigidos pela cultura. Por exemplo: você precisa ser sociável. Não só amigável, mas você tem que ser “o cara”. E essa é uma das características exigidas pela cultura brasileira. No caso da ansiedade social, você precisa atender aos requisitos sociais e existe o medo da avaliação negativa. As pessoas, e você mesmo, cobram esse padrão. Uma pessoa que chega a uma festa com timidez não é muito bem vista. Também temos a questão do abraço, do contato físico, enquanto em outros países, as pessoas são mais reservadas. Outro ponto é a questão da violência – dentro dos transtornos de ansiedade, temos a questão do estresse e do trauma ligados à violência. Seja violência urbana ou doméstica, cujos índices são altos. O medo de ser assaltado, de sair à noite de casa. Tudo isso gera uma insegurança muito grande no país.
Sucessivas crises econômicas também afetam a população?
Empregado ou desempregado, você está sempre preocupado. E esta é uma das principais características da ansiedade: a preocupação. Estou sempre preocupado com o futuro; serei mandado embora do emprego? E se eu disser não para meu chefe ou se não quiser esse ou aquele trabalho? Preocupações com o futuro, com a reserva financeira. Se tenho um trabalho ou se paro de trabalhar. Vejo muitos pacientes preocupados consigo e com a família nesse âmbito da aposentadoria, por exemplo. Há sempre o medo de que algo ruim possa acontecer e, por isso, há quem esteja sempre se preparando para uma consequência negativa.
Qual a diferença entre ansiedade e medo?
Medo de elevador, por exemplo: se tenho medo, vou subir e descer de escadas. Ou seja, lido com esse medo em situações específicas e no momento em que ele aparece. Agora, ansiedade é uma antecipação do perigo que muitas vezes não está presente. Por exemplo, quero ou preciso viajar de avião e fico imaginando que ele vai cair. Isso é ansiedade. Por isso, a ansiedade é pior: ela dura por muito mais tempo e você não tem como lidar com o perigo. Começa-se a lidar com coisas em que se pensa, mas a situação, na verdade, não existe. Se bem que a ansiedade – estamos falando de situações patológicas – faz parte do ser humano. Todo mundo sente ansiedade por se tratar de uma reação de defesa da espécie. Os seres humanos que não sofreram de ansiedade morreram ao longo do caminho e não deixaram descendentes. A ansiedade move a pessoa para a resolução de problemas. Por exemplo: quando se faz uma viagem, você se planeja para aonde ir, onde ficar etc. Isso é a ansiedade. Ela o deixa alerta para lidar com situações de estresse. E, por isso, é importante para a nossa sobrevivência.
O mundo da novidade provoca um quadro de ansiedade:
você sempre quer mais do que tem
Mas o que seria, então, um transtorno de ansiedade?
Temos a ansiedade normal, que todas as pessoas têm. Seja para estudar para uma prova, para fugir de uma tempestade. Essa é uma ansiedade normal, que faz com que as pessoas lidem com os perigos de uma maneira resolutiva. Já a ansiedade patológica são os transtornos de ansiedade. Eles são chamados de patológicos porque agem além da exigência da situação. Um exemplo: ter uma ansiedade antecipatória. E se meu chefe falar tal coisa? E se meu marido não gostar? E se minha mãe brigar comigo? Preocupações que acabam nos prejudicando para realizar atividades e que nos paralisam.
Há 30 anos, era raro falar sobre crise de pânico. Quando isso se tornou contumaz e por quê?
A crise de pânico só foi assim descrita em 1980, pela Associação de Psiquiatria Americana, e uma década depois, pela Organização Mundial da Saúde. O que na verdade aconteceu é que ela sempre foi chamada de ansiedade, angústia, crise de angústia. Freud chamava de neurose de angústia. Ela era considerada uma patologia da personalidade. Então, passava a ser uma fraqueza das pessoas. Veja que há três fatores para termos a impressão de que a ansiedade não era tão comum. O primeiro é que estressores do século 21 [a exemplo da violência e do desemprego] podem ter aumentado as crises de ansiedade. Depois, as pessoas passaram a nomear a ansiedade de maneira correta. E, por último, há menos vergonha de buscar ajuda de um psicólogo. Na década de 1980, você chegava a um pronto-socorro e as pessoas diziam que aquilo era “piti”, crise histérica etc. E não se dava bola. Tinha-se vergonha de falar e só se falava em situações extremas. O papel da mídia de informar também faz com que as pessoas identifiquem e possam buscar tratamento. Muitos nem sabiam que aquilo era algo que pudesse ser tratado.
Uma coisa importante para lidar com o estresse é o
equilíbrio entre lar, lazer e trabalho
Quais motivos levam, na maioria das vezes, a uma crise de pânico?
Temos alguns transtornos de ansiedade. Todos os transtornos podem vir com crise de pânico. O ataque de pânico é uma reação de alerta do organismo, desencadeada em situações que o indivíduo considera ameaçadoras. Transtorno de ansiedade social: se tenho que falar em público, de repente posso ter uma crise de pânico antes de chegar à reunião ou no momento da reunião. Então, a situação social deflagrou a crise de pânico. Fobias em geral: altura, elevador, avião, tempestades, coisas assim. Se tranco no elevador uma pessoa que tem medo de elevador, ela pode ter uma crise de pânico ali. O ataque de pânico é um alarme falso. Nós temos um alarme de ansiedade importante. Por exemplo, se você está num lugar que está pegando fogo, você quer fugir da situação. Ou seja, o pânico faz com que você tenha uma fuga sem planejamento. Você sai de qualquer jeito, atabalhoadamente. É uma resposta importante que o organismo tem para fugir de um perigo, seja um incêndio ou o ataque de um animal. Agora, se estou dormindo e acordo inesperadamente com uma crise de pânico, sendo que não houve uma situação real de perigo, este alarme falso é um transtorno de ansiedade.
Foto: Leila Fugii.
Há fatores que desencadeiam esse quadro?
Os fatores predisponentes ao transtorno de pânico são: ansiedade de separação na infância, estressores adversos identificáveis nos meses que antecedem a primeira crise; vulnerabilidade biológica; perda súbita de suportes sociais e abuso de substâncias psicoativas. Os desencadeantes são biopsicossociais e biológicos. Pessoas com transtorno de ansiedade têm uma vulnerabilidade genética importante. No entanto, não é porque tenho pânico que, necessariamente, meu filho vai ter pânico. Mas se eu tenho ansiedade ele pode ter um transtorno de ansiedade qualquer.
As pessoas com transtorno de ansiedade têm
uma vulnerabilidade genética importante
Então, há uma característica genética por trás?
Sim. Tem uma característica genética importante que é essa predisposição biológica. Mas não é assim como ter ou não predisposição para nascer com os olhos azuis. Vai depender do ambiente em que se vive. Por exemplo, um paciente que sabia que todo dia, quando o pai chegava, se houvesse qualquer queixa da escola, ele apanharia. Então, todo dia, entre 17h30 e 18h, ele já ficava ansioso, aguardando o pai chegar, porque não sabia o que esperar. Ou seja, um ambiente estressante, que invalida os sentimentos das pessoas. Outro exemplo: a mãe de uma paciente começou a trabalhar quando ela tinha dez anos. A menina, então, começou a chorar pedindo para a mãe ficar em casa. Só que ela lhe dizia: “Você não pode reclamar. Estou indo porque isso é bom para nós. Não fique triste, fique feliz”, em vez de entender o sentimento da criança. As crianças começam a duvidar do que elas sentem, não têm certeza de que o que sentem é verdadeiro. Então, ao se relacionarem com outras pessoas, a ansiedade pode aparecer.
Por que mais mulheres do que homens apresentam transtorno de ansiedade?
Não há um motivo em especial, mas em geral essa taxa é de duas mulheres para cada homem. Transtorno de pânico é ainda maior: três para um. Clinico desde 1975, posso fazer conjecturas, mas não há um dado comprovado que explique isso. As cobranças são importantes, principalmente o “ter que...”. Não há a ideia de que é possível pedir ajuda, nem dizer o que sente ou o que pensa, principalmente para eles. A gente vê que os homens têm muito mais preocupações que causam ansiedade social e as mulheres mais ansiedade generalizada. Mas não há um desencadeante específico para a mulher e para o homem.
Aceitar a sua ansiedade e aprender a conviver com ela é fazer dela uma
aliada que o impulsione a resolver as questões da vida
Há uma determinada faixa etária em que prevalecem índices de crise de pânico?
A faixa etária depende muito de cada transtorno, mas, em média, é por volta de 18 e 20 anos até 40. É raro começar um transtorno de ansiedade depois dos 40. A adolescência é o momento mais angustiante porque é quando você começa a ter relacionamentos sociais e amorosos. Quando você tem que decidir, no vestibular, como será sua vida adulta. Esse rito de passagem é um processo complicado.
Redes sociais, aplicativos de conversa e outros adventos da tecnologia também conduzem a esse quadro de ansiedade?
A questão aí é como você lida com a tecnologia. É preciso aprender a não ser um escravo dela. Atendê-la no seu tempo e na sua hora. Ser assertivo. Se te perguntarem: “Mas você não viu a mensagem?”, responder que viu, mas que não teve condições de responder naquele momento. Você não está ali só para responder àquelas pessoas no aplicativo. Agora, o que isso traz? Traz algo ruim porque você está ligado 24 horas. Ao mesmo tempo, traz algo benéfico: você consegue resolver determinadas situações com mais rapidez.
No caso das drogas, como elas influenciam?
Eles facilitam o desencadear da ansiedade. Transtornos de pânico estão muito ligados ao uso de maconha e de cocaína, como já foi colocado pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), que aponta 12 tipos de patologias relacionadas à ansiedade. Então, como havia falado, temos os fatores sociais, biológicos e psicológicos. Um dos fatores biológicos é o uso de drogas. Vemos que muitas pessoas que apresentam ansiedade social acabam ingerindo álcool para ir para uma festa, falar em público ou interagir no trabalho. O álcool é uma “muleta”, por se tratar de um desinibidor. Há, sim, uma relação entre o alcoolismo em pessoas que sofrem de ansiedade social.
Outra questão é a sociedade de consumo. As pessoas querem comprar tudo que é lançamento – celular, roupa, tênis, carro etc. O que isso provoca?
Para quem lida com dificuldade de controle de impulso é ainda mais difícil, porque acaba gastando muito mais do que deveria e muitas vezes comprando o que não precisa. É difícil controlar e fazer esse balanceamento do que deve ou não ser comprado. Então, esse mundo da novidade provoca esse quadro de ansiedade: você sempre quer mais do que tem e muitas vezes aquilo não é para você. Por exemplo, há pessoas que ficam preocupadas porque estão dando apenas “o básico” para o filho e queriam prover mais. Afinal de contas, todos os amiguinhos desse filho estão indo para a Disney. Quando você não está propiciando o que julga que é preciso para sua família, isso pode refletir numa ansiedade. Você vira escravo de uma agenda alheia ao começar a se comparar. Daí fica difícil identificar o que é seu e o que é do outro. Eu preciso ter porque todo mundo tem ou porque eu quero ter?
Ou seja, no atual contexto social, cultural e econômico é difícil escapar da ansiedade?
É difícil, embora eu não ache que a gente precise escapar. Acho que a partir do momento em que temos consciência e sabemos o que está acontecendo, é possível fazer escolhas melhores também. Aí vemos um processo de autoconhecimento. Saber o que realmente é necessário para mim. Por que eu preciso ter tal coisa para me sentir bem? Quais são os seus valores? O que é importante para você? O que, para você, faz a vida valer a pena ser vivida? São seus valores. Vale a pena fazer essas reflexões.
Então, de que forma lidar sem achar que vamos vencê-la?
Uma coisa importante para lidar com o estresse é o equilíbrio entre lar, lazer e trabalho. A gente dedica muito tempo ao trabalho e acaba deixando muito de lado o lazer e as relações. Buscar esse equilíbrio é importante. É comum ouvir que falta tempo para si ou para ter um hobby. E, se não há esse tempo, o nível de ansiedade pode aumentar. Outra questão importante é a aceitação. Aceitar a sua ansiedade e aprender a conviver com ela é fazer dela uma aliada que o impulsione a resolver as questões da vida, sem o desejo mágico de nunca mais sentir ansiedade. Por isso, a ideia é viver o presente.