Postado em
Pássaro homem
Milton Nascimento. Foto: Leila Fugii.
Milton é uma floresta em si ou “o rei da floresta”, como já descreveu o maestro Antônio Carlos Jobim. Desde composições calcadas em cor, cheiro e outros sentidos, ao nome Semente da Terra, com o qual foi batizado pelo povo Guarani Kaiowá, num show de 2010, em Mato Grosso do Sul. Carioca de berço e mineiro de criação, Milton Nascimento já martelava no piano da casa dos avós aos 2 anos de idade. Mas foi aos 13 que ele segurou o primeiro violão e começou uma travessia por amizades, parcerias musicais e composições que iriam imprimir seu nome na história da música brasileira. Com mais de cinco décadas de carreira, cravadas por álbuns emblemáticos como Clube da Esquina (1972), Milagre dos Peixes (1973) e Angelus (1993), Bituca esteve recluso em 2016, por motivos de saúde. Até que em 2017 retornou aos palcos com a turnê Semente da Terra, cujo repertório abraçou Maria, Maria, Cio da Terra, Travessia e outras colheitas. O show foi apresentado em dezembro de 2018 no Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, onde no camarim conversou com a Revista E. Sob os olhares cuidadosos do filho, Augusto Nascimento, adotado assim como fora Milton por Lília e Josino, em Três Pontas (MG), Milton dividia-se entre o tímido e o brincalhão. Teceu lembranças do batismo pelos povos indígenas, do encontro com o jazzista norte-americano Herbie Hancock, do processo criativo e até de Quentin Tarantino. Pouco antes de se preparar para elevar-se ao tablado, reforçou um de seus versos como um propósito de vida que carrega até hoje: “Não posso viver sem o público e por isso acho que o artista tem de ir aonde o povo está. Sem o povo não existe artista”.
Processo criativo
Eu geralmente fico no meu quarto ou no estúdio ouvindo. É uma coisa bem pessoal. Para dizer a verdade, não sei nem se vocês vão acreditar, mas a coisa que eu mais tenho ouvido ultimamente é Jackson Five.
É verdade. Aquilo é uma loucura! Tenta ouvir de novo agora para ver como é que pode uma coisa daquelas.
Nas ondas de Herbie
Minha história nos Estados Unidos não lembro em que ano começou. Foi quando Herbie Hancock veio passar a lua-de-mel no Rio de Janeiro. Aí se reuniram várias pessoas e me falaram: “Vamos tocar para ele”. Respondi logo que não. Não vou tocar na lua-de-mel do cara. Aí, ele foi para a casa de uns amigos nossos e, numa hora, ele fez um sinal para mim e falou: “Vem cá! Toca”. Eu comecei a tocar. Ele saiu e falou: “Espera aí”. Foi buscar um gravador, daqueles antigos, e gravou o que eu tinha cantado. Depois fiquei sabendo que era Tarde, uma música minha e do Márcio Borges. Aí, por intermédio dele [Herbie Hancock], foi chegando uma porção de gente.
Saudade...
Não sei.
Sou do presente
Em português
O Eumir Deodato, que é um grande maestro, foi para Nova York para gravar um disco comigo. Ele chegou para o Wayne Shorter [saxofonista e compositor norte-americano] e me chamou para fazer o Native Dancer [15º álbum do saxofonista, feito em parceria com Milton Nascimento]. Inclusive tem uma participação do Paul Simon comigo que o pessoal ficou curioso. “Por que geralmente as pessoas gravam as músicas em inglês e o Paul Simon gravou em português com você? Como é que você faz isso?”. Respondi: “Não faço ideia”.
Cinéfilo de carteirinha
Eu gosto dos filmes do Tarantino. Adoro cinema. Já fiz música para filme [compôs, por exemplo, a trilha sonora de O Coronel e o Lobisomem, de Mauricio Farias, em 2005]. Já atuei como ator [Os Deuses e os Mortos, de Ruy Gerra, na década de 1970, entre outros]. O cinema para mim, junto com a música, é uma mensagem para todos.
Assista ao Conexão
Semente da terra
Teve um show que a gente fez em Campo Grande (MS), e lá estavam várias nações indígenas. De repente, enquanto eu estava no palco, vi 37 rezadores, os chamados Nhanderus. Quando o show parou e eu ia fazer o bis, eles subiram no palco e falaram que a partir daquela noite meu nome em Guarani Kaiowá seria Ava Nheyeyru Iyi Yvy Renhoi, que em português significa Semente ancestral que germina na terra ou Semente da Terra. [Nessa turnê] nunca nos separamos [refere-se aos músicos e equipe técnica]. São todas as mesmas pessoas e por isso não tinha nome melhor para a turnê que Semente da Terra: é tudo isso que a gente pensa e que a gente sonha.