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Curador de experiências
Derrubar fronteiras é um dos objetivos do trabalho de Marcello Dantas, nome por trás da criação de 15 museus e da realização de mais de 250 exposições, entre outros trabalhos ligados à arte e ao audiovisual. É dele a curadoria do recém-aberto Museu da Natureza, no Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), que no primeiro mês já recebeu 30 mil visitantes. Também é dele o projeto do Museu do Carnaval, a ser criado na Colômbia. Um cotidiano pelo qual passam importantes nomes da arte contemporânea, como Ai Weiwei e Bill Viola, ou figuras populares da história da televisão, como a apresentadora Hebe Camargo, homenageada numa mostra em cartaz no Farol Santander, até junho. Versátil, inquieto e curioso, esse curador e diretor artístico ainda se dedica a tratar de temas e de personagens que desconhece, a fim de convidar o público a fazer o mesmo trajeto e, então, permitir-se uma conexão e encantamento.
Marcello Dantas. Foto: Leila Fugii.
Futuro e passado
O mais recente museu que fiz é o Museu da Cidade de Manaus. Uma história fascinante sobre os fluxos migratórios, desconhecida por milhares de pessoas. Índios, búlgaros, japoneses, coreanos, judeus... E todas essas referências estão lá. Mas, durante muito tempo, me associaram à tecnologia, até que isso parou. Não porque eu parei de me envolver com tecnologia, mas porque a tecnologia deixou de ser um assunto. A tecnologia é como uma cadeira: você não pensa mais sobre essa cadeira, você a usa. Eu me fascino pela junção entre a tecnologia de ponta e a tecnologia arcaica, histórica. Se perdermos a conexão com a tecnologia de origem, desaprendemos a chegar à tecnologia de destino. Isso aprendi no Japão, um país de tecnologia de ponta e artesanato de ponta.
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Para um e para todos
Uma amiga me falou: “Você faz Ai Weiwei, Bill Viola, Anish Kapoor... e Hebe Camargo?”. Exatamente. Vou tentar compreender o assunto, conhecer pessoas que saibam a respeito e tentar me aproximar desses universos, me aculturar com aquilo, porque minha especialidade não é sobre os assuntos. Não sou um expert ou generalista. Minha habilidade é contar histórias na forma de experiências. Recentemente, fui para Fortaleza e me chamaram para fazer o Museu do Surfe. Eu nunca botei a mão numa prancha de surfe e acho que a onda mais alta que peguei bateu na minha cintura. Ou seja, não tenho nenhum conhecimento sobre o assunto, mas agora vou aprender. O grande motivador para fazer algo é a sua curiosidade, que o leva a outro lugar.
O GRANDE MOTIVADOR
PARA FAZER ALGO É
A SUA CURIOSIDADE,
QUE TE LEVA
A OUTRO LUGAR
Multiplicar olhares
Duas palavras são chaves para mim. Uma delas é “linguagem”. Você precisa falar uma linguagem compreensível para todos. Não se pode escrever um texto curatorial que ninguém entenda, nem utilizar elementos que sejam complexos demais. A linguagem deve facilitar a conexão das pessoas com o conteúdo. A segunda palavra é “empoderamento”. Ou seja, você quer que as pessoas saiam do museu, depois da experiência vivida, multiplicando conhecimento. Quando você faz isso, você passa a ser um defensor do museu. Por isso, acredito nas redes sociais: elas geram um colecionismo público. E cada pessoa tem um olhar. Pode ser que uma criança enxergue algo que ninguém conseguiu ver naquela imagem. E essa sapiência é inerente à pessoa. Não sou eu quem determina isso. E, quando a pessoa se empodera, absorve e multiplica, ela cria um vínculo afetivo.
Arte e conexão
No passado, a palavra “curador” dizia respeito às pessoas que cuidavam das obras, eram as responsáveis pelo acervo. Aí nasceu o afastamento das pessoas, o “não me toque”. Venho de outra geração e não me considero um curador de obras, mas um curador de pessoas. Meu trabalho é curar os vazios simbólicos que as pessoas possuem. Estou mais preocupado com a conexão emocional das pessoas do que com a materialidade da obra. Prefiro que as obras tenham sido tocadas pelas pessoas. Essa filosofia está em tudo que faço. Você coloca a mão na água, se esparrama, se suja… Porque acho que a vida é assim.
Marcello Dantas esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E
no dia 13 de fevereiro de 2019.