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A arte da ilusão de novo em cartaz

por Celia Demarchi

Quase moribundo depois de décadas de desempenho medíocre, o cinema está se revitalizando no Brasil. São várias as razões para o renascimento. Cresce o número de lançamentos nacionais, as salas de exibição se multiplicam, alcançando até as antes esquecidas periferias, e a tecnologia 3D se dissemina rapidamente, atraindo plateias cada vez mais amplas. Tudo isso, porém, seria pouco para animar o mercado, não fosse este outro fator: a renda do brasileiro aumentou e ele passou a incluir mais lazer no orçamento. “Na vida tudo são altos e baixos. Agora é um momento de alta do cinema”, diz André Gatti, professor de história do cinema brasileiro da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap).

Em 2010, os cinemas brasileiros venderam 134,8 milhões de ingressos, quase 20% mais que no ano anterior (112,7 milhões). E faturaram R$ 1,26 bilhão, 30% acima dos R$ 970 milhões contabilizados em 2009, ano cujo desempenho já havia sido comemorado pelo setor. Os preços mais altos das entradas para as salas 3D e a explosão da tecnologia em 2010 explicam o aumento maior do faturamento em relação ao do número de ingressos vendidos. A boa oferta desse tipo de sala e a safra generosa de filmes nacionais foram os fatores que mais contribuíram para atrair o público.

Os exibidores de filmes ainda têm, no entanto, um espaço enorme para ocupar no Brasil. Com quase 200 milhões de habitantes, o país dispõe de apenas 2,5 mil salas, apesar do crescimento dos últimos dois anos, mas poderia abrigar até 5 mil. Basta lembrar que o México, com 100 milhões de habitantes, conta com 4,5 mil cinemas. Além de escassas, as salas brasileiras estão concentradas nas regiões nobres de cidades dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Dos municípios com menos de 50 mil habitantes – a grande maioria –, apenas 4% são atendidos.

Parte dessa carência já está sendo suprida num ritmo que elevará para cerca de 4 mil o número de salas nos próximos anos, segundo estimativas do mercado. O lastro desses investimentos são as perspectivas econômicas do país, que, segundo especialistas, nunca estiveram tão favoráveis. Um dos motivos está na pirâmide demográfica atual, que mostra 60,3% da população na faixa etária mais produtiva (e consumista), entre 15 e 64 anos, situação que se estenderá pelas próximas duas décadas. Demógrafos afirmam que esse fato, sozinho, garante crescimento anual do PIB de 2,5%.

Como qualquer outro setor, as empresas do ramo cinematográfico estão tentando tirar o melhor proveito desse cenário. A rede Cinépolis, maior exibidora do México – onde administra 2,2 mil telas – e quinta maior do mundo, é uma delas. Apenas em 2010, quando começou a operar no Brasil, inaugurou 40 salas, e planeja construir mais 290 até 2013, quando seus investimentos no país alcançarão R$ 500 milhões.

Nem mesmo as pedras no caminho estão tirando o apetite da Cinépolis. Segundo Paulo Pereira, gerente de marketing e programação da empresa, construir e equipar uma sala de exibição no Brasil pode custar até 80% mais que no México, principalmente devido aos impostos altos de importação de equipamentos. A operação também é mais cara, ainda por causa da carga tributária, do pagamento de direitos autorais e da instituição da meia-entrada, que segundo ele não beneficia os estudantes que mais precisam e ainda encarece o preço do ingresso. Tais problemas, porém, não são suficientes para inviabilizar os negócios: “Decidimos entrar no Brasil e não vamos parar de investir. Nosso objetivo é ajudar a desenvolver esse mercado e ocupar parte dele”, afirma Pereira.

Classe C

O impacto da Cinépolis no mercado só é comparável ao da vinda da rede Cinemark em 1997. A empresa americana, pioneira em cinema multiplex, é a segunda maior exibidora do mundo e a primeira do Brasil. Atualmente opera 433 salas no país, distribuídas em 29 cidades. Já a mexicana estreou em abril do ano passado, ao inaugurar oito salas no Shopping Santa Úrsula, em Ribeirão Preto (SP). Foi o único empreendimento voltado à classe AB que implantou no país até o começo de 2011. Os demais, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belém e Salvador, se destinam às classes C e D.

“Ficamos surpresos com o tamanho da classe C no Brasil, um público que tem poder de consumo muito grande”, diz Pereira, explicando que nos próximos anos a empresa continuará olhando para esse segmento, mas não pretende ignorar os demais: “Temos interesse em todas as cidades e públicos no Brasil, basta que haja potencial de resultado”.

Na capital paulista, a Cinépolis escolheu começar pelo distante bairro de Santo Amaro, na zona sul. No início de novembro de 2010, abriu oito salas no Mais Shopping Largo 13, três das quais com tecnologia 3D – em geral os cinemas reservam apenas uma delas para essa modalidade.

A princípio, a empresa decidiu investigar o passado do Largo 13 de Maio e descobriu que, não muito tempo atrás, o bairro de Santo Amaro, habitado principalmente pelas classes C e D, jamais ficava fora do circuito de lançamentos, sempre proporcionando bons resultados. “Há demanda reprimida naquela área”, diz Pereira, lembrando que uma das formas de atrair esse segmento de público é por meio de promoções e política de preços apropriada.

O cinema no Mais Shopping está funcionando como uma espécie de modelo de teste para a Cinépolis, que estuda se instalar em bairros com características semelhantes. Em dezembro passado, o ingresso mais caro para uma sala normal saía por R$ 15 e para 3D por R$ 19, nos fins de semana e feriados. Crianças de até 12 anos pagavam meia-entrada.

Ao lado de redes consolidadas, também começam a surgir novas empresas e modelos de negócio, além de mecanismos oficiais de financiamento mais eficientes. Todos esses ingredientes se misturaram para formar a Inovação. Fruto de parceria dos empresários Adhemar Oliveira, exibidor e distribuidor, dono da Espaço de Cinema, e Thierry Peronne, da Investimage, com a rede varejista Carrefour, a Inovação lançou um novo formato no ramo de exibição: depois de tomar conta dos shopping centers, os cinemas começam agora a chegar aos supermercados.

A ideia é aproveitar espaços ociosos das lojas e oferecer lazer às comunidades de seu entorno, quase sempre bairros periféricos das metrópoles. O lazer, afirma Oliveira com base em pesquisas, é o item mais valorizado pelos consumidores de lojas, principalmente as que ficam dentro de centros comerciais e supermercados, “mais até que o preço”.

A Inovação inaugurou, em outubro de 2010, o primeiro Cine10, alojado no Carrefour do bairro Sulacap, no Rio de Janeiro, e prepara-se para lançar o segundo, no supermercado da mesma bandeira localizado no bairro do Limão, em São Paulo: “Estamos fazendo dois pilotos para avaliar o mercado”.

Dos R$ 6 milhões investidos no Cine10 do Rio de Janeiro pela Inovação, R$ 3,6 milhões saíram dos cofres do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio do programa Procult e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que mantém o Programa Cinema perto de Você. “Parte dos órgãos oficiais percebeu que o investimento em cinema, em especial nos bairros mais carentes de salas, tem peculiaridades e por isso demanda programas específicos”, diz Oliveira.

A experiência pioneira da empresa no bairro Sulacap mostra que os recursos foram bem investidos e o retorno está na tela do radar da Inovação. Com seis salas, uma com tecnologia 3D, o Cine10 recebeu mais de 40 mil espectadores nos primeiros dois meses de operação, desempenho que superou as expectativas da empresa.

Contribui para esse resultado o fato de o Cine10 ser o único cinema instalado em um raio de 11 quilômetros, o que demonstra também a carência desse tipo de lazer na região. Como os de shopping, o Cine10 oferece estacionamento, mas gratuito, e mantém uma política de preços apropriada à população do entorno, composta em sua maioria por pessoas das classes C e D, segundo Oliveira.

A rede nacional paranaense Cinesystem, que também aposta firme na nova fase do cinema no Brasil, está em plena expansão. Suas cinco salas iniciais, abertas em 1999 na cidade de Maringá, se multiplicaram: a empresa já opera 81, distribuídas pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Entre 2009 e 2010, a Cinesystem aportou em dois bairros cariocas periféricos, ambos da zona oeste da cidade, com quatro salas no Ilha Plaza Shopping, na ilha do Governador, e seis no Bangu Shopping, onde costuma haver disputa para assistir a determinados filmes a preço promocional (R$ 7, em dezembro de 2010). Às vezes os ingressos são comprados com três dias de antecedência, segundo a empresa divulga. Foi assim com Tropa de Elite 2, de José Padilha, no ano passado. O título que mais contribuiu para a alta taxa de ocupação das salas do Bangu Shopping em 2010 comprova: o público está mesmo disposto a pagar, desde que para ver “o” filme, principalmente porque não tem o hábito de ir ao cinema.

Chave da boa bilheteria

Os títulos nacionais vêm se revelando fator importante no desenvolvimento do mercado. E, como em poucos momentos anteriores, têm contribuído para engordar a receita das bilheterias. Tropa de Elite 2, o maior sucesso de 2010, por exemplo, levou mais de 11 milhões de pessoas ao cinema. Desbancou a superprodução americana Avatar, dirigida por James Cameron, e foi o primeiro a superar a arrecadação de Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1976. A obra de Bruno Barreto atraiu 10.735.524 espectadores durante os cinco anos em que ficou em cartaz. “Com Aparecida, esperamos o mesmo desempenho. A produção nacional é a chave para a boa bilheteria e já há bons filmes brasileiros em quantidade suficiente para alavancá-la”, diz Pereira, da Cinépolis.

Simone Yunes, diretora de programação do Cinesesc, concorda com essa avaliação. Em sua opinião, inclusive, não faz mais sentido falar em “retomada” – cujo marco foi Carlota Joaquina, de Carla Camurati, de 1995. “O cinema brasileiro já encontrou seu público e nossa produção é considerável”, diz ela.

Simone não se refere apenas às inúmeras produções nacionais que foram sucesso de bilheteria depois de Carlota Joaquina, como Tieta do Agreste, de Cacá Diegues, Central do Brasil, de Walter Salles, Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho, Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, ou o primeiro Tropa de Elite, de José Padilha. Ela também alude aos muitos filmes que tiveram desempenho menos expressivo. Para dar uma ideia, ela informa que, em apenas um ano, de 20 de outubro de 2009 a 31 de outubro de 2010, o Cinesesc exibiu 74 lançamentos nacionais, número que não inclui tudo o que foi produzido no país.

Segundo Oliveira, da Inovação, não é bem assim. Em sua avaliação, o número de lançamentos continua o mesmo de anos atrás e os produtores ainda não estão percebendo a necessidade de comunicação com o público, a não ser eventualmente: “Leva tempo para encontrar nichos de mercado para cada tipo de filme, como documentários, que caíram no gosto de uma parcela maior da população”, diz.

Oliveira, contudo, enxerga sinais de que a produção nacional está encontrando o diálogo, como indicam Tropa de Elite 2 e Nosso Lar, de Wagner de Assis, assim como certos filmes de menor impacto, a exemplo de Muita Calma nessa Hora, de Felipe Jofilly, que atraiu 1 milhão de espectadores. Títulos como esses, no entanto, ainda são sucessos localizados: “Não há lançamentos atrativos todos os anos”.

André Gatti, da Faap, reconhece que os filmes nacionais já estão colaborando para melhorar o desempenho do mercado. Como Oliveira, contudo, ele considera títulos como Tropa de Elite 2 e Nosso Lar exceções: “Para dizer que o cinema nacional vai bem precisaríamos ter por ano pelo menos dez filmes com 300 mil espectadores, público alcançado por exemplo por As Melhores Coisas da Vida, de Laís Bodanzky, lançado em 2010”.

Gatti explica que o ideal seria que as produções nacionais chegassem a 30% de participação no mercado. Em 2010, impulsionados por Tropa de Elite 2, os filmes brasileiros abocanharam 23% da arrecadação. Foi o melhor ano desde 2003, quando obtiveram 22% da receita das bilheterias, o equivalente a cerca de 20 milhões de ingressos, com Os Normais, de José Alvarenga Jr., e Lisbela e o Prisioneiro, de Guel Arraes, puxando o movimento.

Tecnologia

Se a consolidação das produções nacionais ainda é incerta, é fato que elas atraem público e ajudam a estimular o mercado. Atualmente, porém, as maiores estrelas das bilheterias são mesmo os filmes em 3D, segmento no qual a participação nacional ainda é praticamente zero.

O primeiro filme em 3D feito no país, Brasil Animado, de Mariana Caltabiano, pela Imagem Filmes – animação com mistura de cenários reais brasileiros –, chegou aos cinemas em janeiro deste ano. Até aquele momento, somente duas outras produções tinham sido confirmadas: Quem Tem Medo de Fantasma, de Cris D’Amato, pela Lereby, de Daniel Filho, e O Golpe, de Marcos Garcia, pela Total Films.

A maioria das salas de cinema no Brasil, além disso, usa tecnologia ultrapassada. De acordo com Gatti, o exibidor tradicional resiste a fazer novos e caros investimentos para substituir os antigos projetores de filmes de 35 mm, equipamentos de longa vida útil. Ainda assim, o processo de digitalização vem se acelerando. Gatti explica que isso acontece porque o cinema é a última seara da imagem analógica, uma vez que até as câmeras domésticas agora são digitais. “Além disso”, acrescenta, “o espectador deverá impor sua preferência pelas tecnologias 3D e, logo mais, 4D.”

No Brasil, as salas digitais eram 258 no final de 2010, segundo o banco de dados Filme B. A proliferação dessas instalações deve se acelerar não apenas para satisfazer os espectadores mas também porque os exibidores perceberam que a tecnologia lhes dá mais liberdade em relação à distribuidora. Gatti explica que isso possibilita às empresas explorar nichos paralelos do mercado. Com salas digitais podem rodar filmes alugados de locadoras e fazer transmissões ao vivo de conferências, shows e eventos internacionais, por exemplo. A última Copa do Mundo de Futebol foi um marco dessa tendência.

O momento atual é da tecnologia 3D, mas a 4D já busca seu espaço. Esse tipo de projeção possibilita ao espectador a ilusão de estar dentro da cena de maneira muito mais convincente que a 3D. Simula movimentos nas poltronas, por exemplo, e sensações de vento, frio, calor, contato com água e objetos.

No Brasil, acaba de ser inaugurado o primeiro local de projeção em 4D, no Complexo Alpen Park, na cidade de Canela (RS). A tecnologia está disponível em bem poucos lugares do mundo, como o Epcot Center, no Disney World, nos Estados Unidos, e algumas salas da Europa e da Coreia do Sul. “Aproxima-se o fim do cinema tal qual o conhecemos no século 20, com plateia passiva”, diz Gatti, lembrando que cada vez haverá mais interatividade, inclusive com a possibilidade de as pessoas escolherem o filme que verão nas telas, como propõe, aliás, o portal Mobz (www.moviemobz.com). “Vamos chegar ao nível de experiência que propõe o mito do cinema total.”


A invasão dos shoppings

Após praticamente ter desaparecido das ruas das cidades brasileiras, inclusive nas regiões centrais – uma debandada que se estendeu da década de 1970 à de 1990 –, os cinemas estão voltando aos bairros, ainda que alojados em shopping centers.

Os motivos do refluxo verificado até pouco tempo atrás são vários, mas talvez o fundamental tenha sido a dificuldade cada vez maior que as empresas encontravam para fechar suas contas. Segundo André Gatti, da Faap, ao longo dos anos as produtoras passaram a pressionar os exibidores por contrapartidas mais altas, ao mesmo tempo em que ficou mais caro construir e equipar salas porque o padrão de exibição mudou – os ambientes se tornaram mais sofisticados, incluindo novos itens de conforto, como ar condicionado: “Como o investimento é alto e a taxa de lucro muito baixa nesse setor, o retorno do capital é algo demorado”, explica o professor.

Essa mesma situação levou as salas a se concentrarem, a partir dos anos 1980, nos shopping centers, fenômeno que acontece unicamente no Brasil e é tão consolidado que os projetos desses empreendimentos normalmente já preveem espaços de cinema. O exibidor gasta menos para se instalar em centros de compras porque nesse caso não precisa comprar o terreno. Para o shopping center, o cinema é um bom negócio porque contribui para aumentar a circulação de clientes por seus corredores e andares. Não por acaso, as salas ficam normalmente no último andar.