Postado em
Papel da Imagem
Dizem que quando ouviu pela enésima vez a célebre frase “Uma imagem vale mil palavras”, Millôr Fernandes teria respondido: “Então tente dizer isso numa imagem”. O desafio do humorista é uma crítica certeira à sociedade contemporânea, mergulhada e obcecada pelo poder da imagem.
A todo momento um invento tecnológico oferece maior capacidade, velocidade, recursos infinitos de registro. Na saúde, exames de imagem em 3D; celular com câmera e TV; o mundo no Google; sua vida e a dos outros no YouTube. Juntamos todas essas possibilidades em aparelhos e gadgets que permitem informação rápida e instantânea, comunicação entre pessoas através da internet, aprendizagem a distância, entretenimento, artes visuais etc.
Ao olharmos as imagens manipuladas com recursos do photoshop, acompanhadas ou não de um texto tendencioso, passamos a desejar um corpo fantástico, uma vida perfeita, a imagem a serviço do consumo desenfreado. Em casa ou nas ruas, os apelos nos atropelam a cada instante.
Com tantas possibilidades de registro de tudo em imagens, produzimos a cada momento uma infinidade de informações visuais. Assim, o passado é recuperado, restaurado, preservado e digitalizado. É aí que começa o dilema de quem trabalha com geração de imagens. Todos os dias cumprimos as pautas de atividades realizadas pelas unidades do Sesc, tanto com fotos quanto com imagens em movimento.
Arquivamos tudo, ou quase tudo. Quem trabalha com registro audiovisual sabe da importância da formação de um arquivo. Com imagens que datam desde a fundação do Sesc, nos anos de 1940, até a atualidade, nosso arquivo pode ilustrar momentos fundamentais na trajetória da instituição e ajudar a contar a história de seus projetos, bem como de sua programação variada. As imagens do nosso arquivo têm, portanto, esse duplo valor de preservação tanto da memória institucional como da história cultural.
Mas como saber com exatidão o que é de fato importante e o que pode ser descartado? Como escolher o que cobrir, dentro de uma extensa gama de atividades, colóquios, espetáculos e manifestações artísticas, lazer e esporte cada uma delas importantes e originais a sua maneira? Na impossibilidade de registrar e guardar absolutamente tudo, estabelecemos critérios objetivos de cobertura, mas a ansiedade da escolha entre as diversas pautas está sempre presente.
Nesses momentos, indago-me se, nessa corrida pela cobertura imagética da maior quantidade possível de acontecimentos, estamos realmente preservando ou nos excedendo. Percebo que a facilitação do formato digital nos fornece todos os recursos de captação, mas nos tira o tempo de olhar a cena para refletir, para produzir um registro não só fiel ao fato, mas também “belo”, elaborado, significativo.
As novas tecnologias e a imersão na sociedade da imagem estariam nos empurrando para a valorização da quantidade, em detrimento da qualidade?
Qual o papel da imagem, além de nos informar e encantar? Seria a imagem um recurso insubstituível? Com a banalização da busca da imagem pela imagem, muitas vezes ela não passa de um registro feito pelas nossas retinas, nada mais. A publicidade, o jornalismo e até mesmo o cinema são capazes de nos cansar e de nos tornar cegos diante do tudo que é nada. Precisamos do vazio e do esquecimento para que o novo tenha espaço, para melhor ver e pensar. Essa perspectiva da educação do olhar pode ser um ponto de partida no enfrentamento das questões apresentadas.
Como profissionais do audiovisual envolvidos cotidianamente nesses questionamentos da contemporaneidade, nosso trabalho de mediação, seleção ou interpretação fica mais evidente. Essa atividade de reflexão demanda tempo, continuamente. Tempo de quem renuncia ao registro inesgotável e absoluto e se lança na produção de imagens que demandam um olhar mais atento e questionador.