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Infância em movimento
Quando se pensa no universo infantil, a brincadeira é coisa séria. Pois é por meio de jogos, fantasias e, sobretudo, muita criatividade que as crianças se relacionam com o mundo. Por isso, durante a iniciação esportiva, recomenda-se que as atividades sempre estimulem a ludicidade dos pequenos. “Dos três aos dez anos de idade, acontece o que chamamos de exercícios de lazer, de recreação”, afirma o pediatra e médico do esporte Ricardo Barros, do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Segundo Barros, se a criança estiver com o acompanhamento pediátrico em dia, não há contraindicações à prática de esportes nessa faixa etária. Justamente por se tratar de uma atividade relacionada ao divertimento, não à competição. “O pediatra tem de explicar aos pais que a criança está ali para brincar, sociabilizar-se. Não está ali para obter resultados [de treinamento].”
Até os dez anos de idade, de acordo com especialistas, o foco deve ser na iniciação ao esporte. As atividades, então, são baseadas em jogos e brincadeiras. Sob esse ponto de vista, vale mais para a garotada a diversão do que o aprendizado de determinadas técnicas esportivas. Assim, quanto mais divertido for o exercício, mais a criança vai aderir à prática. Ou seja, o objetivo é despertar nela o gosto pelo esporte por meio do prazer.
“Quanto menor a criança, maior será o envolvimento com a questão da ludicidade, caso contrário ela simplesmente não vai se interessar pela prática”, explica a doutora em pedagogia do esporte pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Laurita Schiavon, professora do curso de Educação Física da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), de Rio Claro.
Para crianças de até seis anos de idade, as modalidades individuais são as mais indicadas. Por exemplo, a ginástica e a natação. “Até porque elas ainda não pensam coletivamente, taticamente. São muito egocêntricas nessa fase”, fala Laurita. “É por isso que em jogo de futebol de crianças pequenininhas, de quatro ou cinco anos, a bola vai para um lado e todo mundo vai atrás dela.” Por volta dos sete anos, ainda segundo Laurita, atividades coletivas – como vôlei e futebol – começam a fazer mais sentido. “Quanto mais próximas aos dez anos, mais coletivamente vão conseguir trabalhar.”
Prática poliesportiva
O Projeto Esporte Talento (PET) nasceu de uma parceria entre a Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Ayrton Senna (IAS), em 1995. Tendo como base o desenvolvimento humano, o PET recebe crianças e adolescentes de baixa renda que moram e estudam nas proximidades da USP, na Zona Oeste da capital. Sua filosofia de trabalho está fundamentada na formação esportiva sob a perspectiva de longo prazo. A ideia é que a criança entre com oito anos e permaneça até os 18.
“Assim, ela passa por um processo de conhecer várias modalidades e práticas, até os 12 anos. Experimenta um pouco de tudo. Então, a partir dos 13 ou 14, tem a possibilidade de ver em qual modalidade gostaria de se aperfeiçoar”, diz a mestre em pedagogia do movimento humano pela Escola de Educação Física e Esporte da USP Paula Korsakas, da equipe de coordenação do PET, cujo programa é desenvolvido no Centro de Práticas Esportivas da USP (CEPEUSP).
De fato, durante a infância, o ideal é que a criança tenha a possibilidade de experimentar diversas modalidades de esportes. Do ponto de vista psicológico e social, isso geralmente torna a atividade física menos estressante e competitiva. “O ambiente fica mais saudável, e isso favorece a permanência da criança na prática esportiva”, conta Paula.
Do ponto de vista fisiológico, os movimentos repetitivos de uma única modalidade podem gerar uma sobrecarga excessiva em determinados músculos e articulações. “A especialização não é boa para a criança. Porque cada modalidade esportiva tem um tipo principal de exigência [física]”, diz o médico Antonio Carlos da Silva, chefe do setor de Fisiologia do Exercício da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“É importante não se especializar antes da puberdade. Um misto de atividades que trabalhe e exija toda a massa muscular, incluindo membros superiores e inferiores, estimula o desenvolvimento das articulações e de toda a musculatura corporal. Além disso, estimula a coordenação e os aspectos cognitivos.” A prática poliesportiva, segundo Silva, também é importante para desenvolver força e resistência muscular, flexibilidade, composição corporal e o sistema cardiorrespiratório.
Estudos de psicologia do esporte mostram que um grande percentual de crianças que participam de processos de treinamento de uma única modalidade, em busca de rendimento, acaba abandonando a prática esportiva na adolescência. “Que seja então esse esporte diversificado, divertido, sem expectativa (de pais e de técnicos) de um possível rendimento naquele momento. É preciso entender que o hábito da atividade física vai ser importante para a vida desse sujeito”, argumenta Paula. Afinal de contas, o esporte faz parte do desenvolvimento humano, e muitos benefícios começam com a sua prática na fase de infância e adolescência.
Socialização
A prática esportiva possibilita uma socialização da garotada de mesma idade, o que é essencial na formação e no desenvolvimento da personalidade do indivíduo.
“A participação em atividades físicas proporciona contatos sociais, e as crianças e os adolescentes aprendem que entre eles e o mundo existem outras pessoas, que na convivência social há regras e determinados comportamentos, aprendem a aceitar vitórias e derrotas, a vencer por meio do esforço pessoal, desenvolvem a independência e a confiança em si mesmos e o sentido de responsabilidade”, escrevem Alex Antonio Florindo, doutor em Saúde Pública pela USP, e a professora de Educação Física Evelyn Helena Corgosinho Ribeiro no livro Esporte e Atividade Física na Infância e na Adolescência (Artmed, 2009), organizado pelo professor livre-docente pela Escola de Educação Física e Esporte da USP Dante de Rose Jr.
Quando a criança está inserida numa prática esportiva, ela interage com outras pessoas, mesmo nas modalidades individuais, e cria laços de amizade. Além disso, aprende outras formas de brincar, o que auxilia no processo de socialização. “Muitas vezes na brincadeira é preciso pensar, deduzir e analisar situações, então é um estímulo para o desenvolvimento cognitivo também”, explica o médico Antonio Carlos Silva.
A escola e os professores de educação física desempenham papel fundamental para que meninos e meninas se sintam bem durante a realização da prática esportiva. “É primordial cuidar da autoestima das crianças, para que possam se sentir competentes realizando as atividades”, explica Paula Korsakas.
Para isso, é necessário respeitar o ritmo de cada uma e valorizar o esforço e cada pequeno aprendizado delas. “Assim, elas vão identificar o contexto da atividade física e do esporte como um ambiente bacana, positivo, em que se sentem seguras e valorizadas. Acho que esse é um ponto essencial para que elas gostem e queiram voltar.”
Ainda de acordo com Paula, “qualquer ação pedagógica está diretamente ligada aos princípios e valores daquele que a executa. Nesse sentido, o educador explicita seus objetivos em relação à prática esportiva pela forma que organiza as atividades, como agrupa as crianças, quais os critérios que utiliza para a avaliação, e pela maneira como se relaciona com elas, podendo estimular determinada orientação motivacional, moldando a estrutura do contexto esportivo e, consequentemente, definindo um clima motivacional que expressa metas específicas para as crianças”.
Em casa, os pais servem como “espelho”. Caso pratiquem atividade física e se alimentem de maneira saudável, é mais fácil que a criança siga o exemplo. É importante também que estabeleçam limites em relação à TV e ao videogame, por exemplo. “Tem de equacionar isso para que elas possam efetivamente ter tempo para praticar atividade física”, declara o pediatra Ricardo Barros.
A prática de esportes também auxilia no desenvolvimento fisiológico. “Do ponto de vista biológico, além de ajudar a controlar o peso, melhora o desempenho motor, a resistência física, a força muscular, a flexibilidade e a densidade óssea da criança”, diz o médico Antonio Carlos da Silva. “O que é lamentável no Brasil é que a Educação Física está recebendo menos atenção do que deveria receber no ensino. Porque seria aí que se introduziria esse hábito, para gradualmente ir desenvolvendo o gosto pela atividade física.”
Exercícios lúdicos
CRIANÇAS DE TRÊS A SEIS ANOS DE IDADE
Para essa faixa etária, a brincadeira é um jeito de tomar consciência do próprio corpo e de desenvolver capacidades motoras. Por isso, as atividades físicas devem ser permeadas pela ludicidade. E os exercícios buscam promover o desenvolvimento motor, cognitivo e emocional dos participantes. A ginástica, a dança, a luta e a natação são exemplos de atividades que contemplam muitas das habilidades motoras fundamentais, e podem ser trabalhadas a partir dos três anos de idade.
CRIANÇAS DE SEIS A DEZ ANOS DE IDADE
Nessa fase, o objetivo é despertar o interesse da criança pelo aprendizado do esporte e da atividade física, para que se torne um hábito que prossiga nas próximas etapas da vida. Além das práticas individuais, são recomendadas também as modalidades coletivas. Assim, busca-se a cooperação entre os participantes. No entanto, aspectos táticos e técnicos de jogos tradicionais podem ser adaptados, para que as crianças se integrem mais às atividades e desenvolvam a cognição.
Esporte para todas as idades
Sesc São Paulo oferece programa esportivo para a vida toda
As atividades físico-esportivas são fundamentais para a manutenção da saúde, para a construção da cidadania e para a melhoria da qualidade de vida em qualquer idade. Atento a isso, o Sesc São Paulo investe em projetos e campanhas que têm o objetivo de introduzir e ampliar tais práticas para todo tipo de público.
Com o Programa Sesc de Esportes, a instituição oferece aulas gratuitas para crianças, jovens, adultos e idosos. A ideia é que o vínculo com as atividades esportivas e corporais comece na infância e permaneça em todas as etapas da vida.
Assim, o Esporte Criança é destinado à garotada e divide-se em duas faixas etárias: dos três aos seis e dos seis aos dez anos. Para o primeiro grupo, o foco é nas atividades que propiciem o desenvolvimento integral das crianças, por meio de vivências que utilizem as habilidades motoras básicas de uma forma lúdica, respeitando a individualidade e estimulando o desenvolvimento motor, cognitivo e emocional dos participantes.
Dessa maneira, busca proporcionar às crianças de três a seis anos a vivência das possibilidades motoras baseadas nos elementos da ginástica – como saltos, rolamentos, ritmo e expressão corporal. “O que importa para essa faixa etária é a ludicidade, é o desenvolvimento motor por meio do brincar”, diz a assistente técnica da Gerência de Desenvolvimento Físico Esportivo (GDFE) Luciane Pierin.
Para o grupo dos seis aos dez, o programa busca contribuir de forma efetiva para que a criança estabeleça um vínculo com a cultura esportiva e corporal que se estenda ao longo da vida, adquirindo hábitos saudáveis e melhoria da qualidade de vida. Para isso, oferece o maior número de experiências motoras, cognitivas e afetivas através de vivências em diversas práticas esportivas e corporais.
“O objetivo para essa faixa etária não é ensinar as técnicas e as regras das modalidades, mas trazer vivências lúdicas a partir de um imenso leque de possibilidades esportivas e corporais”, explica a assistente técnica da GDFE Regiane Galante.
O Esporte Jovem também é direcionado a duas faixas etárias: dos 11 aos 12 e dos 13 aos 15 anos. Para esses públicos, o projeto tem o intuito de possibilitar a prática sistematizada de modalidades esportivas variadas e promover o aprendizado de uma modalidade específica, respectivamente. Já para pessoas entre 16 e 59 anos, a instituição oferece o Esporte Adulto.
Para este segmento, há a valorização e promoção do jogo, com incentivo à autonomia, ao prazer e à melhoria da qualidade de vida. Às pessoas acima de 60 anos, o Esporte para Idosos possibilita aos participantes atividades esportivas como forma de integração e diversão, sempre respeitando as possibilidades e interesses de cada um. ::