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Tráfego intenso no céu de São Paulo
por Silvia Kochen
São Paulo é uma metrópole movimentada no chão e no ar. E não se trata de uma força de expressão. Com o trânsito caótico e o aumento da violência urbana, cada vez mais empresários estão recorrendo ao helicóptero para cruzar a cidade. A aceleração da economia também dá um impulso adicional ao uso desse ágil meio de transporte, já que ele é bastante acessível aos donos de empresas, especialmente daqueles que estão vendo seus negócios decolar. Tanto que o Serviço Regional de Proteção ao Voo de São Paulo já prevê que, em um futuro breve, terá de fazer alterações em seus sistemas de controle para dar conta do seguido aumento do fluxo dessas aeronaves.
O Brasil conta atualmente com uma frota de 1.754 helicópteros, segundo números de março da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e, destes, 654 estão registrados no estado de São Paulo. Esse total engloba aeronaves de passeio, táxi aéreo, resgate médico e polícia, além daquelas destinadas a uma série de outras atividades – como combate a incêndios, aerolevantamento, inspeção de gasodutos ou de linhas de transmissão, reportagens, obtenção de fotografias e filmagens. Só não foi incluída nessa conta a frota de helicópteros das Forças Armadas. Segundo dizem, esses números colocam a capital paulista, ao lado de Nova York, como o conglomerado urbano com a maior frota de helicópteros.
De acordo com levantamento realizado pela empresa Turbomeca, que atua no segmento de revisão e manutenção de helicópteros, a frota brasileira já é a quinta maior do mundo e logo deve ganhar a quarta posição já que apenas no ano passado cresceu 20%. Diante das boas perspectivas, a empresa investiu R$ 12 milhões para ampliar sua unidade em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde começa a montar turbinas no país, com a meta de elevar o nível de seus negócios em 15%.
É em São Paulo, porém, que os helicópteros se avolumam nas alturas. Segundo o capitão da Aeronáutica Ubiraci da Silva Pereira, responsável pelo controle de tráfego aéreo no Terminal São Paulo (uma área que vai de Campinas à Baixada Santista e abrange a capital e a região de São José dos Campos), nos últimos anos, a movimentação desse tipo de aeronave sobre a cidade de São Paulo experimentou um salto fenomenal, saindo de uma média de 180 a 190 movimentos diários, em 2004, para algo em torno de 350, hoje.
Quando ocorrem grandes eventos, esse número é ainda maior. Nos dias em que a cidade recebe o São Paulo Fashion Week, os helicópteros costumam fazer 390 movimentos por dia. É durante a corrida de Fórmula 1, contudo, que se registra a maior operação de helicópteros do mundo, com um tráfego que chega a cerca de 410 ou 420 movimentos num único dia. Isso porque aqui, ao contrário do que acontece em outros lugares do planeta onde essa prova automobilística é realizada, praticamente todos os pilotos, e boa parte de suas equipes, se dirigem ao Autódromo de Interlagos de helicóptero. A razão para isso é bastante simples: não dá para contar com a sorte e colocar em risco uma corrida desse porte, confiando nos humores do trânsito paulistano. A questão da segurança também pesa: ficou famosa, anos atrás, a tentativa de assalto que sofreu um dos pilotos estrangeiros que decidiu trocar o helicóptero pelo carro no retorno ao hotel.
Fazer a contagem dessa movimentação não é tão simples quanto se imagina, pois o deslocamento de um ponto a outro no solo é considerado um movimento. Assim, cada saída do helicóptero de seu hangar totaliza vários movimentos. Por exemplo: uma aeronave que faz um deslocamento desde o Campo de Marte (um aeroporto situado na Zona Norte da cidade de São Paulo e cujos hangares abrigam pequenos aviões e a frota de helicópteros da capital paulista), com a finalidade de pegar um empresário em sua casa e levá-lo até sua empresa, retornando em seguida ao Campo de Marte, completa três movimentos.
Além de driblar o trânsito caótico, o helicóptero oferece inúmeras outras vantagens. A principal é a economia de tempo. O trajeto entre o Campo de Marte e o Aeroporto de Congonhas, por exemplo, uma distância de aproximadamente 10 quilômetros em linha reta, pode levar entre uma hora e duas horas e meia de carro (conforme dia e horário), mas com o helicóptero se consegue completar esse percurso em apenas 4 minutos. Além do mais, viajar pelo ar tem a virtude de manter bem longe assaltos e sequestros. E não é apenas isso: como, basicamente, todos os prédios dos principais eixos empresariais da cidade – a exemplo das avenidas Faria Lima e Paulista – dispõem de helipontos, o estacionamento da aeronave deixa de ser um problema. Essas vantagens explicam por que cada vez mais empresários estão deixando seus carros na garagem e usando helicópteros para dar conta de seus compromissos.
Frota em ascensão
A frota de helicópteros paulistana passa atualmente por um processo de substituição por modelos mais sofisticados, esclarece o comandante Rodrigo Duarte, presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero (Abraphe), entidade que tem como principal meta promover a segurança de voo. Atuando há 12 anos nos segmentos de táxi aéreo e aviação executiva, Duarte explica o crescimento nas vendas desse veículo aéreo com o argumento de que o tempo de um empresário vale muito dinheiro.
“Normalmente, ele começa alugando de vez em quando o helicóptero de uma empresa de táxi aéreo, e essa rotina ganha novos contornos à medida que o transporte pelos ares passa a ser utilizado com maior assiduidade”, comenta Duarte, explicando que, tão logo ultrapassa as 20 horas de voo por mês, o importante passageiro já passa a avaliar a vantagem de comprar seu próprio helicóptero.
O custo de uma aeronave mais popular – como o Robinson 22, um helicóptero para um passageiro e piloto – começa em US$ 200 mil, menor que o de muitos automóveis de luxo. Depois de certo tempo, alguns empresários trocam o modelo “popular” por um mais sofisticado, maior e equipado com turbinas, capaz de transportar de cinco a oito pessoas, e que chega a custar até US$ 20 milhões.
Duarte ressalta que as grandes empresas também estão adquirindo helicópteros para uso de seus executivos. O trajeto entre a capital paulista e a região de Campinas – onde ficam a Unicamp (uma das mais importantes universidades brasileiras), um destacado polo tecnológico, um centro petroquímico e um aeroporto que responde pelo maior terminal internacional de cargas do país –, a uma distância de cerca de 100 quilômetros, leva apenas 20 minutos de helicóptero. Já de carro a viagem pode consumir 1 hora ou mais, dependendo dos rotineiros congestionamentos e dos imprevistos de horário. Por isso, algumas companhias estão desembolsando altas quantias para agilizar o transporte de seus funcionários mais graduados.
O tráfego intenso de helicópteros na cidade de São Paulo, a par das vantagens que proporciona aos passageiros, também gera muitos problemas. Nos últimos 20 anos, a maioria das grandes empresas transferiu suas sedes da região da Avenida Paulista para a da Avenida Faria Lima e, com isso, o fluxo de helicópteros também se intensificou naquela área. Porém, como a rota de aproximação de aviões a caminho do Aeroporto de Congonhas passa justamente sobre essa região, onde eles voam baixo por causa do trabalho de pouso, tanto as grandes aeronaves quanto os helicópteros acabam operando praticamente na mesma altitude.
A possibilidade de uma colisão entre eles, até recentemente, obrigava muitos voos comerciais a arremeter – uma manobra que consiste em abortar a operação de pouso e elevar a aeronave quando esta já se aproxima do aeroporto. Esse problema se tornou mais intenso a partir de 2001, quando o uso do Sistema Anticolisão de Tráfego (TCAS, do nome em inglês Traffic Collision Avoidance System) passou a ser obrigatório para aeronaves comerciais, forçando a arremetida mesmo quando havia boas condições visuais para a aproximação.
Quando isso ocorria, a aeronave tinha de dar uma volta enorme para se posicionar novamente para o pouso. O resultado era um congestionamento aéreo, com enorme gasto de combustível, custos altos de operação e constantes atrasos nos voos comerciais. Como solução, o Serviço Regional de Proteção ao Voo de São Paulo adotou em 2004 um sistema de controle único no mundo, com vistas a disciplinar a convivência de helicópteros e aviões na região de maior fluxo de aeronaves da cidade. Os limites dessa área alcançam, em um de seus “cantos”, a Ponte João Dias, sobre o rio Pinheiros, continuam, grosso modo, até a esquina da Avenida Ricardo Jafet com a Rua Santa Cruz e em seguida, rumo a noroeste, até o Viaduto Antártica. Desse ponto parte uma outra linha na direção do Shopping Continental, na Zona Oeste da cidade, até a Marginal do Rio Pinheiros, que assim delimita um dos lados desse grande polígono.
Dentro dessa área, há nove rotas especiais de helicópteros (REH), onde o voo deve obedecer a regras que impõem uma espécie de semáforo, cujas fases são determinadas pelo controlador de voo. “As REHs são corredores de helicópteros, algo como ruas aéreas, que otimizam o fluxo e melhoram a segurança das operações”, explica o capitão Pereira. Normalmente, as REHs ficam sobre ferrovias, rios e grandes avenidas, mas há o cuidado de evitar a proximidade de prédios por causa do ruído.
Além disso, há uma série de outras normas que devem ser respeitadas pelos pilotos. Em relação à altitude, por exemplo, as leis federais em vigor estabelecem que, exceto quando pousando ou decolando, não se pode voar sobre área habitada a uma altura inferior a 300 metros (no caso de aviões) e 150 metros (no de helicópteros) sobre o mais alto obstáculo, em um raio de 600 metros em torno da aeronave. Os pilotos que desrespeitam as REHs podem sofrer multas e mesmo suspensão de sua habilitação, da mesma forma que um motorista que ignora as regras de trânsito.
Glamour aparente
“O helicóptero é arrebatador”, diz o comandante Duarte, “pois o voo nessa aeronave é essencialmente visual, pode-se aproveitar melhor a paisagem e ir aonde o avião não consegue chegar.” Ele esclarece, assim, os motivos que o levaram, aos 19 anos, a abandonar os planos de uma carreira de piloto na aviação comercial para tornar-se comandante de helicóptero.
A vida do piloto dessas pequenas e muitas vezes barulhentas aeronaves não é tão fácil quanto parece, e o glamour que ela projeta não passa de mera aparência. Esse profissional fica o tempo todo à disposição de seu empregador, até nos fins de semana e feriados, independentemente de voar uma hora ou cinco por dia. Além de conduzir o helicóptero, seu trabalho inclui o abastecimento da aeronave e o planejamento dos voos. A única disposição legal referente à jornada de um piloto de helicóptero é de 90 horas de voo por mês, mas nada é dito acerca das horas em que ele permanece em terra.
Outro ponto desconhecido da maioria das pessoas é o fato de que é preciso estudar muito para se graduar piloto de helicóptero. Além dos comandos do aparelho, esse profissional precisa saber, por exemplo, princípios de física, meteorologia e geografia e ter noções de mecânica. Por essa razão, leva-se de dois a três anos para formar um piloto, a um custo que se equipara ao de uma faculdade de primeira linha: cerca de R$ 80 mil, valor que inclui as aulas teóricas e muitas horas de voo.
O mercado recebeu no último ano cerca de 300 novos pilotos e hoje conta com pouco mais de 3 mil profissionais no território nacional, estimando-se que cerca de 1,3 mil deles atuem na região de São Paulo. Considerando que o Brasil tem aproximadamente 5,5 mil municípios, dos quais menos de 150 são servidos por linhas aéreas regulares, acredita-se que haverá um crescimento explosivo da procura por esse tipo de profissional nos próximos anos. “A aviação executiva é fundamental para o desenvolvimento”, diz o comandante Duarte, da Abraphe.
O setor de petróleo deverá ser o principal responsável pelo aumento da demanda de pilotos, em razão da exploração de jazidas no pré-sal. A Petrobras utiliza, hoje, uma frota de 128 helicópteros, operada por 653 pilotos e copilotos. O déficit estimado pela empresa no final do ano passado era de aproximadamente 80 profissionais. Como a Petrobras planeja elevar em 150% a produção de petróleo no país até 2020, a demanda por pilotos deve seguir no mesmo ritmo. Na região da Amazônia, onde o transporte praticamente vive à mercê das vias fluviais, o emprego de helicópteros também deverá crescer muito nos próximos anos.
Mãos suaves
Embora até pouco tempo atrás fossem tidas como “clubes do Bolinha”, onde as meninas não entravam, as escolas de pilotagem de helicópteros já formaram várias mulheres. As pilotas trabalham em pé de igualdade com os homens, segundo avalia a secretária-geral da Abraphe, comandante Vera Berthault. “Não há discriminação”, ela diz. “Tenho um bom relacionamento com os colegas do sexo masculino. É verdade que às vezes sinto certo estranhamento, não pelo fato de ser mulher, mas por representar mais um concorrente no mercado.” Vera ressalta, entretanto, que isso não acontece com os mecânicos, que torcem por ela e a apoiam.
Apesar da ausência de antagonismo, Vera sustenta, no entanto, que não é fácil ser pilota. “Toda profissão sacrifica de certa forma a vida familiar, e optar pelo trabalho externo é um dilema para as mulheres com o tipo de educação que eu tive.” Vera tem filhos grandes e sabe bem o que representa cada fase da criação. Dona de casa, ela resolveu fazer faculdade aos 41 anos. Tirou o brevê (a “carteira de motorista” dos pilotos de aeronaves) e, aos 45, iniciou um curso de pós-graduação.
A executiva da Abraphe relata que aos 18 anos tentou se alistar na Força Aérea Brasileira (FAB), no primeiro ano em que a instituição abriu suas portas para as mulheres (1982), mas foi rejeitada e acabou extremamente frustrada. “Eu fazia o colegial técnico em edificações e a FAB não tinha necessidade de pessoas com essa qualificação”, recorda-se.
Vera considerou a ideia de mudar de curso para tentar de novo se alistar, mas acabou não fazendo isso. Pensou em ser comissária, mas desistiu porque alguém lhe disse que sua altura (1,60 metro) era insuficiente. Então, foi atuar em outras áreas, casou, teve filhos e parou de trabalhar para se dedicar às tarefas de mãe. “Um belo dia, quando o caçula estava com 3 anos, resolvi fazer um voo de incentivo de helicóptero no Aeroclube de São Paulo, porque saía mais barato e era rápido, de apenas 30 minutos”, conta a comandante.
Voo de incentivo é uma espécie de test drive para pessoas que almejam pilotar; decolam juntos o instrutor e o futuro aluno, que sente o “gostinho” de usar os instrumentos da cabine, sempre sob os olhos do orientador, é claro. “Seria um voo panorâmico de helicóptero, descompromissado. Todavia, despertou em mim um forte desejo de me tornar pilota”, afirma Vera. “Dali começou a ser escrita a minha história na aviação.”
Vera conta que os primeiros tempos foram muito difíceis. Não tinha o apoio da família, que achava aquilo “perigoso”. Sem incentivos financeiros, o curso foi feito aos poucos. Voava quando tinha dinheiro, quando não, ficava em terra na expectativa de logo retornar às alturas. “Tinha de me desdobrar entre os afazeres domésticos, os estudos, as horas de voo e a navegação. E voava quando meus filhos iam para a escola”, frisa. Vera diz que seus amigos achavam que ela era louca. “Imagino mesmo que, no fundo, eles jamais pensaram que eu iria tão longe.” Ela pensou em desistir várias vezes, mas hoje sabe que encontrou seu próprio mundo.
Atualmente, avalia Vera, já é mais fácil para as mulheres trabalhar como comandantes no mundo da aviação do que na década de 1970, quando a pioneira Lucy Lúpia Pinel Balthazar tornou-se a primeira pilota da aviação comercial do país. “Acredito que as mulheres têm muito com que contribuir na aviação, com sua sensibilidade e sutileza”, diz. Vera lembra que os comandos de uma aeronave são sensíveis e necessitam de mãos suaves. Além disso, observa, a percepção diferenciada da mulher também pode ser um fator agregador. “Temos visões e formas de aprender diversas das dos homens; contudo, nossa intenção é complementar, para termos uma aviação mais integrada.”