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Terras-raras, um desafio nacional
Por: FRANCISCO LUIZ NOEL
Dos quase 120 elementos da tabela periódica apresentada nas aulas de química aos estudantes, os 15 metais da penúltima linha e os dois que encabeçam a terceira coluna, com números atômicos 57 a 71, 21 e 39, têm configurações eletrônicas semelhantes. A maioria forma a família dos lantanídeos, mas, linguagem científica à parte, todos compartilham um nome genérico: terras-raras. De difícil extração, dispersos em vários minerais na natureza, esses elementos se transformaram no pivô de uma disputa mundial da qual o Brasil participa na retaguarda, apesar de reunir potencial para estar na linha de frente.
Os elementos terras-raras são insumos obrigatórios para uma infinidade de produtos que incorporam tecnologia de ponta. Suas aplicações abrangem de telas de cristal líquido a fertilizantes agrícolas, de baterias elétricas a vidros de alta refração, de superímãs usados em carros elétricos e usinas eólicas a catalisadores para o refino de petróleo, passando por chips de memória e inúmeras ligas metálicas. Estratégicos como matéria-prima para a indústria do século 21, esses metais alimentam um mercado global da ordem de R$ 10 bilhões anuais e agregam valor a produtos que movimentam mais de R$ 80 bilhões.
Apesar da denominação, os 17 elementos não são terra nem tão raros, merecendo o nome por terem aspecto terroso, concen- trações dispersas e produção complexa. À exceção do escândio e do promécio, classificados em separado, as terras-raras são divididas em três grupos: leves (lantânio, cério, praseodímio e neodímio), médias (samário, európio e gadolínio) e pesadas (ítrio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio e lutécio). Algumas, como o túlio, somam reservas maiores do que elementos como o mercúrio. Todas ocorrem em variados minerais – entre eles a monazita, fosfato de terras-raras que já foi farto no litoral norte do Rio de Janeiro e é vendido para o exterior.
A liderança isolada na produção mundial de terras-raras, estimada em 134 mil toneladas em 2010, pertence à China, que se vale desses insumos para abastecer o mundo com produtos eletrônicos. Con- trolando 97% da oferta internacional, os chineses são donos de reservas de 36 milhões de toneladas, correspondentes a 37% do volume conhecido desses elementos no mundo. Também têm reservas expressivas a Comunidade dos Estados Independentes (CEI, formada pela Rús- sia e outras ex-repúblicas soviéticas), com 19%; Estados Unidos, com 13%; Austrália, com 6%, e Índia, com 3%. Depois da China, que usou 70 mil toneladas de terras-raras em 2010, o segundo consumidor é o Japão, seguido por Estados Unidos, Alemanha e França.
O Brasil, que processa 650 toneladas de compostos por ano, importou 1,3 mil toneladas de terras-raras em 2010, totalizando negócios de US$ 14,1 milhões – uma fatia correspondente a apenas 1% do mercado mundial. Sob a forma mineral ou em produtos acabados, as importações foram efetuadas por segmentos industriais do ramo de catalisadores, vidros, cerâmicas e turbinas eólicas. No mesmo ano, as exportações brasileiras de compostos de terras-raras somaram US$ 1,4 milhão. Parte das vendas internacionais foi celebrada pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que embarcou no período 1,5 mil toneladas de monazita, proveniente do norte fluminense, para a empresa chinesa Beijing HMC Mining Trade Co.
O quase monopólio da China na oferta global desses insumos passou a preocupar as empresas de tecnologia avançada do mundo ocidental quando, em 2010, o país começou a restringir as exportações na área. A exemplo do que já haviam feito em 2011, os chineses fixaram para 2012 uma cota de somente 30,8 mil toneladas para as vendas externas, invocando a necessidade de reduzir impactos ambientais da mineração em regiões como a de Baotou, na Mongólia Interior, no norte do país, que abriga o maior polo de produção desses minerais no mundo. Por conta da lei da oferta e da procura, como era de se esperar, a medida jogou os preços das terras-raras para o alto, levando os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão a protocolar na Organização Mundial do Comércio (OMC) uma reclamação por violação das regras do mercado internacional. No fundo, diz o geólogo Romualdo Paes de Andrade, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) – autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia –, o objetivo da China é, principalmente, atrair investimentos externos de indústrias que usam esses insumos em seus processos.
Preços elevados
Das 17 terras-raras, duas são exclusividade da China: o térbio e o disprósio, elementos empregados na fabricação de ímãs permanentes. Os dois são objeto de poucos projetos em outros países, que dificilmente irão fornecê-los no curto prazo. A situação restringe as opções para a abertura de fábricas dependentes de superímãs, produtos responsáveis por 25% da demanda por terras-raras. Não é por menos que a relevância estratégica do domínio sobre esses insumos tornou recorrente no mercado uma frase atribuída ao falecido secretário-geral do Partido Comunista da China, Deng Xiaoping, líder do país entre 1978 e 1992: “O Oriente Médio tem petróleo; a China, terras-raras”.
Os riscos de instabilidade no fornecimento mundial de terras-raras, em face das restrições chinesas, redobraram a importância do aumento da produção em outros locais. Mais de 200 empreendimentos, encabeçados por 165 empresas, estão sendo desenvolvidos em 24 países, de acordo com estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os projetos maiores estão nos EUA, na CEI e no Canadá, assim como na China. Calcula-se que a elevação da oferta fora do domínio chinês, com esperada queda de preços, só acontecerá em 2015, quando a demanda anual deverá superar 180 mil toneladas. Até lá, porém, essas matérias-primas tendem a escassear e a ser negociadas a valores inflacionados.
“Os preços de alguns elementos se multiplicaram por 10, 20 e até mais”, afirma José Guilherme da Rocha Cardoso, chefe do Departamento de Indústria de Base do BNDES. “Como são muitas as indústrias ao redor do mundo que demandam terras-raras, também tem sido grande a procura por novos fornecedores.” Coautor de um estudo sobre a situação, as perspectivas do mercado e as oportunidades abertas ao Brasil na área, Cardoso destaca que o desejo dos usuários é dispor de fontes alternativas capazes de aliviar o ônus representado pela concentração da oferta nas mãos dos chineses, “pois já se viu que isso pode ser problemático para o setor”, ele enfatiza.
Foi com isso em vista que os Estados Unidos começaram a tirar do papel um projeto de vulto: a retomada das atividades de extração em Mountain Pass, no estado da Califórnia. Operada pela empresa Molycorp, a mina foi, entre 1960 e 1980, a maior produtora de terras-raras do mundo, mas acabou desativada em 2002 por força do crescimento da oferta chinesa e da consequente queda dos preços internacionais. Outros países que também estão investindo com o objetivo de aumentar a disponibilidade desses insumos são a Austrália, o Canadá, a Dinamarca e a África do Sul. No Brasil, mineradoras, autoridades e pesquisadores também se movimentam para determinar o tamanho das reservas de terras-raras no país e incrementar sua oferta.
O interesse brasileiro pela conquista de um lugar no reduzido grupo de países produtores teve como marco inicial o I Seminário Brasileiro de Terras-Raras, promovido em dezembro de 2011, no Rio de Janeiro, pelo Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. No encontro, realizado em parceria com o Ministério de Minas e Energia, especialistas e representantes de empresas trocaram experiências sobre pesquisas, projetos e financiamentos com o claro objetivo de fortalecer a cadeia produtiva desses minerais no país.
Para dimensionar as reservas brasileiras,ogovernorealizaoestudo“Avaliação do Potencial dos Minerais Estratégicos do Brasil”, coordenado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), da pasta de Minas e Energia. O projeto, de R$ 18,5 milhões, faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e tem conclusão pre- vista para 2013. O seminário promovido pelo Cetem apontou antecipadamente, porém, perspectivas promissoras para o país na mineração e no processamento de terras-raras, desde que o poder público e o capital privado se articulem e banquem os investimentos necessários. As reservas provadas do país, com con- cessões de lavra, ainda são modestas: pouco mais de 31 mil toneladas, menos de 1% do volume mundial.
Grandes reservas
Todavia, afirmam os especialistas, o Brasil reúne grande potencial para produzir essas importantes matérias-primas. Com a experiência de quem estudou o tema por mais de três décadas, o geólogo e pesquisador emérito do Cetem Francisco Eduardo Lapido-Loureiro, recentemente falecido, apresentou no seminário de 2011 um estudo sobre a situação e o futuro da indústria mineroquímica no país. No mapa brasileiro desses insumos, quatro grandes depósitos já dimensionados são destaque: Araxá e Poços de Caldas, em Minas Gerais, Catalão, em Goiás, e Presidente Figueiredo, no Amazonas. Sempre associadas a outros elementos, as terras-raras são encontradas em pelo menos outros 36 locais do país, no litoral e no interior. A maioria das ocorrências, contudo, ainda não foi objeto de pesquisas do Departamento Nacional de Produção Mineral ou das mineradoras.
As reservas de terras-raras em Catalão são estimadas em 120 milhões de toneladas – volume que, se confirmado, é quase quatro vezes o da China, conforme destacou Lapido-Loureiro em seu estudo. Os direitos minerários das áreas assinaladas nesse município goiano, nas localidades de Córrego do Garimpo e Lagoa Seca, pertencem à Vale Fertilizantes, que opera uma mineração de fosfato em Tapira (MG). Em Minas, o potencial de Araxá começa a ser explorado pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). No município amazonense de Presidente Figueiredo, as terras-raras estão em Pitinga, onde a Paranapanema explora uma das maiores minas de cassiterita do planeta.
Pode-se afirmar que Araxá, na região do Alto Paranaíba, a leste do Triângulo Mineiro, entrou definitivamente no foco de mineradoras, pesquisadores e autoridades estaduais e federais. No município, a CBMM opera a maior mina de nióbio do mundo, material que é vendido a diversos países para a fabricação de aços de alta resistência. O nióbio ocorre em mineral rico em terras-raras, que começaram a ser processadas pela empresa numa planta-piloto com capacidade para 1,2 mil toneladas anuais de compostos químicos. O investimento na tecnologia que utiliza os resíduos da mineração do nióbio foi da ordem de R$ 62,5 milhões, parte dele bancada pelo governo de Minas Gerais.
Outra empresa atraída para a região é a canadense Mbac, que criou a Araxá Mineração e Metalurgia, voltada ao desenvolvimento de um projeto associado à produção de fosfatos e nióbio em lavra vizinha à da CBMM. A Vale Fertilizantes também estuda a produção de terras-raras no Alto Paranaíba, vinculada à sua unidade de mineração de fosfato. Um dos potenciais clientes da mineradora é a Petrobras, sócia da Fábrica Carioca de Catalisadores, que importa terras-raras da China para a fabricação de catalisa- dores de fluidos para as refinarias de petróleo nacionais.
A demanda local por elementos de terras-raras, assim como a procura por parte de compradores externos, é considerada vital para estimular investimentos e alavancar sua produção interna. Uma perspectiva animadora para esse segmento é, nos próximos anos, o esperado salto na produção de petróleo depois das descobertas do pré-sal e da construção de novas refinarias pela Petrobras. A movimentação de indústrias multinacionais de componentes de computadores e celulares rumo ao Brasil também pode contribuir para esse mercado.
Na cadeia de produção de terras-raras, o grande objetivo é tê-las sob a forma de metal, de alto valor agregado. Antes, no processo de beneficiamento, os minerais que contêm esses elementos são separados e submetidos a tratamento químico para a concentração de cada terra-rara em óxido. Esses compostos são usados na indústria, em ramos como os de catalisadores, baterias elétricas e materiais para polimento de lentes de precisão. Num passo mais avançado da cadeia, os óxidos são base para os metais terras-raras, indispensáveis a produtos como ímãs permanentes, em que o neodímio é misturado ao ferro e ao boro.
O país ainda não detém tecnologia comercial para a produção desses metais, ao contrário da China. Romualdo Paes de Andrade, do DNPM, observa que, apesar de contar com experiência tecnológica na produção dos óxidos, o Brasil estacionou no setor em meados dos anos 1990, quando passou a contar com a oferta chinesa. Um dos exemplos da dependência tecnológica é, no Rio de Janeiro, o projeto-piloto do trem de levitação magnética que a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) está construindo na ilha do Fundão. Sem gases nem ruído, o trem vai flutuar num campo magnético produzido por superímãs. “A ideia é ótima, mas ficamos na dependência do ímã, que vem da Coreia do Sul”, afirma Romualdo.
Alto valor agregado
No que respeita ao governo federal, a importância de o Brasil lançar-se à produção de terras-raras é destacada no Plano Nacional de Mineração 2030, anunciado em fevereiro de 2011 pelo Ministério de Minas e Energia. O plano fixa diretrizes para políticas de médio e longo prazo nas áreas de geologia, recursos minerais, mineração, transformação mineral e metalurgia. Responsável por 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB), 20% do valor das exportações e 1 milhão de empregos, o setor mineral deverá rece- ber investimentos privados e públicos de R$ 700 bilhões, gerando produtos de alto valor agregado num cenário global de competitividade acirrada.
“É nesse contexto que os importantes recursos identificados de terras-raras no Brasil, com teores e reservas elevados, deverão merecer uma atenção muito especial e a execução de um amplo programa de PD&I [pesquisa, desenvolvimento e inovação]”, salienta o Plano Nacional de Mineração. Na aplicação industrial desses insumos, o programa chama a atenção para a “energia verde” (turbinas eólicas e células fotovoltaicas), carros híbridos elétricos, ímãs permanentes de alto rendimento, supercondutores, luminóforos e comunicação a distância, lembrando ainda que o país já produziu óxidos de terras-raras a partir de monazita.
O Brasil foi fornecedor de compostos de terras-raras entre o fim do anos 1940 e 2000, tendo sido, principalmente, um grande exportador de monazita. A atividade teve início no bairro paulistano de Santo Amaro, utilizando monazita da praia de Buena, no atual município de São Francisco de Itabapoana, no norte fluminense, e era desenvolvida pelas Indústrias Químicas Reunidas (Orquima), em São Paulo, e pela Sociedade Comercial de Minérios (Sulba), no Rio de Janeiro. Essas empresas foram es- tatizadas em 1960, já que a monazita é um fosfato de terras-raras associadas a urânio e tório, elementos radiativos, que, pela importância estratégica, têm pesquisa e lavra restritas ao Estado, de acordo com a legislação.
A extração e o processamento estatais de monazita foram efetuados até 2010 pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que receberam em 1988, quando a empresa foi criada, a responsabilidade pela mineração em Buena e pelas instalações de Santo Amaro. Um ano depois, a INB inaugurou uma usina no bairro paulistano de Interlagos, para separar terras-raras com o uso de tecnologia japonesa, processo que seria transferido a sua unidade no norte do Rio de Janeiro. Depois de diversas interrupções desde os anos 1990, as operações da INB com terras-raras foram retomadas em 2004. A lavra de monazita em Buena foi encerrada em 2010, devido ao esgotamento das jazidas da empresa.
No estudo sobre o panorama das reservas de terras-raras no Brasil, o pesquisador Francisco Eduardo Lapido-Loureiro salientou que o país precisa caracterizá-las logo e traçar prioridades de produção. “Para que o Brasil retome o lugar de destaque na produção de terras-raras, não deve limitar-se à extração, mas, principalmente, voltar-se à implantação de um amplo programa de PD&I que leve ao desenvolvimento, em cadeias produtivas, de processos e de produtos de alto valor agregado”, defendeu. No DNPM, Romualdo Paes de Andrade ressalta que é essencial que o governo estimule a especialização de cientistas no setor e saia à procura de cooperação tecnológica com outros países, incluída, é claro, a China.