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"Os caminhos que trilhei"
Em 1985, o nordeste desempenhou papel fundamental na redemocratizac¸a~o do Brasil, quando seis dos sete governadores da regia~o, que haviam sido eleitos pelo Partido Democra´tico Social (PDS), bandearam-se para o Partido da Frente Liberal (PFl) e garantiram a vito´ria de Tancredo neves no cole´gio eleitoral, que era composto tambe´m por representantes das assembleias legislativas. o pro´prio Tancredo neves considerava ta~o importante esse apoio que, sem ele, na~o teria abandonado o governo do estado de Minas Gerais – segundo o depoimento de seu neto e hoje senador Ae´cio Neves (PSDB-MG) – para disputar a preside^ncia da Repu´blica pelo Partido do Movimento Democra´tico Brasileiro (PMDB) contra o candidato governista, Paulo Maluf.
No centro dessa articulac¸a~o estava o enta~o governador de Pernambuco, Roberto Magalha~es, que se engajara na disside^ncia comandada por seu conterra^neo Marco Maciel e pelo mineiro aureliano chaves, inconformados com os rumos tomados pela sucessa~o de Joa~o Baptista Figueiredo, u´ltimo general presidente do ciclo militar inaugurado em 1964. O famigerado ato institucional no 5 (AI-5) ja´ na~o vigorava, os governadores haviam sido eleitos pelo voto direto em 1982 e, em 1984, milho~es de brasileiros sai´ram a`s ruas na campanha das Diretas Ja´, mobilizac¸a~o popular habilmente redirecionada para o apoio a` eleic¸a~o indireta de Tancredo Neves, que colocou fim a mais de duas de´cadas de ditadura.
Hoje, tudo isso e´ histo´ria, mas na e´poca a nac¸a~o viveu momentos cri´ticos: conseguiriam os governadores controlar suas bancadas diante da proverbial capacidade de aliciamento de Paulo Maluf, sobejamente demonstrada na convenc¸a~o do PDs, que alijara o ex-ministro Ma´rio andreazza da disputa? os militares respeitariam o resultado do cole´gio eleitoral e devolveriam o poder aos civis?
Toda a tensa~o dos bastidores desses episo´dios, vistos a partir da posic¸a~o privilegiada do Pala´cio do campo das Princesas, sede do governo pernambucano, aflora no livro Memo´rias – As Virtudes do Tempo (edic¸o~es Bagac¸o, Recife, 2012), que o autor Roberto Magalha~es escreveu para “deixar um depoimento sobre os caminhos que trilhei”. a essa explicac¸a~o, no ini´cio da obra, cabe acrescentar o que diz, no texto da orelha, o consultor poli´tico Ney Figueiredo: “Trata-se de um legado para as gerac¸o~es futuras, que podera~o acompanhar a histo´ria de um homem simples que, estribado somente em suas qualidades pessoais, foi guindado aos mais altos cargos do seu Pernambuco, transformando-se numa refere^ncia na poli´tica nacional”. Ale´m de governador do estado, Magalha~es foi prefeito do Recife (1997-2000) e deputado federal por quatro mandatos ate´ anunciar, em 2010, que na~o mais se candidataria a cargos eletivos.
Como descreve nos capi´tulos dedica- dos a`s pro´prias origens, Roberto Magalha~es nasceu numa fami´lia de poli´ticos que ao longo do se´culo passado elegeu seis deputados federais por Pernambuco, ale´m de se´rgio Magalha~es, seu tio por parte de ma~e, que construiu sozinho uma carreira poli´tica no Rio de Janeiro – foi deputado federal pelo Partido Trabalhis- ta Brasileiro (PTB) e um dos primeiros cassados apo´s o golpe de 1964. Ainda na enta~o capital federal, um tio seu por parte de pai, monsenhor Olympio de Mello, foi prefeito nomeado por Getu´lio Vargas na de´cada de 1930. A refere^ncia principal, pore´m, recai sobre outro tio da vertente materna, agamenon Magalha~es: jurista e fiel aliado de Vargas, foi ministro do Trabalho e da Justic¸a, constituinte em 1934 e 1946, interventor em Pernambuco (1937-1945) e governador eleito do estado em 1950.
Vito´rias e derrotas
Nascido em 1933, em canguaretama (RN), onde seu pai foi fiscal do imposto do consumo, Roberto Magalha~es Passou a infa^ncia no Recife, estudou no cole´gio no´brega, de padres jesui´tas, e habituou-se a ver soldados do exe´rcito e da Marinha dos Estados Unidos que, durante a segunda Guerra Mundial, utilizavam o nordeste brasileiro como base de operac¸o~es. Aluno do curso de Preparac¸a~o dos Oficiais da Reserva (CPOR), apo´s prestar o servic¸o militar ingressou na mesma Faculdade de Direito do Recife que tivera agamenon como professor catedra´tico de teoria geral do estado. O bacharelado em cie^ncias juri´dicas, pore´m, so´ seria conclui´do na Faculdade nacional de Direito, no Rio de Janeiro, onde viveu de 1956 a 1961. Durante esses anos dourados, de muita praia e bailes de carnaval, foi assistente do tio Plympio, enta~o ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, antes da mudanc¸a da capital do pai´s para Brasi´lia.
De volta ao Recife, apo´s um peri´odo lecionando direito e advogando, inclusive na assessoria juri´dica do gabinete do governador Cid Sampaio (preparando defesas em mandados de seguranc¸a), acabou se engajando na poli´tica, onde ja´ atuavam seus tre^s irma~os mais velhos – Luiz, Jose´ e Geraldo, que foram, respectivamente, deputado federal, deputado estadual e prefeito do Recife. Assim na~o foi surpresa que, em 1967, outro governador de Pernambuco, Nilo Coelho, o convidasse para o posto de secreta´rio estadual de educac¸a~o e cultura, seu primeiro cargo poli´tico.
Na de´cada de 1970, Roberto Magalha~es foi cotado para governador, mas a ideia na~o vingou, porque seu nome acabou preterido por gesta~o do Marechal Cordeiro de Farias, que pressionou o enta~o presidente e general ernesto Geisel em favor do ex-ministro da agricultura Moura Cavalcanti. “Vendo hoje aquele episo´dio na perspectiva do tempo reconhec¸o quanto fui beneficiado, pois deixei de ser candidato indireto para me eleger governador em pleito direto, em 1982, numa campanha eleitoral que se transformou em marco da redemocratizac¸a~o do pai´s”, diz Magalha~es nas pa´ginas de seu livro.
As campanhas eleitorais e os meandros do exerci´cio do poder constituem, como e´ natural, a parte mais alentada e saborosa da obra. nos episo´dios narrados com leveza alternam-se vito´rias e derrotas, tanto umas como outras surpreendentes, a`s vezes. nas eleic¸o~es de 1982, ao ser recomendado pelo governador Marco Maciel, de quem era vice, para ser o candidato do PDs a` sucessa~o em Pernambuco, Roberto Magalha~es tinha apenas 3% nas pesquisas de intenc¸a~o de voto. Terminou, pore´m, derrotando o senador Marcos Freire, do PMDB, considerado imbati´vel. Quatro anos depois, e´ sua vez de sofrer um reve´s inesperado. Apesar de deixar o governo estadual com 73% de aprovac¸a~o popular, quando ainda na~o havia a possibilidade de reeleic¸a~o para os cargos do Poder executivo, na~o consegue o mandato de senador: as duas vagas em disputa em Pernambuco para o senado acabam preenchidas pelos candidatos apoiados por Miguel Arraes, que voltava do exi´lio para se eleger governador com forc¸a avassaladora.
Em 1987, Magalha~es reabre seu escrito´rio de advocacia, mas por pouco tempo, ate´ o pleito seguinte, de 1990, quando se torna o deputado federal mais votado no Recife. em 1993, ganha novamente notoriedade nacional ao exercer o cargo de relator da comissa~o Parlamentar Mista de inque´rito encarregada de apurar o esca^ndalo dos chamados “ano~es do orc¸amento”. O resultado e´ a perda de mandato de dez parlamentares, dos quais quatro renunciaram e seis foram cassados pelo plena´rio da ca^mara dos Deputados, em raro exemplo de justic¸a feita na pro´pria carne. seu segundo mandato como deputado federal e´ interrompido em 1996, quando se elege prefeito do Recife, mas entre 2002 e 2010 retorna a Brasi´lia para integrar mais duas legislaturas. Durante seus 14 anos de atividade parlamentar figurou como membro efetivo da comissa~o de constituic¸a~o e Justic¸a da ca^mara, considerada, desde sua criac¸a~o, em 1946, a mais importante do congresso nacional.
Ale´m dos detalhes da vida poli´tica e pessoal de Roberto Magalha~es e da minuciosa descric¸a~o de suas realizac¸o~es, tanto no Poder executivo, estadual e municipal, quanto no legislativo, o leitor de suas memo´rias tambe´m e´ brindado com uma visa~o histo´rica de Pernambuco, que, em duas ocasio~es, pagou um prec¸o elevado por sua rebeldia: o estado, que originalmente tinha dimenso~es territoriais muito superiores a`s atuais, encolheu. Em represa´lia a` Revoluc¸a~o de 1817 (u´ltimo movimento de revolta anterior a` independe^ncia do Brasil e que durou 70 dias), perdeu a comarca de alagoas e, apo´s a derrota da confederac¸a~o do equador, em 1824 (movimento de cara´ter republicano que recebeu esse nome porque o centro do movimento ficava pro´ximo da linha do equador), ficou sem a comarca do Sa~o Francisco, anexada ao territo´rio da Bahia.
“Na parte final do livro, Roberto Magalha~es na~o foge a` responsabilidade de lanc¸ar um olhar sobre o futuro do Brasil e o mundo globalizado”, destaca no prefa´cio seu ex-aluno de direito Gustavo krause, ex-prefeito do Recife e seu vice-governador na de´cada de 1980. Desde 2010, Roberto Magalha~es e´ membro do conselho de economia, sociologia e Poli´tica da Fecomercio, do sesc e do senac de sa~o Paulo.