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A hora e a vez da prosa

Leandro Sarmatz, Verônica Stigger, Marcelo Ferroni, Edney Silvestre, Sidney Rocha, Paloma Vidal, José Luiz Passos, Javier Contreras, Lima Trindade, Vanessa Bárbara e José Rezende Jr. são alguns dos nomes desta que podemos chamar de novíssima geração de prosadores brasileiros. Apesar de seguirem temas e estilos literários distintos, esses autores com no máximo três livros publicados, despontam em um momento ímpar de profissionalização da literatura brasileira. “A oferta para publicação aumentou muito da minha geração para esta. Existem diversos programas governamentais que financiam publicações, muitas editoras pequenas surgiram e as grandes estão hoje também muito interessadas em autores jovens, além de revistas e antologias saindo o tempo todo”, afirma o escritor Ricardo Lísias, autor de O Céu dos Suicidas (Alfaguara, 2012), entre outros. A consequência desse processo é que os prosadores estão mais livres para escrever e seus primeiros livros têm uma finalização superior à dos escritores dos anos de 1990.

“A literatura brasileira nos últimos anos passou de uma espécie de amadorismo sofisticado, bastante satisfatório, para o profissionalismo”, acrescenta Lísias. A realização de grandes prêmios e eventos literários, as editoras, que passam de empresas de grande porte para enormes conglomerados, a melhora da qualidade das traduções e a inserção no mercado internacional são alguns indícios dessa mudança. Para o ficcionista e doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) Nelson de Oliveira, organizador das antologias da Geração 90 (Boitempo, 2003) e Geração Zero Zero (Língua Geral, 2011), nunca se publicou tanto quanto atualmente e as primeiras coletâneas ou romances dos novos escritores são muito superiores aos dos estreantes da década passada. Da mesma forma que a facilidade de publicação permitiu o surgimento de uma nova geração de ficcionistas – que mostra a vitalidade da literatura brasileira –, ela pode ter aspectos negativos, segundo Lísias, como a ansiedade por lançar livros ou até mesmo o descuido estilístico. De acordo com o crítico literário Manuel da Costa Pinto, autor de Literatura Brasileira Hoje (Publifolha, 2004), embora esses novos escritores tenham como característica a pluralidade de temas, pelo menos parte deles, grupo que inclui Leandro Sarmatz, Marcelo Ferroni, Edney Silvestre e Sidney Rocha, aborda traumas da história recente do Brasil e da sociedade brasileira contemporânea. “Questões políticas, raciais e sociais aparecem não como representações de situações traumáticas, mas determinadas vivências das personagens trazem isso de forma oblíqua”, explica.

O especialista chama a atenção para o fato de que, se narrativa fragmentária foi uma tendência bastante pronunciada nos anos de 1990 e começo dos anos 2000, atualmente narrativas de andamento mais memorialístico e certa elaboração temporal contínua predominam. “Contrariamente ao que aconteceu na chamada geração 90, esses autores, que não constituem propriamente um bloco homogêneo, têm uma característica mais narrativa, menos preocupada com rupturas com a sintaxe convencional do que de alguma maneira inocular nesta sintaxe tradicional elementos perturbadores da memória, dos traumas políticos, psicológicos e sociais”, analisa. “Mas o tratamento ficcional disso é muito diferente, não dá para traçar um denominador comum em relação ao aspecto estilístico-literário.”

Outro ponto de contato entre as obras dos autores da novíssima geração, segundo Oliveira, é a opção pelo esquisito. “A atmosfera comum a toda essa prosa quase exclusivamente urbana é a do bizarro. Que, tendo em vista apenas a estrutura formal, aparece das mais diferentes maneiras: ora em linha reta, ora em zigue-zague, ora fragmentada, ora pulverizada e misturada”, destaca no ensaio “Vida: Modos de Brincar”, do livro A Oficina do Escritor (Ateliê Editorial, 2008). Para Oliveira, a busca da juventude eterna, o consumismo desenfreado e a solidão coletiva das redes sociais, por exemplo, estão injetando altas doses de nonsense na realidade, que os autores trazem para a ficção. “Nesse mundo desconcertado não há heróis nem grandes exemplos de conduta, há apenas figuras física e moralmente malformadas, mutiladas, debilitadas, abortadas, aberrantes, doentias, demoníacas.”

Letras em foco

Diversas atividades do Sesc aproximam o público de novos expoentes da literatura e estimulam processos de criação

O Sesc realiza diversas ações voltadas ao estímulo a novos escritores. Compõem a programação encontros com escritores, saraus, clubes de leitura, cursos, oficinas e projetos multidisciplinares. Além disso, a maioria das unidades conta com bibliotecas ou salas de leitura, cujo acervo está direcionado principalmente à literatura de ficção e onde é possível encontrar escritores jovens e consagrados da literatura brasileira.

A assistente da Gerência de Ação Cultural da área de Literatura e Bibliotecas Ana Luisa Sirota destaca da programação o Prêmio Sesc de Literatura, que desde 2003 realiza a publicação de autores inéditos nas categorias romance e conto, figurando entre os importantes prêmios de incentivo na área. “O evento abre as portas do mercado editorial aos estreantes, caso da jovem escritora Luisa Geisler – premiada duas vezes, nas categorias conto e romance –, que em 2012 foi selecionada para compor a publicação inglesa Granta – Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros”, afirma.

Em fevereiro, serão realizados saraus literários nas unidades Ipiranga e Pinheiros, que vão promover o contato com diversos autores, suas obras e processos de criação. Também neste mês, o CineSesc recebe o projeto Cinema da Vela, cujo tema Escritores vão ao Cinema reúne os escritores Lourenço Mutarelli e Marçal Aquino, com mediação do jornalista Cunha Jr. Já no Bom Retiro, a programação recebe o escritor Luiz Rufatto (foto), que realiza a leitura da obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, no projeto Clássicos na Roda. Na ocasião, Rufatto também comenta seu romance Eles Eram Muitos Cavalos.

Guia de leitura

O crítico literário Manuel da Costa Pinto indica alguns títulos que ajudam a entender os rumos da prosa contemporânea nacional

Uma Fome

Leandro Sarmatz (Record, 2010) Estruturado em duas partes, “Autores” e “Abandonos”, o primeiro livro em prosa de Leandro Sarmatz traz 11 contos. O Holocausto, as ditaduras militares latino-americanas e o destino de doentes desacreditados são alguns dos temas abordados pelo autor.

O Trágico e Outras Comédias

Verônica Stigger (7Letras, 2004) O livro de estreia da escritora, publicado originalmente pela editora portuguesa Angelus Novus, em 2003, reúne 17 contos que se assemelham a parábolas com tom excêntrico.

Matriuska

Sidney Rocha (Iluminuras, 2009) Os 18 contos deste que é o primeiro livro do escritor tematizam prostituição, miséria, aborto, ignorância e traição.

Se Eu Fechasse os Olhos Agora

Edney Silvestre (Record, 2009) Em sua estreia na ficção, o jornalista Edney Silvestre trata das arbitrariedades, torturas e crimes políticos que aconteceram durante a ditadura militar brasileira. Em 2010, o livro foi eleito Melhor Romance no Prêmio Jabuti e ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura na Categoria Estreante.

Método Prático da Guerrilha

Marcelo Ferroni (Cia. das Letras, 2010) Em seu primeiro romance, o editor recria a última expedição de Che Guevara, na Bolívia. O thriller de espionagem, que mistura ficção com dados do diário de Che e relatórios, aponta as contradições da prática revolucionária. Venceu a edição de 2011 do Prêmio São Paulo de Literatura como autor estreante.

Produção internacional

Feiras literárias e publicações de autores brasileiros no exterior aumentam a repercussão de obras genuinamente nacionais

O destaque da literatura brasileira em cinco importantes eventos literários internacionais e as recentes traduções


de obras de vários autores são indícios da maior visibilidade da nossa produção no exterior. Maior e mais relevante feira do mercado editorial internacional, a Feira do Livro de Frankfurt terá o Brasil como país homenageado da edição de 2013. Nove escritores, entre eles Andrea del Fuego, Cristóvão Tezza, Michel Laub e Milton Hatoum, representarão a literatura contemporânea nacional. Participam também do evento 46 editoras com catálogos de 2.596 títulos. Em 2012, a Feira Internacional do Livro de Bogotá teve um pavilhão dedicado ao país, que também será convidado de honra do Salão do Livro de Paris em 2014, da Feira de Bolonha em 2015 e da Feira de Londres em 2016.

Paralelamente a esses eventos, há um esforço governamental para que as obras brasileiras sejam difundidas lá fora. Além dos cerca de 26 milhões de reais investidos no programa brasileiro da Feira do Livro de Frankfurt de 2013, o Ministério de Cultura pretende destinar mais 90 milhões de reais até 2020 para que a divulgação da cultura do país tenha continuidade após a feira, afirmou o presidente do Comitê Organizador da Feira de Frankfurt, Galeno Amorim, durante a apresentação das atividades para o evento. Entre as ações, a Fundação Biblioteca Nacional investirá dois milhões e 700 mil reais para cobrir custos de tradução, publicação e distribuição, no exterior, de obras de autores brasileiros.

O volume de traduções de autores brasileiros no exterior em 2013 ilustra o momento favorável da literatura nacional. O romance de Francisco Azevedo O Arroz de Palma será traduzido para 11 idiomas e publicado por editoras importantes, como a Espasa Calpa, do Grupo Planeta, na Espanha. Edney Silvestre, que teve o seu primeiro romance, Se Eu Fechar os Olhos Agora, vendido para sete países, será lançado na França e na Grã-Bretanha, pela Belfond e pela Transworld/Doubleday. Último romance de Michel Laub, O Diário da Queda será traduzido para nove países, que incluem Estados Unidos, França, Alemanha, Itália e Espanha. A agente literária Luciana Villas-Boas, fundadora da VBM Agência e Consultoria Literária, diz que O Senhor do Lado Esquerdo, de Alberto Mussa, será publicado na Itália, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Já Ronaldo Wrobel e Rafael Cardoso serão lançados na Alemanha, e Cidade Livre, de João Almino, acaba de sair na França sob o título de Hôtel Brasilia.

A revista britânica Granta lançou durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2012 o livro Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros, primeira edição nacional desta que é uma das mais respeitadas publicações voltadas aos jovens escritores no Reino Unido e nos Estados Unidos. A obra reúne textos de 20 autores, entre os escolhidos estão Daniel Galera, Tatiana Salem Levy, Leandro Sarmatz, Michel Laub e Ricardo Lísias.

Para a agente literária Lucia Riff, apesar do cenário otimista, a literatura brasileira ainda enfrenta muitas dificuldades no exterior. “Poucos são os editores que leem o português, poucos são os tradutores, mas se compararmos com o quadro de alguns anos atrás a situação é infinitamente mais favorável”, diz. “Um dos motivos é, sem dúvida, a existência da bolsa de tradução da Biblioteca Nacional”, diz. Segundo ela, os arquivos eletrônicos de livros, ou PDFs, também facilitaram e baratearam muito o processo de negociação de títulos, que antes dependia do envio de exemplares físicos para editores.

Apesar de reconhecer que eventos e publicações internacionais possam contribuir para que os autores brasileiros tenham maior visibilidade fora do Brasil, o crítico literário Manuel da Costa Pinto não acredita que a literatura brasileira esteja vivendo um bom momento no exterior. “A Feira de Frankfurt fez com que muitos autores tivessem os direitos de suas obras vendidos para publicação em outros países, mas tudo é muito incipiente, são anúncios de compras esparsas de direito autoral de algumas obras, não mais do que isso”, diz. Segundo ele, não há um programa sistemático e um interesse estável pela literatura brasileira no exterior. “Há uns quatro anos, li uma pesquisa sobre literatura brasileira publicada na França, e naquela época o João Cabral de Mello Neto nunca tinha sido publicado em francês. Ainda temos lacunas muito grandes na internacionalização da nossa literatura”, afirma.