Postado em
Olho de achar
Por: Ana Luisa Sirota
Pega o coador pra mim? Está na gaveta.
– Olhei e não está lá...
– Como não? Aqui está...
– Ué? Onde você achou?
– Lá onde eu falei. É que você não procurou com “olho de achar”.
Depois que ouvi esta expressão pela primeira vez, nunca mais deixei de pensar nela ao me deparar com a cotidiana situação de precisar procurar por alguma coisa: um utensílio da cozinha, um par de brincos que há muito tempo não usava, o guarda-chuva depois do mês de setembro, um texto xerocado na época da faculdade. Quando olhamos com ‘olhos de achar’, pensamos firmemente naquilo que queremos encontrar, procurando enumerar suas características e qualidades, os possíveis espaços que este objeto ocuparia, as relações com o ambiente e, mais importante, quandoolhamos com ‘olhos de achar’, nos permitimos encontrá-lo muitas vezes em lugares inesperados. Percebi que a expressão também me contaminou na maneira de conduzir minhas pesquisas, meu trabalho, criando uma espécie de tônus que abarca tanto a linearidade e método necessários quanto uma dose suficiente de abertura para algo que possa me surpreender, sair da rota, trazer um sentido novo ou complementar.Ao refletir sobre o momento favorável aos novos escritores brasileiros,que cada vez mais ganham visibilidade no cenário nacional e estrangeiro, um processo ainda a sefortalecer, não deixo de pensar na convergência dos muitos ‘olhos de achar’ envolvidos nesta ocasião: o olhar do editor, do crítico, do mercado, do acadêmico, o olhar das políticas públicas e privadas em torno do estímulo à leitura, o olhar do leitor. E é a partir desta ponta do processo, na formação do leitor, que vejo a mola propulsora para a afirmação de toda esta cadeia quemostra sinais de harmonia na orquestração, no encontro de interesses, propiciando o destaque desta produção.
Aos poucos, o ‘olho de achar’ do leitor torna-se hábito, manifestando-se no encontro, na troca,ou na introspecção da leitura solitária. Um trabalho composto por várias instâncias, onde se localiza a presença do Sesc, alimentando ações como a oferta do livro em ambiente adequado e convidativo à leitura, a criação de estratégias de mediação e a aproximação destas vozes por meio da circulação dos escritores, novos e consagrados. Uma apropriação da palavra que transborda muitas vezes para outras linguagens artísticas, como o cinema, o teatro, as artes visuais, a música; o contato com as novas tecnologias, que ao invés de suprimirem a presença do livro, potencializam cada vez mais a possibilidade de que estas narrativas se propaguem e cheguem mais longe.
Neste encontro de olhares, a nova geração de escritores brasileiros se reflete e se funde com anova geração de leitores brasileiros.
ANA LUISA SIROTA, formada em Educação Artística, é assistente técnica para a área de Literatura e Bibliotecas da Gerência de Ação Cultural do Sesc.