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Saúde sem poluição

Por: Mariana Matera Veras

A pesquisadora Mariana Matera Veras trabalha no laboratório de poluição atmosférica experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). A bióloga atua nos grupos de pesquisa ligados às ciências morfofuncionais, às doenças respiratórias e de poluição atmosférica e à biologia da matriz extracelular, com o objetivo maior de mostrar que a saúde humana deve ser considerada em estudos sobre o impacto ambiental. Em encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, a convidada desta edição falou sobre o trabalho que desenvolve com base em modelos animais, apontou o alto risco de saúde ao qual está exposto o cidadão que vive nos centros urbanos, chamou a atenção para a importância da inspeção veicular e deu algumas alternativas de prevenção contra os males decorrentes da poluição. “A gente cria esses animais [camundongos] para poder estudar os mecanismos, entender como a poluição do ar está agindo dentro do corpo”, afirma. “Meu papel principal é esse, embora trabalhe também na parte de valoração do quanto a poluição do ar em São Paulo custa em termos de saúde.” A seguir, trechos.

Objeto de estudo

O nosso laboratório é multifuncional. A gente faz desde pesquisa com estudos epidemiológicos, ambientais, de biomonitoramento, educação ambiental até pesquisa clínica e experimental. No entanto, a minha especialidade é a parte experimental e tenho por função criar modelos animais par estudar aquilo que acontece com as pessoas nos grandes centros urbanos. Por exemplo, se quero estudar a aterosclerose [obstrução de vasos sanguíneos por meio de placas] na população e relacioná-la com a poluição do ar, desenvolvo um modelo de camundongo que tenha predisposição àdoença. Formulo uma dieta baseada na vida humana. Há pessoas que se alimentam de forma saudável, há outras que se alimentam inadequadamente. Então, a gente cria esses animais para poder estudar os mecanismos, entender como a poluição do ar está agindo dentro do corpo.Meu papel principal é esse, embora trabalhe também na parte de valoração do quanto a poluição do ar em São Paulo custa em termos de saúde.

Na região metropolitana de São Paulo a gente conta com 50 mil indústrias, algumas com potencialpoluidor; 8,5 milhões de veículos, quase um para cada duas pessoas e, como diz o professor [doutor Paulo Saldiva, médico especializado nas áreas de anatomia patológica, fisiopatologia pulmonar, doenças respiratórias e saúde ambiental e ecologia aplicada; líder do grupo de pesquisa que Mariana integra], “criança e doente não dirigem”, então a gente tem quase dois carros para cada habitante. Qualquer um que passear por São Paulo vai perceber que os grandes problemas são oscarros, seguidos por motocicletas e os demais veículos a diesel. Temos uma frota de 470 helicópteros – essa informação para mim é fantástica –, maior que a de Nova York. Será que é para se sentir feliz? Triste? Desconfortável? Só por curiosidade, temos 17 mil jet skis. Isso é muito, éum absurdo. Polui bastante.

Nos últimos 10 anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) vem dizendo que a poluição do ar é umdos principais problemas dos centros urbanos e disso a gente não tem a menor dúvida. A questão é que 50% da população do mundo vive em cidades. São 7 bilhões de seres humanos, então são 3,5 bilhões de pessoas sendo afetadas por questões de poluição do ar. É um problema gigantesco. A Ásia e a África, nas quais estão justamente os países mais pobres, menos desenvolvidos, com legislação de ar bem permissiva, são os locais onde há o maior nível de poluição, menor conhecimento científico e a maior parte da população. Então se eu pensar em termos de saúde, esse custo é altíssimo.

A OECD [Organisation for Economic Co-operation and Development – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] fez uma projeção para saber quais eram os principais fatores causadores de mortes prematuras. Dos cinco selecionados, a poluição do ar aparece em três posições. Essa poluição aqui seria a presente em componentes gasosos (material particulado). Esse pequenomaterial é o grande vilão, junto com o ozônio. Uma partícula dessas tem em torno de 2,5 micrômetros. Um micrômetro equivale a um milímetro dividido por mil, vezes dois e meio. A sua capacidade de penetração nos nossos pulmões é enorme. Essa partícula é composta, de maneira geral, por um núcleo de carbono, pela queima do combustível ou pela queima de biomassa. Quer dizer, há um núcleo de carbono e em torno dele vão aderindo outras substâncias, como metais pesados, hidrocarbonetos, compostos orgânicos voláteis, então essa partícula é uma bombinha. Em 2010 estimou-s que 1,5 milhão de pessoas morreram prematuramente por causa dessa poluição. Em 2030, 2 milhões e, em 2050, a projeção é de 3,5 milhões. Então o nosso cenário, em vez de melhorar, tende a piorar.

Problema ambulante

Nós desenvolvemos também um trabalho com base na inspeção veicular. Embora desagrade muita gente, ela é importante em termos de saúde. Acho que desagrada no sentido de que achamos que tem sempre alguém levando dinheiro com isso. Mas em termos de saúde ela foi muito significativa para a nossa cidade. Em uma inspeção de veículo a diesel, utilizamos o material particulado como referência de exposição, porque, na área médica, é a este material particulado que a maioria dos efeitos de saúde que se agravam estão associados. Se você correlaciona um poluente e um problema de saúde, o material particulado é sempre o principal. Seguido pelo ozônio.

Apenas 58% dos veículos que seriam obrigados a realizar a inspeção a fizeram. O pessoal foge defazer inspeção. Os que fizeram a sua parte ajudaram a reduzir em 7% as emissões na cidade. Somente essa redução evitou 252 mortes e 298 internações. O custo dessas internações e doenças somaum total de R$ 1.740.000,00 e, em termos de mortalidade, quase U$ 40 milhões. Isso em um ano! Então projete isso para os demais anos. Se toda a frota tivesse comparecido para fazer a inspeção, seria praticamente o dobro. Se tivéssemos 100% de comparecimento, seria uma economia bem grande em termos de saúde.

Prevenção

A única coisa que a gente sabe para evitar o mal da poluição é fazer atividade física, que tem poder anti-inflamatório – se a poluição inflama, o exercício desinflama, não existe remédio para a poluição. O negócio é mudar a atitude, alterar o nosso sistema de transporte. Não é uma questão que um médico vai poder resolver em um consultório. Tanto os cidadãos quanto os governantes precisam mudar, não está somente ao alcance do hospital. O hospital só pode tratar dos efeitos, mas resolver o problema está nas ações individuais e nas políticas públicas.