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A história de um vilão

Tomate tutorado: indispensável e sem substituto na mesa / Foto: Mauro Zafalon/Folhapress
Tomate tutorado: indispensável e sem substituto na mesa / Foto: Mauro Zafalon/Folhapress

Por: MIGUEL NÍTOLO

Ele é vermelho e alaranjado em menor proporção, mas podia ser verde ou preto porque, a exemplo de uma infinidade de outros frutos de grande aceitação, também teria presença garantida na mesa do brasileiro. Na verdade, é largamente apreciado nos quatro cantos do planeta, uma admiração que aumenta ano após ano e faz crescer sua participação no mercado mundial de alimentos. Fruto que leva jeito de legume e é cultivado como hortaliça, o tomate, que integra a família Solanaceae – espécie vegetal da qual fazem parte, entre tantos outros, a batata, a berinjela, o pepino, a pimenta e o tabaco –, ganhou definitivamente espaço na salada e em outros preparos gastronômicos, sendo hoje um produto indispensável na mesa, na forma natural ou industrializada (geleia, ketchup, molho e suco), ou ainda como coadjuvante em cremes, massas, purês, sopas e tortas.

Essa condição de alimento essencial ficou patente nos primeiros meses de 2013, quando, no Brasil, o preço do fruto roçou as nuvens, pondo em polvorosa as donas de casa. De janeiro a março daquele ano, o produto experimentou uma alta de 70%, tendo alcançado em algumas regiões a escandalosa cotação de R$ 12 o quilo no varejo. Essa disparada de preços motivou o surgimento de piadas na internet do tipo: “se você vir alguém rindo sozinho, o sujeito alegre certamente é tomateiro”, ou, ainda, “vamos fazer um churrasco de tomate no fim de semana, mas cada um leva o seu”.

Na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), em Sorocaba, a caixa com 22 quilos do fruto, que normalmente custa R$ 30, atingiu o pico de R$ 130, alta de 433%, informou no dia 5 de abril do ano passado o jornal “Cruzeiro do Sul”, daquela cidade. Com 630 mil habitantes e a cem quilômetros da cidade de São Paulo, o município fica próximo da região onde o tomate é produzido em larga escala no interior paulista. Ribeirão Branco, de 18 mil habitantes a 196 quilômetros de Sorocaba, desponta como um dos maiores cultivadores do fruto no país, e a alta dos preços teve o condão de ativar o comércio local, elevando as vendas de produtos e equipamentos agrícolas e de bens de consumo em geral (o tomate é tão importante para os ribeirão-branquenses que está estampado no brasão do município).

Com mil hectares de área plantada, a região produz 15 milhões de tomates anualmente, produto que é amplamente comercializado in natura. No ano passado, quando os valores de mercado do fruto subiram como rojão, ele passou a ser disputado até por larápios, que transformaram o produto em alvo de suas ações. Alguns agricultores daquele município chegaram a contratar seguranças para proteger os galpões onde os tomates colhidos são armazenados. Justificavam-se com o argumento de que, ao contrário de outros tempos, quando os amigos do alheio visitavam as propriedades rurais com o propósito de furtar insumos agrícolas e defensivos, “agora eles vêm atrás do nosso de tomate”.

Fermento na inflação

Os agricultores de São Paulo, que ocupam posição de realce no setor com a participação de quase 18% da produção nacional, haviam reduzido a oferta com a intenção de manter os preços em alta, evitando assim a repetição de queda do faturamento experimentada em 2012. Acontece que as chuvas torrenciais que caíram sobre as regiões produtoras de Goiás (responsável por pouco mais de 30% da oferta do fruto em área cultivada de 14,5 mil hectares em 2013) e Paraná (7%), azedaram a situação, puxando para baixo a produção, catapultando os valores de mercado do tomate e adicionando fermento à inflação.

Mais ou menos como se deu com o chuchu em 1977, o vilão da alta da cesta básica no período. O aumento dos preços em março daquele ano chegou a 4%, superando os 3,8% de janeiro e os 3,2% de fevereiro. Como o acumulado do trimestre já havia batido em 11%, a meta estipulada por Mário Henrique Simonsen, então ministro da Fazenda do governo de Ernesto Geisel, de fechar aquele ano com uma inflação de 35% corria o sério risco de ir por água abaixo (como de fato foi: o índice cravou em 38,78%). “O principal motivo é a entressafra das hortaliças, legumes e frutas, que vai geralmente de janeiro a abril”, justificou-se Simonsen, garantindo que “a partir de maio, os preços despencam e sua influência na taxa inflacionária também se reduz à menor expressão”. O ministro rebatia os críticos afirmando que a inflação estava isolada e localizada. “E o diabo é que não se trata de inflação de demanda ou de custo. É inflação de chuchu mesmo”, diria para a imprensa.

As explicações técnicas normalmente não satisfazem o consumidor, que está mais preocupado com o bolso do que, propriamente, com as razões brandidas pelas autoridades. E, da mesma forma, pouco importa para eles as medidas tomadas pelos produtores com vistas a manter o preço em alta. Por exemplo, no início deste ano, devido ao excesso de oferta (aumentaram a área plantada estimulados pelos bons resultados de 2013), vários dos milhares de tomaticultores paulistas, que alegavam prejuízos com a safra, tornando inviável o encaminhamento do fruto aos centros consumidores, passaram a descartar o produto no acostamento de estradas vicinais. Um panorama parecido com o experimentado em 2012, quando alguns plantadores preferiram deixar de colher o fruto por causa do preço baixo pago pelo mercado.

“O caso do tomate é complicado, pois se trata de um produto único, que não tem substituto à altura, sendo indispensável na mesa como acompanhante da alface e de outras verduras”, diz a cozinheira paulista Tereza Pinto de Oliveira, destacando que a dona de casa pode até lançar mão da beterraba, do nabo e do rabanete, mas não é a mesma coisa. Ela lembra que, no exemplo da elevação brusca do preço da carne bovina, como já aconteceu várias vezes no passado, o consumidor tem a opção de levar para casa carne de frango ou de porco. Ou, então, mudar radicalmente o cardápio até as coisas melhorarem. Mas nem sempre isso é possível. Tereza ilustra seu raciocínio com outra comparação. “Se, porventura, a oferta ou o preço do leite sofrer alguma derrapagem, eu encontraria dificuldades para substituí-lo por outro alimento. Assim é com o tomate”. Faltou dizer que, além de produto inigualável, ele é rico em vitaminas A, C e complexo B9, em cálcio, licopeno (dá a cor vermelha ao fruto), betacaroteno (responsável pela coloração alaranjada), magnésio, sódio e potássio, e ainda tem o dom de prevenir algumas doenças (câncer de mama, ovário e próstata), reduzir o colesterol e ajudar no fortalecimento do sistema imunológico.

Confundido com veneno

Todos gostam do fruto do tomateiro, que é plantado preferencialmente por meio de mudas e cuja colheita se dá entre três meses e cem dias, e sentem sua falta quando ele deixa de ser servido nas refeições; todavia, são poucos os brasileiros com pleno conhecimento das particularidades que cercam seu cultivo no país. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2013 a produção do fruto em território nacional alcançou 3,8 milhões de toneladas, um crescimento da ordem de 5,2% na comparação com a oferta de 2012. Esse avanço deve-se, em grande parte, à ampliação da área plantada, que passou de 55,9 mil hectares para 58,7 mil hectares de um ano para o outro. Na verdade, a porção de área cultivada é fortemente influenciada pelas intempéries e pelos custos de produção, situação que, vez por outra, leva tradicionais plantadores de tomate a optarem por outras culturas, como a do morango. Neste início de ano, por exemplo, a produção foi fortemente prejudicada pela estiagem em algumas regiões, fato que provocou uma pequena alta, remarcação de preço que invariavelmente remete o pensamento do consumidor aos primeiros meses do ano passado.

Natural dos Andes, mas que só ganhou importância quando começou a ser cultivado no México, séculos atrás, o tomate (que era considerado venenoso e, por isso, passou anos ornamentando ambientes na Europa antes de chegar à mesa), ocupa no Brasil – no campo e na indústria – a mão de obra de milhares de pessoas. Isso coloca o país em 8º lugar num ranking em que a China ocupa a liderança disparada, segundo informações divulgadas em 2008 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A expansão do plantio em Goiás, com o consequente aumento de produtividade, tem tudo a ver com o incremento da demanda do fruto em território brasileiro. Mais de 40 municípios estão envolvidos com a sua cultura, investindo em tecnologia e no desenvolvimento de variedades mais produtivas, iniciativas que permitiram ao estado um crescimento acima da média do setor, nada comparável mesmo em nível mundial.

“A produção de tomate em Goiás, em 2012, segundo o IBGE, foi de 1.157.078 toneladas em área plantada de 14.028 hectares”, cita Alípio Magalhães de Oliveira, supervisor de agricultura da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) do Estado de Goiás. Ele lembra que o estado atua tanto na produção de tomate tutorado (de mesa), quanto na do grupo rasteiro, próprio para industrialização, segmento que ocupa no país a liderança soberana no cultivo e processamento. Naquele ano o país foi considerado líder absoluto, impulsionado pela produção do próprio estado de Goiás que participou com 72,3% da oferta nacional, seguido por São Paulo, com 20,6% e Minas Gerais, com 5,20%. No município de Cristalina, a 284 quilômetros de Goiânia, 2.568 hectares disponíveis para cultivo são produzidos tomates para uso industrial.

Ainda considerando dados de 2012, graças aos produtores goianos, o Brasil ofertava, à época, 1,2 milhão de tonelada, correspondente a 4% da produção total de tomate rasteiro, segmento que era liderado pelos Estados Unidos (estado da Califórnia), com 11,4 milhões de toneladas, seguido pela Itália (4,5 milhões), China (3,2 milhões), Espanha (1,98 milhão), Irã (1,8 milhão) e Turquia (1,75 milhão). Em quatro oportunidades a oferta do fruto para processamento industrial no Brasil superou a marca daquele ano: em 2003 (1,25 milhão de tonelada), em 2007 (1,29 milhão), em 2010 (1,79 milhão) e em 2011 (1,59 milhão).

Frutos mais resistentes

O supervisor da Emater de Goiás faz menção a outros municípios do estado onde a cultura do tomate também é representativa, caso de Morrinhos (1.700 hectares cultivados), Itaberaí (1.100), Turvânia (677), Vianópolis (655) e Silvânia (550). “Em função do crescimento da área plantada, o estado recebeu importantes investimentos em unidades processadoras, a exemplo da Unilever Bestfoods, em Goiânia; Goialli, em Goianésia; Goiás Verde, em Luziânia, e Coniexpress, em Nerópolis”, observa ele, ressaltando que produtos como os molhos de tomate das marcas Pomarola, Elefante, Predilecta, Olé e Quero são fabricados no estado. O crescimento do consumo de “tomatados” vem aumentando no Brasil, assim como na África, Oriente Médio, Rússia e Ucrânia. Sabe-se que apenas a Comunidade Europeia e os Estados Unidos absorvem, anualmente, 21 milhões de toneladas dessa espécie rasteira contra 19 milhões de toneladas do resto do mundo.

Curiosamente, no Brasil o tomate para industrialização começou a ganhar popularidade no fim do século 18, e não foi em Goiás, mas em Pernambuco que surgiram as primeiras plantações. O grande impulso seria dado em meados do último século, quando São Paulo passou a investir nesse grupo, criando condições para a instalação de unidades processadoras no estado. Nos anos 1980, a cultura do tomate rasteiro expandiu-se na direção do nordeste, recuando tempos mais tarde por causa, dentre outros motivos, do ataque da traça-do-tomateiro (a doença destrói completamente as folhas da planta e torna imprestável o fruto). Foi no centro-oeste, onde o clima é favorável, que o cultivo do tomate para processamento encontrou terreno fértil para se desenvolver, transformando o solo goiano em grande aliado. A disponibilidade de mão de obra local se revelou outro interessante atrativo para o setor, além do entrosamento entre produtores e indústrias.

Contrastando com o papel de relevância na produção de tomate rasteiro, a presença de Goiás no mercado da espécie de mesa (tutorado) ainda é pequena em relação à oferta de outros estados produtores. “Tem pouca expressão, considerando que a área plantada gira em torno de apenas 1.099 hectares, e os principais municípios produtores são: Santa Rosa de Goiás (120 hectares), Corumbá de Goiás (110), Catalão (105) e Goianápolis (100)”, informa o técnico da Emater. Este último é a terra do cantor sertanejo Leonardo (Emival Eterno da Costa), que, antes de se lançar como cantor em dupla com o irmão Leandro (Luís José Costa), já falecido, trabalhava na lavoura de tomate. Tido, outrora, como a “Capital do Tomate”, Goianápolis perdeu esse título devido a problemas fitossanitários que fizeram a cultura migrar para outras regiões. “O município chegou a ter uma área cultivada com tomate tutorado superior a mil hectares”, diz Oliveira.

Tomando-se por exemplo o que aconteceu em Goianápolis é fácil concluir que os maiores problemas enfrentados pelos produtores do setor, de um modo geral, são de ordem fitossanitária. São muitas as doenças que atacam o tomateiro, levando à queda da produtividade e à baixa qualidade do fruto, e os agentes mais frequentes das anomalias (crescimento deficiente, murcha, manchas e mofos) são bactérias, fungos, nematoides e vírus. Mas nem tudo são espinhos, a Embrapa Hortaliça, uma divisão da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, tem uma boa notícia: pesquisa conduzida pela instituição em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) deverá, nos próximos anos, reduzir os impactos de uma das principais doenças do tomateiro, o vira-cabeça, culminando com o desenvolvimento de variedades de frutos mais resistentes. Causada por tospovírus, a moléstia leva ao arroxeamento ou bronzeamento das folhas do tomateiro, afetando o porte da planta, provocando lesões necróticas nas hastes e ocasionando machucaduras nos frutos maduros. A alta incidência de pragas e doenças nas culturas de hortaliças no Brasil se deve à condição climática de país tropical, fator que interfere na maturação da planta e na qualidade da produção.

Meses atrás, a Embrapa Hortaliça surpreendeu o mercado com outra novidade: o desenvolvimento de um tomate com alta proporção do carotenoide licopeno (em torno de 114 miligramas por quilo de peso), antioxidante eficaz na prevenção de doenças que nos humanos causam degeneração e problemas cardiovasculares. O produto (híbrido F1 BRS Zamir, cultivar do tipo cereja alongado) representa uma nova linhagem de tomates melhorados em termos nutricionais. Ele mantém as características de coloração, paladar e textura, propriedades que fazem do fruto um dos mais saborosos do segmento grape.

 


 

A guerra do tomate

A exemplo do que se vê na Espanha, onde a cidade de Buñol promove uma grande farra com o fruto, que vira arma nas mãos dos participantes, no Brasil alguns municípios também incluíram em seus calendários festas em reverência ao fruto – só que, por enquanto, sem a batalha que tinge tudo de vermelho, a característica marcante do acontecimento em solo europeu. O município fluminense de São José de Ubá, de 7 mil habitantes, realizou no ano passado, entre os dias 29 de agosto e 1º de setembro, a “Festa do Tomate”, uma repetição de eventos similares feitos em anos anteriores, com a apresentação de duplas sertanejas e, desta vez, competições de Off Road e Motocross. “Vans e ônibus de cidades vizinhas trouxeram turistas para apreciar os shows”, informou na oportunidade o poder público local. “Os jipes e as motos levantaram poeira e o povo, que lotou o ambiente, vibrou”.

A 290 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, e conhecida como a “Capital do Tomate”, o pequeno São José de Ubá, emancipado em dezembro de 1995, tem uma particularidade que o torna diferente dos outros municípios brasileiros: a maioria da população local mora na zona rural, em pequenas propriedades e vilas, e tem por ocupação, essencialmente, o plantio de tomate, pepino e pimentão, entre outras culturas, e a criação de gado leiteiro.

Em Buñol, na província de Valência, a festa é conhecida como “La Tomatina”, bagunça que reúne na última quarta-feira do mês de agosto milhares de foliões que ocupam a pequena cidade e transformam suas ruas em verdadeira praça de guerra. Em apenas 60 minutos, contados a partir da 11 horas, eles arremessam tomates envelhecidos (passados) uns contra os outros. No ano passado, segundo a imprensa, foram utilizadas com esse propósito cem toneladas do fruto.