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Sim, Sim, Sim: Beat Generation


Relançamentos e novas edições sobre a temática beat e seus autores fomentam o interesse do público por essa geração


Iniciada como uma articulação local que impactou a cultura norte-americana nos anos 1950, a geração beat – nome referente ao grupo de jovens autores que revolucionaram a literatura e também influenciaram o cinema, a música e a fotografia – tornou-se um fenômeno cultural que espalha suas raízes e estimula criativa e socialmente pessoas ao redor do mundo num fluxo constante. Espécie de pais do movimento hippie dos anos 1960, esses autores evidenciaram assuntos tabus, direitos civis, liberdade sexual e uso de drogas. Depois de mais de 60 anos, o grupo tem seu significado renovado em cada leitor que se perde nas linhas escritas por Jack Kerouac, Allen Ginsberg, William Burroughs, Gregory Corso e Gary Snyder, entre outros.
Um dos pesquisadores mais conceituados no assunto e autor de Geração Beat (Editora L&PM, 2009), Claudio Willer afirma que tem visto bons ensaios acadêmicos de estudiosos brasileiros, publicação de bibliografia de qualidade e, em decorrência, o aumento do interesse do público. “Tenho notícias de grupos de leitores dos beats em várias localidades. Por exemplo, um projeto de proclamar Canoas, no Rio Grande do Sul, como ‘cidade beat’, com eventos e manifestações. Isso ocorre paralelamente ao aumento das edições brasileiras de autores beat”, explica. “Para chegar até aqui, constatamos a origem da expressão beat generation em 1948, numa conversa entre Kerouac e John Clellon Holmes, enquanto discutiam a natureza das gerações, lembrando o glamour da lost generation, ao que Kerouac retrucou: ‘Ah, isso não passa de uma geração beat’.” O registro desse encontro foi confirmado por Ginsberg no prefácio da obra The Beat Book, Poems and Fiction of the Beat Generation (Boston, Shambhala, 1996).

Interlocuções
O eco beat trouxe consigo várias interpretações. Pode ser o som da batida do jazz, representado por Ginsberg, que levou a improvisação do gênero musical para a poesia – transitando entre o erudito e o marginal –, ou a derivação beatnik, que ecoava uma ironia usada pela imprensa no final da década de 1950 para nomear os jovens que reproduziam o estilo e a atitude dos beats, ajudando a disseminar sua estética.
O cinema também se encantou pelo movimento, embora, na opinião de Willer, a relação tenha sido complicada no começo, devido a produções que ele considera ruins. “Como a adaptação do livro Os Subterrâneos, de Jack Kerouac.” Uma das transposições mais conhecidas é a de Na Estrada (Walter Salles, 2012), que gerou expectativas e dividiu opiniões por adaptar a obra seminal dessa vertente.
A primeira versão de On the Road (Na Estrada), de Kerouac, data de 1951 e foi escrita em três semanas e publicado originalmente em 1957. O filme de Salles narra o ciclo de viagens de Kerouac entre 1947-1950, indo de Nova York a Chicago de ônibus, e de carona em carona até Denver, no estado do Colorado, onde encontrou Neal Cassady e Ginsberg, passando pela Califórnia, Carolina do Norte, Luisiana, Texas até atravessar a fronteira com o México. Kerouac encontrou amigos e desconhecidos em ziguezague pelo território norte-americano, numa viagem territorial e espiritual que tanto simboliza o grupo.
Esse conceito de liberdade, aventura e pé na estrada é muito utilizado na literatura contemporânea e foi assimilado pelo cinema por meio do road movie. Para a pesquisadora da obra de Walter Salles e professora de Rádio e TV no Fiam-Faam Centro Universitário Cyntia Gomes Calhado, “a leitura que Salles faz de Na Estrada é, ao mesmo tempo, fiel à obra literária e ao projeto estético-autoral do cineasta, já que inclui a busca da identidade por meio da travessia, que se realiza cinematograficamente na incursão do filme no gênero road movie.”
O jornalista e crítico de cinema Sérgio Rizzo explica que reminiscências estéticas e ideológicas do movimento beat foram mais fortes nos Estados Unidos e atingiram, entre outros, a geração de cineastas que começou a trabalhar na década de 1960 e protagonizou a ascensão da nova Hollywood. “Como Francis Coppola, que comprou os direitos de adaptação de Na Estrada”, diz. “De modo mais genérico, os filmes de estrada talvez sejam o campo em que mais se pode enxergar a herança beatnik, mesmo que eventualmente seus realizadores não tenham consciência disso.”

Amizade e rebelião romântica
Ginsberg e Kerouac eram as vozes ativas da geração beat, enquanto William Burroughs mostrava-se um conselheiro, orientando a ambos por conversas e cartas. A amizade entre os escritores era apontada como maior do que a plataforma defendida pelo movimento literário. O passar do tempo veio a acentuar as diferenças intelectuais entre os dois, mas Ginsberg foi fiel a Kerouac, além de sempre citar o amigo em palestras e textos escritos durante a vida. Kerouac nasceu em 1922 e morreu em 1969, enquanto Ginsberg nasceu em 1926 e chegou a dar aulas a partir dos anos 1970, viajando e produzindo ativamente até 1997, ano de sua morte.
Os beats impulsionaram a contracultura e rebeliões juvenis a partir da década de 1960, além de adotarem uma posição política libertária. “Beat é continuação da rebelião romântica”, define Willer, atentando para a recusa da sociedade burguesa e também do socialismo no modo autoritário, sendo diversas as possibilidades de associações na política. “Lembro que na época em que surge a geração beat, é publicado Eros e Civilização, de Herbert Marcuse – além de outras obras e manifestações que recusavam a polaridade imposta pela guerra fria. Os beats contribuíram decisivamente para o crescimento de temas que até então eram minoritários ou considerados excêntricos: defesa do meio ambiente, dos gêneros e orientações sexuais, da diversidade e tolerância. A liberação de obras de Ginsberg e de Burroughs constitui-se em capítulos especialmente importantes da luta contra a censura”, completa. A favor da liberdade criativa e de ação, os autores e atores desse momento histórico ainda encantam gerações com sua postura e forma de ver o mundo, estampadas com força nas páginas de seus livros.

BOXE 1 - Caderno de viagens

Embarque na onda beat com a ajuda de obras e criadores que contribuíram para sua disseminação


Fotografia
Robert Frank era amigo de Ginsberg e Kerouac e considerado o fotógrafo beat. Sua obra-chave é o livro The Americans (Chicago University Press), lançado em 1958 na França e, no ano seguinte, nos Estados Unidos. A publicação reúne imagens feitas em viagens pelos Estados Unidos. Frank dirigiu o curta Pull My Daisy, escrito e narrado por Kerouac, com participação de Ginsberg e outros poetas. O fotógrafo está com 90 anos e vive na Suíça.

Música
Em 2013, Lou Reed (1942-2013) homenageou Ginsberg tocando faixas do álbum duplo First Blues, de 1983, gravado pelo poeta. Por sua vez, Ginsberg gravou com a banda de punk rock inglesa The Clash, em 1981, o poema Capitol Air. Compôs com Joe Strummer (1952-2002) a música Ghetto Defendant, parte do disco Combate Rock (1981). Paul McCartney e Philip Glass musicaram o poema The Ballad of the Skeletons (Allen Ginsberg). Em 1966 essa faixa foi lançada como single (pela Mercory Records) com Ginsberg nos vocais e Glass nos teclados.

Literatura
Claudio Willer cita bons lançamentos internacionais e nacionais sobre a geração beat: “Esse trem bibliográfico que é The Beat Generation: a Gale Critical Companion (Gale, 2003), em três enormes volumes. Mais recentemente, esse trabalho que considero monumental, a biografia de William Burroughs por Barry Miles, Call me Burroughs: A Life (Editora Grand Central, 2015). No Brasil, os ensaios que acompanham On the Road – O Manuscrito Original, de Howard Cunnell, Penny Vlagopoulos, George Mouratidis e Joshua Kupetz (Editora L&PM, 2008)”.

 

BOXE 2 - Diversidade na cultura e formação
Palestra sobre geração beat é um dos destaques que movimentarão o ano do CPF

O Centro de Pesquisa e Formação (CPF) já iniciou a sua programação com cursos e palestras dos mais diversos temas culturais e de gestão. Em fevereiro, Claudio Willer conversou com o público na palestra Os Rebeldes: Geração Beat e Anarquismo Místico.
A assistente técnica do CPF Ieda Maria de Resende ressalta que em março o curso Da Paródia ao Paradoxo: a Comédia e suas Representações apresentará aspectos da comédia antiga, propiciando um instrumental histórico e investigando as principais formulações do cômico antigo em territórios culturais diversos. “Ainda no mesmo mês, iniciam-se as inscrições para a terceira edição do Curso Sesc de Gestão Cultural, dirigido à qualificação de gestores culturais e profissionais do campo cultural que atuam em instituições públicas, privadas e do terceiro setor, com início previsto para agosto deste ano e finalização para maio de 2016. Em abril, a programação traz o ciclo Funk, Repressão e Cidadania, realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos, que almeja discutir como lidar com as frequentes abordagens policiais nos fluxos, bailes funk de rua frequentados por milhares de jovens da periferia de São Paulo”, enumera Ieda. Para acompanhar a agenda de atividades do CPF, acesse: centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br.