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Universo Racional
Para o DJ dos Racionais MC's ainda é fundamental fortalecer a cena e a cultura do rap no país
NA BATIDA
O mais importante criador de bases do Brasil, KL Jay – Kleber Geraldo Lelis Simões –, reitera a importância de seu trabalho com os Racionais MC’s sem soar nem um pouco arrogante ou presunçoso. Nascido em São Paulo, dedicou grande parte de seus 45 anos de vida à música, ao fortalecimento do rap brasileiro e à atuação do DJ nesse cenário. “Trazendo outras pessoas talentosas para trabalhar junto, você está fortalecendo a cena e automaticamente a cultura. É uma obrigação consciente. Se eu consegui espaço como DJ, por que não fortalecer outros que são talentosos também?”, dispara KL Jay. E desfaz a fama de ranzinza em poucos minutos de conversa. Acompanhe os principais trechos.
QUESTÃO DE ENERGIA
Quando comecei, havia toca-discos profissionais, mas eu não podia comprar um. O que melhorou de lá pra cá foram os equipamentos, toca-discos e mixers. Hoje existe uma variedade grande de equipamentos. Toca-discos profissional só havia um, depois que quebrou a patente surgiram outros. A tecnologia democratizou e facilitou o acesso aos equipamentos e o uso, fazendo com que a profissão de DJ se espalhasse pelo mundo. Tem muita festa, muita gente trabalhando e, consequentemente, o destaque para a música. Tudo isso é por causa da música, independente do estilo, do rock à eletrônica.
É importante não pensar só em você. Ao pensar no outro você faz toda a cultura crescer e expande o mercado. Trazendo outras pessoas talentosas para trabalhar junto, você está fortalecendo a cena e automaticamente a cultura. É uma obrigação consciente. Se eu consegui espaço como DJ, por que não fortalecer outros que são talentosos também? Eu vou fortalecer a ele, a cultura em geral e a mim mesmo, inclusive. É uma questão de energia. Ao ajudar os outros, somos ajudados. É o universo conspirando.
Somos uma cultura que nasceu independente e virou uma empresa bilionária mundial. Existem as gravadoras, a mídia, os programas de TV, a indústria do entretenimento que fortaleceu o Hip Hop no mundo, mas os grandes responsáveis são quem faz, quem escreve, produz a música e faz a batida. Esses têm que ser fortalecidos, porque a música acontece por causa deles.
NA TV
Sempre vejo TV, assisto a noticiários, filmes e acho que tudo que é feito com naturalidade soa melhor, chama a atenção de forma diferente. No Yo! gringo [referência ao programa Yo! MTV Raps da emissora norte-americana que durou dos anos 1980 até 1995] eu via os caras apresentando e eram muito espontâneos. Tinham alto-astral, falavam de coisas sérias, mas eram alegres. Eu me identificava muito com aquilo.
Tem que ter alegria quando se faz arte, mesmo se houver um propósito político e falar de coisa séria. Quando apresentava a versão brasileira do Yo! [KL Jay apresentou o programa na MTV Brasil durante os anos 1990] tive como referência o Yo! apresentado pelo DR. Dre e Ed Lover [rappers norte-americanos]. No meio disso, foi importante me informar, saber me comunicar, porque o grande lance de um apresentador para mim não é pronunciar corretamente as palavras – isso também é importante –, mas é se comunicar de maneira que uma criança de 5 anos e uma pessoa de 80 entendam.
A ideia de me tornar apresentador surgiu numa brincadeira que fiz na MTV. O programa ficou sem um, e eles começaram a convidar rappers. Participei um dia e disse que tinha que ser o apresentador oficial. A direção aprovou e comecei. Eu tinha um problema de fala, e estar no programa foi importante, ajudou a me portar em frente das câmeras, a ser desinibido e perder a vergonha de estar na rua e todo mundo parar para me olhar.
Assisto a TV e pego um pouco de cada um. Penso nos detalhes, busco inspiração em programas legais e crio meu estilo. Acho que me dou bem, porque o pessoal gosta, né? Tem dado muito certo.
REVELAR TALENTOS
O grande lance é revelar talentos e fazer com que os DJs sejam vistos. A maioria deles fica em casa praticando e não aparece em lugar nenhum. Eu acho que o artista tem que estar envolvido com o meio dele, com o ambiente do qual faz parte.
O ator tem que estar no teatro, sentir a atmosfera, o ambiente. O DJ tem que ir ao baile, sentir aquela energia.
Procuro ajudar a revelar essas pessoas. Incentivá-las a continuar na profissão, ser um grande DJ de balada, tocar em festa, pois o sonho de todo DJ é trabalhar tocando, porque uma performance é curta, mas a festa dura uma hora, uma hora e meia. Faz parte da minha missão revelar essas pessoas. Se eu não fizer isso vou morrer frustrado, não terei cumprido o que tenho que fazer.
É uma pena que outros não façam isso, ou poucos façam, mas tem que ser feito, por isso invisto nos campeonatos de DJs e outras atividades.
PILOTO DO BOEING
Treinava mais antes, já fui DJ de performance e participei de campeonato. Hoje pratico menos, mas sempre treino em casa. Se bem que o local do treino é o show, né? É o baile, a festa. Nos Racionais eu costumo falar: sou o piloto do boeing de voo internacional pesadão. Entendeu? Eu sigo a torre de comando. Tenho que estar muito atento ao que eles falam para mim. Mas às vezes a gente erra, eu erro, é normal do ser humano. Nos shows de Hip Hop rolam muitos improvisos. Você não sabe como está o som, como está a casa, se tem mais mulher ou homem, não sabe do clima. Tem lugar em que o clima é tenso, pesado.
Em certos shows eu corto a música e tiro da relação porque sinto que não cabe naquele momento. Às vezes eles cortam [o pessoal dos Racionais]. O Brown [Mano Brown, vocalista dos Racionais] está cantando uma determinada parte e decide parar a música ali. Ele faz um gesto com a mão e acabou, não quer mais cantar. Tenho que estar muito atento nele e isso eu aprendi na prática. O aprendizado é constante.
Sou um cara feliz. Trabalho e ganho dinheiro com o que gosto. Depois da espiritualidade, coloco minha profissão em primeiro lugar. Acho que o melhor está por vir. Muito show pra fazer, muita música pra tocar, muitas pessoas para divertir e alegrar. Sou grato pela posição que ocupo no Hip Hop e tenho vivido as melhores fases da minha vida por vários anos. Ainda quero manter isso por um bom tempo.
“JÁ FUI DJ DE PERFORMANCE E PARTICIPEI DE CAMPEONATO. HOJE PRATICO MENOS, MAS SEMPRE TREINO EM CASA. SE BEM QUE O LOCAL DO TREINO É O SHOW, NÉ? É O BAILE, A FESTA”