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Luís Alberto de Abreu

ENTUSIASTA DO MÉTODO COLABORATIVO NA DRAMATURGIA, LUÍS ALBERTO DE ABREU DIZ QUE AS PESQUISAS INDIVIDUAIS O FORTALECERAM NA TROCA DE EXPERIÊNCIAS ARTÍSTICAS COLETIVAS

Luís Alberto de Abreu tem na escrita uma de suas forças produtivas. Figura expressiva do teatro amador nos anos 1970, desenvolveu trabalhos com Antunes Filho na organização do Núcleo de Dramaturgia no Centro de Pesquisas Teatrais (CPT/Sesc) a partir da década seguinte. Nos anos 1990, encenou dois textos importantes: O Livro de Jó, em processo colaborativo com o Teatro da Vertigem, dirigido por Antônio Araújo, e Lima Barreto, ao Terceiro Dia, montagem dirigida por Aderbal Freire-Filho.
Nos anos 2000, colaborou com o grupo mineiro Galpão e continua, como ele próprio diz, pautando sua “vida na dramaturgia”. Já foi premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 1980, 1982, 1985 e 1996. E a lista não para por aí: também recebeu o Prêmio Mambembe (1995), Prêmio Apetesp (1995) e Prêmio Shell (2004), entre outros. Acompanhe o depoimento a seguir.

INDEPENDENTES
Grupos de atores e teatros independentes são fundamentais, o alicerce do futuro teatral. Se são independentes, significa que não estão satisfeitos com a dependência de formas tradicionais ou fórmulas comerciais. É no seio de alguns desses grupos que se discute e procura uma cena mais eficiente e uma nova relação com o público.

Já o processo coletivo de criação, atualmente chamado de processo colaborativo, aconteceu de forma natural em meu trabalho. Desde minha formação em teatro amador nos anos 1970, as experiências da criação coletiva estavam presentes. O que fiz foi refletir, apurar e buscar tornar mais eficiente o processo. Isso não quer dizer que meu trabalho se restringiu à dramaturgia coletiva. Ao mesmo tempo, desenvolvi e pesquisei processos individuais, o que sempre me fortaleceu na troca de experiências artísticas coletivas.

A autonomia literária vem do caráter híbrido da função do dramaturgo. Ele faz literatura, uma literatura específica, ligada à cena, mas, inequivocamente, literatura. Isso desde o princípio do teatro grego. Não se nega autonomia literária e poética a um Ésquilo, por exemplo, nem a um Heiner Müller. Embora, por definição, dramaturgia prescinda do texto literário – escrevi apenas duas peças sem falas (Nomes do Pai e Tauromaquia, na qual fiz apenas o roteiro de ações) –, sempre gostei de literatura e nunca vi sentido em abrir mão, sem necessidade, desse importante fundamento teatral.

O NARRADOR
Walter Benjamin é um grande filósofo [alemão] que se debruçou sobre as pequenas coisas, sobre questões práticas do cotidiano, e nesse sentido é imprescindível. Ele tem um impacto imenso na minha investigação mais recente, que são as narrativas orais, dentro de uma pesquisa que venho desenvolvendo, já há alguns anos, sobre o teatro narrativo. Com o Grupo Balagan e a diretora Maria Thaís, tenho pesquisado bastante as pequenas narrativas orais como organizadoras de uma dramaturgia e de uma cena contemporânea. A retomada do conceito de arte como transmissora de experiências humanas me parece indispensável num mundo soterrado pela aridez das informações.

TRAJETÓRIA EM PERSPECTIVA
Arte é coisa concreta, algo que por si tem o poder de tocar a sensibilidade e a razão das pessoas. No entanto, é a reflexão que pode fazer a arte alçar um novo nível de eficiência em sua relação com o público. Nesse sentido, a pesquisa teórica, o entendimento pelo próprio artista dos caminhos que trilhou na construção de suas obras, me parece muito importante e útil. Tenho aprendido muito sobre mim mesmo como artista com algumas das reflexões empreendidas pela academia sobre o meu trabalho. Arte é um fenômeno complexo e trabalhoso e todo auxílio é bem-vindo. A reflexão de acadêmicos e críticos tem me ajudado muito em minha trajetória. Afinal de contas, o processo artístico, mesmo aquele realizado num gabinete, é sempre dialógico e construído coletivamente.

Penso que o que foi, foi. De certa maneira, como artista, o que fiz não me diz mais respeito. É claro que me sinto satisfeito pelos trabalhos realizados, mas a perspectiva é que ainda tenho muito a fazer, muitas peças e roteiros a produzir, muito a investigar, a descobrir. Pautei minha vida na dramaturgia e pretendo assim caminhar até o fim.


“Se [os grupos de teatro] são independentes, significa que não estão satisfeitos com a dependência de formas tradicionais ou fórmulas comerciais. É no seio de alguns desses grupos que se discute e procura uma cena mais eficiente e uma nova relação com o público”