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Vovó no picadeiro
Cineasta fala sobre o documentário que narra a história
de Maria Eliza Alves dos Reis, a primeira palhaça negra do Brasil
Maria Eliza e Mariana Gabriel - Foto de Acervo pessoal
Respeitável público, com vocês, o palhaço Xamego! Ou melhor, a primeira palhaça negra do Brasil, Maria Eliza Alves dos Reis (1909-2007), que, no início da década de 1940, era uma das grandes atrações do Circo Guarany. Para contar essa história de gargalhadas e desafios, a neta dessa artista mambembe, Mariana Gabriel, realizou, em parceria com a cineasta Ana Paula Minehira, o documentário Minha Avó Era Palhaço (2016), que neste mês será exibido pelo SescTV (canal 128 da Oi TV ou pelo site www.sesctv.org.br/aovivo) dia 10, às 19h, dia 12, às 21h e dia 15, às 23h, além do dia 20/05, no Sesc Campo Limpo. O filme costura fotos, depoimentos e vídeos dessa precursora do picadeiro, musa da neta Mariana. Afinal de contas, foi movida pelo passado da avó que a cineasta começou a estudar palhaçaria. “Mas foi com a realização do projeto [o documentário] que passei a ter a compreensão de que eu vinha de uma família de palhaços”, conta. Saiba mais nesta conversa com Mariana Gabriel.
De onde vim
Sou filha de jornalistas. Minha mãe escreveu durante anos para jornais e revistas nas áreas de esporte e de economia e meu pai, jornalista esportivo, tem mais de 200 documentários escritos, dirigidos e produzidos para a ESPN Brasil. Começo daqui porque acredito que, quando a gente mergulha na história da gente, na descoberta de quem somos e de onde viemos, é impossível começar de maneira diferente. Estou pegando o bastão. Seguindo os passos dos meus. E estou, nesse momento, imersa na história da minha família, descobrindo minha ancestralidade, reconhecendo minha raiz. Parto daqui, então, já que nossa conversa é sobre um documentário que resgata a história da minha avó Eliza, a primeira palhaça negra do Brasil. Minha formação é em cinema e a discussão em casa, durante muito tempo, foi sobre os conceitos de realidade versus ficção. Meu pai sempre dizia que a vida é muito mais surpreendente do que qualquer peça ficcional. A ficção, para mim, sempre pareceu ter mais poesia ou ser mais interessante. Meu primeiro trabalho em direção e roteiro como cineasta foi o curta-metragem Iara do Paraitinga. O filme é sobre uma “Iara”, figura das lendas brasileiras, só que negra. Meu olhar sempre foi voltado para as questões do feminino e da negritude, sempre invisibilizadas.
Foto: Esau HzGz
Poesia da ficção
A preocupação em trabalhos que dirigi já em 2012 – os documentários Circo Paraki (com Priscila Jácomo e Eduardo Rascov) e, mais tarde, Mar Português – sempre foi aliar o registro documental à linguagem cinematográfica e ao que eu chamava, até então, de “poesia da ficção”. Para fazer esse projeto sobre a história da minha avó, o documentário Minha Avó Era Palhaço, um filme extremamente pessoal, contei com o suporte e a colaboração da minha família, com a parceria de Ana Paula Minehira, que dirigiu e roteirizou o filme comigo, e com uma equipe muito carinhosa e envolvida com a história. Todos esses são hoje netos de coração de dona Eliza, sem a menor dúvida. Durante a realização do filme, o que eu chamava de poesia da ficção, e que hoje parece a mistura entre o fio condutor e a atmosfera do filme, foi regido por uma emoção e pelo sentimento que carrego pela figura da minha avó Maria Eliza. E esse parece ser o mérito e o diferencial de um trabalho de resgate de histórias de família, feito por alguém que conheceu e foi tão íntima do personagem. Ganhamos uma carga emocional muito profunda. Existe um fio condutor para além da narrativa. Tem um plano abstrato que é estruturante também, o plano dessa emoção.
Saber que existiram outras mulheres que conseguiram realizar
seus sonhos, ultrapassando o machismo e o preconceito racial, nos fortalece e contribui para que sejamos o que quisermos
Protagonistas do picadeiro
Minha avó viveu até seus 98 anos. Éramos muito próximas. Ela me contava passagens do circo, sobre o chimpanzé que ela teve e que chamava de Pescador. Os próprios artistas costuravam a lona do circo quando furava com a chuva: “A gente palombava a lona”, ela dizia. A verdade é que a história mais completa sobre minha família circense veio pelo depoimento da minha mãe e dos demais entrevistados do documentário. Minha avó viveu quase um século, de 1909 a 2007, e a partir de seus passos foi possível compreender a história do circo no Brasil. O documentário foi lançado em 21 de março de 2016, data do aniversário dela. Durante esse período, continuamos a aprender muita coisa. Por exemplo, que o circo no Brasil está com força total: das 85 exibições até o momento, posso dizer que 75 foram em festivais de circo, assistidas por cerca de cinco mil pessoas. Saber que existiram outras mulheres que conseguiram realizar seus sonhos, ultrapassando o machismo e o preconceito racial, nos fortalece e contribui para que sejamos o que quisermos. Minha avó era uma revolucionária por ser capaz de realizar seus sonhos, transpondo barreiras.