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Pluralidade cultural
fotos: Adriana Vichi
Marcada por intenso fluxo de imigração, a cidade de São Paulo tornou-se, sem dúvida, a metrópole brasileira por excelência. Local de convivência pacífica de diferentes culturas, formou-se como espaço urbano cosmopolita, capaz de estimular a diversidade de costumes.
Nesse sentido, a inauguração de duas unidades do Sesc, no Bom Retiro e em Santo Amaro, lança luz sobre o perfil de dois bairros paulistanos que traduzem essa vocação para a pluralidade. “São Paulo tem esta vocação rica para o encontro, para o convívio entre diferenças.
O sentido de cultura é aqui, em seu sentido pleno, o de um mosaico constituído de múltiplas histórias e experiências. A noção de plural encontra, aqui, uma expressão viva e intensa”, afirma Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo.
povos do mundo
A formação data do início do século 19, a partir de sítios de veraneio de algumas famílias endinheiradas, incluindo a Chácara do Bom Retiro, que viria a dar nome ao bairro. Sua localização próxima ao centro e a construção pelos ingleses, em 1867, da ferrovia São Paulo Railway – que ligava as cidades de Santos, São Paulo e Jundiaí – possibilitaram a urbanização da região, na década de 1880, com a chegada principalmente dos italianos, atraídos pela possibilidade de trabalho em novas indústrias.
Logo o Bom Retiro passou a receber também, em menor escala, portugueses, sírios e libaneses, e abrigou a primeira hospedaria de imigrantes de São Paulo, que depois seria transferida para o Brás. “A característica mais marcante do bairro do Bom Retiro é o fato de ele sempre ter tido essa trajetória de abrigar imigrantes.
Após os italianos, vieram os judeus, depois os coreanos e, mais recentemente, a mão de obra boliviana está presente na região”, explica Oswaldo Truzzi, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSC) e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Foram os imigrantes italianos que, em 1910, fundaram, na rua José Paulino, o Sport Club Corinthians, razão pela qual a torcida organizada e a escola de samba Gaviões da Fiel continuam sediadas no bairro. Já no início do século, um grande contingente de judeus começou a chegar ao Bom Retiro, instalando-se nas ruas mais próximas à ferrovia e dedicando-se, inicialmente, ao comércio ambulante.
A primeira sinagoga do bairro foi fundada em 1912 e, em 1916, foi a vez da escola Renascença, consolidando a presença da cultura judaica. Esse processo seria intensificado no período de 1930 a 1950, quando vieram cerca de 30 mil judeus ao Brasil, fugindo da perseguição nazista.
Os judeus passaram a se dedicar ao comércio e indústria têxtil, que viria a se tornar a principal atividade econômica da região até os dias de hoje. O filme O ano em que meus pais saíram de férias (2006), dirigido por Cao Hamburger, se passa no Bom Retiro e retrata bem a presença judaica na região, por meio do cotidiano do garoto Mauro, obrigado a morar com Shlomo, um velho judeu solitário, depois que seus pais fogem por causa da ditadura militar.
“Era o bairro com o maior número de judeus em 1970, ano em que se passa o filme, e com essa característica de ser uma região muito aberta à mistura étnica e cultural”, explica o cineasta.
riqueza turística
Nos anos de 1970, a população judaica ainda era maioria, mas muitos começaram a ir para bairros de classe média alta, como Higienópolis. Foi nesse período que se iniciou uma nova onda imigratória de coreanos que chegaram como mão de obra para a indústria de confecções.
“Com o passar do tempo, os coreanos foram ocupando o local e, hoje, são predominantes e protagonistas de uma verdadeira revolução cultural. Eles popularizaram a moda e hoje são responsáveis por mais de 50% da que é usada no país”, afirma a pesquisadora Sonia Maria de Freitas, doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. Com a Lei Municipal 15.110, de 6 de janeiro de 2010, o Bom Retiro foi oficialmente reconhecido como bairro coreano, parte integrante do roteiro turístico da cidade.
Naquela área se encontram também diversas instituições e pontos turísticos, como a Oficina Cultural Oswald de Andrade, Museu de Arte Sacra, Pinacoteca do Estado, Sala São Paulo, Museu da Língua Portuguesa, Estação Júlio Prestes, Jardim da Luz – o mais antigo parque da cidade –, o Estádio Municipal de Beisebol Mie Nishi, diversas Igrejas e Sinagogas e a rua José Paulino, famosa por atrair compradoras de todo o Brasil. Elas frequentam as inúmeras lojas de vestuário, reconhecidas pelo bom preço, fruto, principalmente, da mão de obra barata, que tem sido marcada, mais recentemente, pela chegada dos bolivianos à região.
Tremenda diversidade cultural, geográfica, histórica e humana chamou a atenção do Grupo Teatro da Vertigem, que tem se debruçado em um processo de pesquisa artística, para a montagem de um espetáculo cênico com estreia prevista para o início de 2012, a ser apresentado no próprio bairro. “A forte presença multicultural e migratória que caracteriza essa região e as tensões sociais recalcadas ou camufladas ali presentes também são aspectos que nos estimularam a querer realizar uma criação cênica a partir do Bom Retiro”, explica o dramaturgo e diretor do Grupo, Antônio Araújo.
Município incorporado
O bairro de Santo Amaro parece completar um outro lado da história da cidade de São Paulo. A região – que tem os seus primeiros registros datados do século 16, época em que era uma aldeia de índios Guaianases – começou a ser ocupada pelos portugueses, por meio de missões de jesuítas, ao ponto mais alto do local, hoje Largo 13 de Maio.
Os imigrantes alemães começaram a chegar em maior número a partir de 1827. Em 1832, o distrito é elevado à condição de município e permanece como cidade até o ano de 1935, quando volta a ser incorporado.
Durante esse período de independência – em que o município de Santo Amaro abrangia diversos outros bairros da região, totalizando uma área de 660 km2, que corresponde a aproximadamente 40% do total da superfície de São Paulo –, a região desenvolveu uma estrutura municipal que ainda hoje é característica do bairro. Um fato curioso diz respeito à numeração das casas que, em vez de ser em relação à Praça da Sé, tem o Largo 13 de Maio como referência.
Após a 1ª Guerra Mundial, uma nova leva de alemães instala-se em Santo Amaro e entorno, atraídos pela industrialização recente. “Ainda hoje, percebemos influências germânicas no bairro. No Mercado Municipal de Santo Amaro, há diversos produtos típicos, como chocolates e pães, e ainda escutamos algumas pessoas conversando em alemão no bairro”, afirma a historiadora alemã Daniela Rothfuss, coordenadora de arquivo do Instituto Martius-Staden.
A partir da década de 1940, soma-se ao contingente de europeus ligados a atividade industrial o constante fluxo migratório de nordestinos, que intensificam o comércio do bairro. “Há muitas manifestações de cultura popular nordestina nas ruas, desde o vendedor de camarão até o artista de rua que faz repente. Mas é uma coisa informal, ainda não foi incorporada de maneira institucionalizada”, afirma o cineasta Marcelo Müller, diretor do filme Cititur pelo Velho e Novo Santo Amaro, realizado em parceria com o grupo teatral Parlapatões.
A região do Largo 13 de Maio, referência histórica do bairro na saída das expedições de bandeirantes e também local de festas e comemorações religiosas, tem uma população flutuante de cerca de 2 milhões de pessoas por dia e é centro de comércio popular do bairro, sobretudo de itens da cultura nordestina. “A principal marca de Santo Amaro configura-se pela densidade populacional, que chega a ser maior do que a de muita capital brasileira”, afirma a historiadora Maria Helena Petrillo Berardi.
santo amaro respira cultura
No ano de 2007, a área ganhou a Biblioteca Pública Belmonte, temática em cultura popular, com ênfase nos costumes nordestinos. “Creio que qualquer morador de Santo Amaro é capaz de reconhecer em suas praças e espaços públicos marcos culturais importantes, como a estátua de Borba Gato, postada como um guardião à entrada do bairro; o mural ao lado do Teatro Paulo Eiró; o obelisco na Praça Floriano”, afirma Mario Augelli, gerente do Sesc Santo Amaro (ver boxe De portas abertas).
Dados coletados na pesquisa Santo Amaro em Rede (disponíveis no site http://sescsp.org.br/santoamaroemrede/) pesquisa desenvolvida pelo Sesc Santo Amaro com entidades culturais e sociais da região, indicam que o setor terciário é o principal responsável pelo crescimento do bairro.
Além de quatro universidades e oito faculdades, o bairro apresenta 21 escolas de ensino fundamental municipais, 50 estaduais e 65 escolas particulares. As de ensino médio somam 32 escolas estaduais e 43 particulares. A estrutura cultural e de lazer conta ainda com cinco bibliotecas, quatro casas de cultura, o teatro Paulo Eiró, em homenagem ao poeta local de maior projeção e dois conjuntos educacionais esportivos.
A história do bairro está preservada no Museu de Santo Amaro, que é repleto de obras do artista plástico Júlio Guerra, nascido na região em 1912 e criador da estátua do Borba Gato, do mural da fachada do Teatro Paulo Eiró, entre outras obras espalhadas pela cidade. Além disso, 52 coletivos artísticos e 33 artistas individuais mantêm pulsante a cultura regional. “É um bairro que tem os seus próprios poetas, os seus escultores e a própria identidade cultural, mas tenho a sensação de que existe certo abandono em relação a isso por parte da cidade de São Paulo”, informa Marcelo Müller.
De portas abertas
Sesc Santo Amaro e Sesc Bom Retiro têm projeto arquitetônico que oferece ao público amplos espaços criados para atividade física, como piscinas semiolímpicas, e cultural, como os bem equipados teatros
Nos dias 27 de agosto e 24 de setembro, serão inauguradas, respectivamente, as unidades do Bom Retiro e de Santo Amaro do Sesc. “A relação das unidades do Sesc com o entorno é fundamental para a ação da instituição de acolher o diverso e propor a compreensão sobre um espaço efetivo de convivência e inclusão social.
A unidade Bom Retiro considera, neste sentido, tanto questões ligadas ao vigoroso comércio que marca o bairro quanto ao atual debate sobre a revitalização de áreas da região central da cidade”, explica Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo. E complementa: “Em Santo Amaro, já mantemos uma ação muito forte em parcerias com instituições e demais agentes socioculturais do bairro.
A nova unidade oferece um equipamento adequado para esta atuação junto à população da região sul, uma das mais populosas da cidade”. Localizado à Alameda Northman, 185, o Sesc Bom Retiro será um centro de lazer, cultura, esportes, saúde e convivência social em uma área construída de 12.831 m2, projetada pelo arquiteto Leon Diksztejn.
“Vejo com muito bons olhos a chegada de uma unidade ao bairro, pois vai representar mais um espaço de convivência para a comunidade e um lugar de intersecção das diversas etnias, culturas e religiões”, afirma a pesquisadora Sonia Maria de Freitas, doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP).
O espaço contará com um teatro de 291 lugares, uma comedoria com capacidade para atender até 500 pessoas por dia, estacionamento com bicicletário, consultórios odontológicos, sala de ginástica, um ginásio poliesportivo, ateliê, brinquedoteca, sala de leitura, biblioteca, uma piscina semiolímpica e outros ambientes de uso coletivo. Segundo o cineasta Cao Hamburger, que filmou boa parte de O ano em que meus pais saíram de férias na região do Bom Retiro, “não tem coisa melhor do que ter o Sesc por perto, pela programação cultural, pelo espaço sempre muito rico e generoso para esportes e cultura. Acho uma ótima ideia ter uma unidade por lá, pois vai agitar o bairro”.
Situado à rua Amador Bueno, 505, o Sesc Santo Amaro segue, em termos de equipamentos e conteúdo programático, a mesma linha oferecida pelas outras unidades. “O Sesc, na verdade, já atua no bairro desde 1999, quando a instituição adotou uma antiga garagem de ônibus para desenvolver alguns de seus programas.
Em 2005, deixamos o espaço para a construção, no mesmo local, da nova unidade e demos continuidade ao trabalho em uma sede provisória, na Avenida Adolfo Pinheiro, a partir da articulação de parcerias estratégicas com lideranças locais, movimentos sociais e coletivos culturais”, esclarece Mario Augelli, gerente do Sesc Santo Amaro.
Projetado pelo arquiteto Edson Elito, o prédio, que tem 14.610 m2 de área construída, conta com restaurante, espaços de convivência, sala multiuso, sala de ginástica, piscina semiolímpica e uma infantil, ginásio poliesportivo, sala de leitura, biblioteca, teatro com capacidade para 279 pessoas, um galpão cultural e consultórios odontológicos.
“Chegamos à nova unidade respaldados por uma atuação marcante no bairro e movidos pela crença de que podemos interferir para melhor na vida das pessoas. Gostaria que todos tivessem sua passagem pelo Sesc Santo Amaro marcada por um novo aprendizado”, afirma Augelli. ::