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Paradigmas digitais
Formado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e à frente do movimento de Software Livre no Brasil, Sérgio Amadeu da Silveira acredita que a revolução não mais será televisionada. Será compartilhada em rede ao redor do mundo por meio de um simples click.
E ela acontece já, neste exato momento, a despeito de creditarmos sempre ao futuro a possível mudança estrutural da sociedade. “Estamos vivendo uma profunda revolução técnico-científica, da mesma proporção que foi a Revolução Industrial”, analisa o sociólogo.
Como acontece em tempos de mudança de pensamento, caberá à posteridade uma análise mais objetiva dos rumores do presente. Mas a História já se encarregou de registrar as rebeliões no Egito, que ganharam força no facebook e twitter [manifestação popular, em janeiro de 2011, nas principais cidades egípcias, contra o governo ditatorial chefiado por Hosni Mubarak, havia 30 anos no poder.
A movimentação começou pela internet e ganhou força nas ruas, provocando o pedido formal de demissão de Mubarak após dezoito dias de conflito]. Em encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, o professor da Universidade Federal do ABC analisa a tentativa de alguns governos de cercear ?a liberdade de tráfego na internet. E afirma, categoricamente, que vivemos na era da sociedade do controle. Abaixo, alguns trechos da conversa.
Era da ruptura
Qual o impacto das redes digitais na nossa cultura e economia? Minhas pesquisas levaram a crer que estamos vivendo uma profunda revolução técnico-científica, da mesma proporção que foi a Revolução Industrial. Estamos vivendo a ruptura.
São as tecnologias da comunicação e da informação que estão penetrando em todas as áreas do convívio humano e moldando nossa sociabilidade, tal qual a indústria fez. Há o aumento da capacidade de armazenar, processar e distribuir informação. Nesse sentido, penso que estamos no epicentro de uma revolução tecnológica. Do ponto de vista econômico, não há mais dúvidas.
O maior produto de exportação dos Estados Unidos não é arma, e sim copyright. A economia do mundo gira em torno das tecnologias da informação, da produção de conhecimento e da capacidade de produção simbólica. Isso atingiu o centro do processo criativo e econômico ao redor do mundo.
Sociedade da informação
A gente consegue traduzir som, imagem e texto em números binários (0 e 1). Ao fazer isso, nunca se assegurou tanta diversidade cultural. Todas as estruturas de intermediação do universo industrial foram colocadas em xeque. A indústria fonográfica controlava o canal e determinava quem podia, ou não, ter sucesso.
Perdeu-se o controle da relação do artista e do fã num mundo dominado pela comunicação de massa. Hoje, onde há rede, a indústria fonográfica disputa e perde seu controle. Eles acusam de pirataria e dizem estarem perdendo dinheiro. Eles perdem dinheiro para a diversidade cultural. Nunca tivemos tanta música à nossa disposição em tantos estilos diferentes.
Era inimaginável ter acesso ao rock finlandês ou indiano sem a internet. Há uma crise na intermediação do educador também. Semana passada, eu estava dando aula sobre Marx, Weber e Durkheim. O moleque levanta a mão. Aí, ele fala: “Professor, a sua visão sobre Hegel é muito contaminada pelos próprios escritos de Marx”. Ele tira um papel xerocado da internet e argumenta! Ou seja, professor não é controlador de informação.
A estrutura de educação como intermediária do conhecimento precisa também ser repensada. Por isso, a escola está cada vez mais chata para os mais jovens. Há uma crise de intermediação que também atinge a política. E as pessoas começaram a ver que essas estruturas em crise são hierarquizadas e verticalizadas: um paradoxo, pois, com a rede, estamos em contatos horizontais, trocando conhecimento. O grande intermediário hoje é a rede.
Políticas repressivas
Há uma postura recorrente na política que diz que o desenvolvimento tecnológico opera como um desvio cultural. Eles querem criminalizar o compartilhamento de bens digitais na rede. Onde há um território muito regrado, não há criatividade. E há uma outra postura: a de pensar que a tecnologia expressa práticas sociais.
A pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil, em 2009, mostra que entre jovens brasileiros, de 16 a 24 anos, 74% estão conectados. Estamos falando de pessoas que já estão alterando seu convívio por meio da comunicação em rede.
No Brasil, sem banda larga, quase 50% dos internautas fazem download de música. O que equivale a 20 milhões de pessoas. A prática recombinante de remixar as coisas e recolocá-las na rede está enraizada em nossa estrutura social.
Liberdade na rede
O governo americano bateu pesado no WikiLeaks, tirando-o da rede. No dia seguinte, havia dois mil clones do site, alguns deles no Brasil. Os Estados Unidos ainda são o governo mais poderoso do mundo? Eles poderiam ter entrado em operação para desabilitar o site dos países aliados. No Brasil, não conseguiriam, porque, na época, o então presidente Lula fez uma declaração questionando se eles não defendiam a liberdade de expressão.
Na Rússia, ocorreu o mesmo. Será que os Estados Unidos conseguem desabilitar a rede? Eu acho difícil. Esse foi um enfrentamento interessante entre o poderio estatal e um grupo de pessoas. Mas a internet não é só progressista. Ela é uma rede de controle. Os mal-intencionados querem transformar o controle técnico em controle político-cultural.
Na internet, eu não consigo navegar na rede sem um controle de IP, onde eu traga as informações do site para abrir no meu computador. Tudo o que eu faço na rede deixa um rastro. Por isso, na rede, o anonimato é a garantia da liberdade e da não vigilância. Toda vez que eu entro em um site eu denuncio minha posição na rede. Nós vivemos em uma sociedade de controle.
O sociólogo e doutor em ciência politica Sérgio Amadeu da Silveira esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E em 16 de junho de 2011
“Tudo o que eu faço na rede deixa um rastro. Por isso, na rede, o anonimato é a garantia da liberdade e da não vigilância”