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Economia brasileira

por Alexandre Schwartsman

Alexandre Schwartsman é doutor em economia pela Universidade da Califórnia, Berckeley. Foi professor da Universidade de São Paulo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Ibmec. Atuou como economista em várias instituições financeiras e não financeiras no Brasil, a última delas o Banco Santander, em que era economista-chefe para a América Latina.

Entre novembro de 2003 e abril de 2006, foi diretor para assuntos internacionais do Banco Central do Brasil e membro votante do Comitê de Política Monetária (Copom).

Esta palestra de Alexandre Schwartsman, com o título “The Dark Side of the Moon”, foi realizada no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo no dia 17 de março de 2011.

 

O título original desta palestra, “The Dark Side of the Moon”, inspirado no nome de um álbum do grupo inglês Pink Floyd, tenta refletir a visão que pretendo passar, chamando a atenção para alguns dos desequilíbrios que foram gerados nesse período de crescimento muito acelerado, as dificuldades que vieram essencialmente por conta de uma inconsistência básica entre política monetária e fiscal, mais esta do que qualquer outra coisa. A ideia é desenhar um cenário para 12 a 24 meses à frente, procurando entender as dinâmicas por trás da economia brasileira.

O que se vê no Brasil é uma trajetória de crescimento bastante expressiva. Em março foram divulgados os números do quarto trimestre de 2010 e também desse ano como um todo, com um crescimento expressivo de 7,5%. Obviamente, a partir do segundo trimestre há certa inflexão, que não está sendo seguida pelo comportamento da demanda doméstica. Ao contrário, esta continua se expandindo em velocidade muito expressiva. Na verdade, a demanda doméstica, entendida como consumo mais o consumo do governo mais investimento, tem sido o principal motor de crescimento da economia brasileira. Se conseguirmos compreender a dinâmica da demanda doméstica, poderemos entender boa parte do comportamento da economia do país.

Um detalhe importante: a demanda doméstica não só vem crescendo mais, mas pela primeira vez, praticamente desde o começo de 2000, tornou-se maior que o PIB, mesmo que marginalmente, ou seja, estamos de fato consumindo mais do que produzimos. Então na primeira parte da apresentação vamos olhar para os principais determinantes da demanda doméstica: consumo, investimento, gasto do governo. Ver o que nos espera em termos de crescimento e analisar as consequências.

Começando pelo consumo, vamos olhar para o comportamento das vendas no varejo, que historicamente seguem razoavelmente bem o consumo. Quando nós as observamos, de maneira geral vemos uma dinâmica que continua impulsionando o consumo para a frente, a começar pela questão de política monetária. Obviamente, isso é controverso, mas o que se vê historicamente é uma relação inversa entre a taxa de juros e a taxa de crescimento das vendas no varejo. Não é uma relação imediata, há uma defasagem de dois trimestres, mas se percebe uma nítida relação negativa entre essas duas variáveis. Não se trata apenas do fato de que quando uma sobe a outra cai; a questão é o nível propriamente dito. Existe toda uma discussão se a taxa de juros neutra no Brasil caiu, provavelmente sim, mas todas as indicações que temos são de que isso continua sendo uma política monetária que, mesmo com o aperto recente do Banco Central, não vai se transformar num grande obstáculo à expansão do consumo.

O segundo elemento é a expansão de renda. Estou pegando a renda do trabalho, talvez não seja a melhor, não é uma visão completa da questão, mas pelo menos é aquela que se consegue acompanhar numa base mensal. Há uma expansão contínua da renda do trabalho. Somando isso a outras fontes – transferências do governo, particularmente aposentadorias e pensões –, é alguma coisa da ordem de 7,5% do PIB. Obviamente existe a expansão da renda de maneira geral, que é um guia muito mais preciso para a parte das vendas de não duráveis, porque aqui estou me baseando em supermercados. Mas de modo geral se observa que a renda também está subindo como um elemento adicional de sustentação de demanda. E toda a dinâmica do mercado de trabalho sugere a continuidade desse processo. Os números divulgados pelo Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados] em fevereiro surpreenderam. Foi um fevereiro diferente, sem carnaval, mas de maneira geral sugere uma continuidade da expansão da renda.

A terceira dinâmica já é um pouco diferente e lança mais dúvidas sobre a expansão do consumo. São as novas concessões de empréstimos pelo sistema bancário. Não é o estoque de empréstimo, são os novos empréstimos, o fluxo devidamente ajustado pela sazonalidade, corrigido pela inflação, dias úteis etc. Tudo isso para evitar as distorções que normalmente estão associadas particularmente à questão do consumo, pois os créditos para pessoa física vinham numa trajetória bastante vigorosa de expansão, com uma mudança no final, devido à introdução das medidas ditas macroprudenciais. Não gosto muito desse nome. Qualquer coisa que é prudencial não pode ser ruim por definição, e fico imaginando assassinatos prudenciais, genocídio prudencial, qualquer coisa é válida desde que se coloque o adjunto “prudencial”.

Enfim, essas medidas produzem alguma desaceleração, não se consegue medir muito bem. O aumento do compulsório tem um efeito muito pequeno, se é que tem algum. O aumento do requerimento de capitais para os empréstimos de longo prazo para pessoa física acho que tem impacto, é o principal motivo pelo qual vemos a desaceleração do crédito e uma forte queda nas vendas de automóveis – de 7% em janeiro, segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]. É um número expressivo, mas ainda assim absolutamente consistente com a expansão do resto do varejo. Então sabemos que essas medidas têm um efeito importante na venda daqueles itens que dependem muito de crédito, automóveis são o exemplo mais claro, mas pelo menos nos primeiros meses não aparece um impacto muito além desse setor.

Enfim, é uma incógnita, e penso que neste momento é a única coisa que está jogando contra a expansão do consumo e numa magnitude que, infelizmente, não temos como quantificar, porque a medida é absolutamente inédita. Não temos sequer uma experiência histórica para dizer que, quando aumentou em tantos pontos percentuais o requerimento de capital, historicamente o que se viu foi uma desaceleração de tantos pontos percentuais nas vendas no varejo. Estamos absolutamente no escuro.

Levando em consideração essa ressalva importante, vemos a continuidade da expansão do consumo, não no mesmo ritmo observado no ano passado, que foi realmente extraordinário, mas ainda em ritmo vigoroso. Não há muita desaceleração vindo por esse lado, exceção feita a alguns setores que dependem muito de crédito de longo prazo. Então todas as indicações são de que a demanda doméstica continua andando para a frente.

Investimento e capacidade

Do ponto de vista do investimento, temos também sinais que sugerem a continuidade da expansão. É verdade que no último trimestre do ano o crescimento não foi particularmente pujante, mas ainda assim positivo. Porém, todas as indicações são de que já existem alguns estrangulamentos do lado da oferta no setor industrial. Temos trabalhado com níveis altos de utilização de capacidade, não os mais altos da série, mas de maneira geral níveis que são superiores à média histórica recente.

Temos indicações de que há estrangulamentos e necessidade de investimento, mas este segue crescendo. Fizemos um trabalho um pouco mais elaborado a esse respeito, que mostrou duas coisas absolutamente esperadas. Uma delas é que quando cresce a produção aumenta o grau de utilização da capacidade, ninguém precisa ser gênio para saber disso. A outra é que o aumento de investimento tende a reduzir o grau de utilização da capacidade, porque investimento gera nova capacidade.

O que achamos interessante foram as relações um pouco mais precisas entre uma coisa e outra, ou seja, quanto de investimento é necessário para aumentar a capacidade e quanto o investimento demora para se transformar em nova capacidade. A defasagem entre investimento e criação de capacidade é da ordem de 17 meses, um ano e meio. Um investimento feito hoje vira nova capacidade praticamente daqui a um ano e meio. Sabe-se que não é uma coisa imediata, mas a noção um pouco mais precisa da defasagem é um dado importante.

Encontramos também nas estimativas uma relação interessante: quanto o investimento precisa crescer para acelerar o aumento da produção sem ampliar a capacidade. Se eu quiser que a produção industrial cresça 1% por ano, quanto preciso aumentar o investimento relativamente ao PIB para que a utilização de capacidade fique inalterada? Nossas estimativas sugerem algo da ordem de 4% a 4,5% do PIB. Nossos níveis de investimento hoje estão ao redor de 18% a 19% do PIB. Se quisermos acelerar o crescimento em um ponto percentual, sem dúvida teremos de aumentar o investimento, como proporção do PIB no Brasil, para 22% ou 23%. Mais adiante vou explorar as consequências disso e os caminhos para que se torne possível.

O investimento no Brasil ainda é baixo, internacionalmente falando, mesmo comparado ao da América Latina. Os países da região investem alguma coisa como 5% ou 6% do PIB a mais que nós. Isso dito, o investimento tem acontecido e está crescendo. Temos um indicador que acompanha isso, que não é perfeito, mas dá uma bela noção do que está acontecendo. Segundo ele, o investimento tinha dado uma parada no quarto trimestre de 2010 mas voltou a crescer de forma um pouco mais importante. De maneira geral, pelo que se vê em termos de clima de investimento, tudo indica também continuidade de sua expansão. Não será de um ano para o outro que vamos atingir alguma coisa como 22% ou 23% do PIB, mas estamos no caminho do aumento. Certamente é algo positivo, lembrando que investimento significa primeiro demanda e cria oferta um ano e meio à frente.

Vimos até aqui dois dos elementos de demanda doméstica, ambos apontando para a mesma direção. O terceiro é o gasto público. Verificando os números do governo federal, observa-se sua expansão contínua e vigorosa. Já havia uma trajetória ascendente de 1998 a 2002, quando ocorreu o período de ajuste fiscal no começo do governo Lula, e desde então o gasto público federal vem numa trajetória praticamente ininterrupta. O que isso significa do ponto de vista de demanda doméstica, de demanda agregada, de inflação etc.?

De outra parte, existe uma expansão fiscal importante, e a ideia é medi-la, porque temos os dois lados, do gasto e da tributação. O que interessa é olhar o que tem acontecido em gastos menos tributação, pelo menos para o governo federal. De 2000 em diante, os números oficiais são quase que um exemplo de livro-texto de condução de política fiscal. Poderia contar a história desta maneira: o governo manteve superávits primários elevados, alguma coisa da ordem de 2% a 2,5% do PIB, às vezes até um pouco mais, ao longo do período de 2002 a 2008. Veio a crise, que derrubou o superávit, passou a crise e o superávit voltou para 2 e poucos por cento do PIB. Medalhas para todo mundo, mas obviamente não foi o que de fato aconteceu. Por quê?

Se ajustarmos esses números, tirando deles a acidentalidade e a criatividade contábil inesgotável em certos círculos de Brasília, perceberemos que a história não foi exatamente assim. Primeiro tiraram os efeitos da capitalização da Petrobras. O governo entregou R$ 76 bilhões em direitos de exploração de petróleo, recebeu R$ 43 bilhões em ações e reconheceu a diferença como uma receita. Obviamente não há nenhum efeito de caixa nessa história, nem efeito sobre a demanda – imagino que ninguém consumiu mais ou menos porque o governo fez essa operação. Então, do ponto de vista econômico, não houve nada nessa operação, e de cara já tiro esses R$ 30 e poucos bilhões, 0,9% do PIB, do resultado fiscal.

Outra coisa é que houve um aumento no peso da participação de dividendos pagos por empresas estatais, em particular pelo BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], na construção do superávit fiscal do governo. Vamos então tirar dividendos e também concessões, ou seja, olhemos estritamente as contas fiscais, receita e gasto, aquilo que afeta efetivamente o comportamento da demanda no país. Ficamos assim, de fato, com um superávit ajustado de alguma coisa em torno de 2% do PIB ao longo desse período. Depois despencou e não mais voltou. Obviamente, é preciso tomar certo cuidado nessa história, porque há momentos em que a economia está mais forte, a arrecadação melhor, e outros em que está mais fraca e a arrecadação um pouco pior. É um controle bastante precário, mas dá uma ideia.

Ao longo do período de 2002 a 2008, se a economia estivesse operando em seu exponencial ao redor de zero, poderíamos contar que o governo federal iria entregar um superávit primário da ordem de 2% do PIB. Hoje, pós-2008, podemos traçar uma reta – ainda que não seja possível ter nenhuma confiança nessa reta –, mas a indicação sugere que saímos de um regime fiscal que gerava um superávit em torno de 2% do PIB para um que gera um superávit de 0,5% a 1% – vamos colocar no meio do caminho, 0,7%. Essa é a magnitude da expansão fiscal observada no Brasil.

Obviamente, essa expansão fiscal não esgota o assunto, porque tem sido coadjuvada pela chamada parafiscal ou quase fiscal, que é aquela do crédito proveniente do BNDES. No estoque de empréstimos do BNDES, medidos a preços constantes, também a partir de 2008 ocorreu uma expansão vigorosa. Parte disso estava no conjunto das chamadas medidas anticíclicas, mas a verdade é que continuou bem depois da superação da crise, e houve um novo aporte do Tesouro para o BNDES, R$ 55 bilhões, que deve permitir a continuidade dessa expansão, ainda que talvez a um ritmo mais moderado.

Por que isso faz parte da política fiscal? Essencialmente porque o financiamento do BNDES tem sido proveniente do Tesouro Nacional. Foram R$ 100 bilhões em 2009, R$ 80 bilhões em 2010, mais R$ 30 bilhões que foram usados para comprar aquelas ações da Petrobras e mais R$ 55 bilhões agora. A beleza contábil dessa história é que, obviamente, o governo se endivida para tomar dinheiro, repassa para o BNDES, e isso gera um ativo do ponto de vista de dívida líquida. Não a altera, então a relevância de olhar para a dívida líquida nesse momento foi para zero. Qualquer analista de respeito vai olhar para a dívida bruta, porque a líquida deixou de ter relevância para medir o que está acontecendo na política fiscal no Brasil.

Incidentalmente há os efeitos sobre o primário também. Vejam: o governo hoje toma recursos a 12% ou 13% no mercado e repassa para o BNDES a 6%, perdendo 6% na brincadeira. Só que esse subsídio aparece na conta de juros, o juro que o governo recebe do BNDES menos o que ele paga para o mercado. O BNDES repassa isso com spread, gera lucros e os repassa ao Tesouro, só que o dividendo do BNDES impacta o primário. No final das contas está perdendo dinheiro, porque o dividendo do BNDES não é suficiente para cobrir o custo de juros, só que isso melhora o primário, piorando as contas como um todo. Por esse motivo é que tiro os dividendos do BNDES quando faço o ajuste nas contas do governo federal.

Corte dos gastos

Do ponto de vista de política fiscal, estamos falando, portanto, de uma continuidade da expansão fiscal. Podem argumentar que o governo cortou R$ 50 bilhões de seu gasto. É verdade.

Vamos ver como isso impacta a dinâmica do gasto público no Brasil. O governo tinha para este ano, depois que o orçamento passou pelo Congresso, R$ 769 bilhões de gastos orçados, dos quais R$ 550 bilhões mais ou menos são despesas obrigatórias – pessoal, Lei Orgânica de Assistência Social, renda mensal vitalícia etc. Há a parte discricionária, que é menos discricionária do que se diz, mas é alguma coisa da ordem de R$ 215 bilhões. As despesas do ano passado, sem Petrobras, foram de R$ 657 bilhões. Então do aumento no orçamento de R$ 112 bilhões foram cortados R$ 50 bilhões, sobrando ainda R$ 62 bilhões.

Vejam que o corte de R$ 50 bilhões na verdade representa um aumento de R$ 60 bilhões sobre o gasto observado no ano passado. Se o Congresso tivesse puxado o orçamento para R$ 800 bilhões e o governo tivesse cortado R$ 80 bilhões, ainda assim seria uma expansão. Mesmo na suposição de que o governo consiga de fato cortar R$ 50 bilhões do gasto público brasileiro, ainda assim vai ser um aumento de gasto maior do que no ano passado. Obviamente, medido como proporção do PIB tem uma modesta queda, cai de 17,9% para 17,7%, mas basicamente porque o PIB cresce.

Segundo os números do próprio governo, há uma expansão de 5% no PIB e uma inflação média de 6%, o que resulta em um crescimento do PIB da ordem de 11% a 12% em termos nominais. Então não é absolutamente claro que isso redunde em redução do gasto. Houve uma expansão fiscal da ordem de 1,5% do PIB. Quanto é que se teria de cortar no orçamento para atingir uma economia de 1,5% em relação ao ano passado?

Estou olhando aqui quanto é preciso anunciar de corte no orçamento e qual a queda causada por isso no gasto relativamente ao observado, nas mesmas hipóteses de crescimento de 5% e inflação de 6%. Na minha conta, se se quisesse diminuir o gasto para repor toda aquela expansão fiscal, seria preciso fazer um corte de R$ 100 bilhões. Se se quisesse fazer um pouco menos, alguma coisa em torno de um e pouco por cento do PIB, seria necessário cortar R$ 85 bilhões. Na melhor das hipóteses seria preciso fazer um corte de gastos 70% maior que aquele que foi anunciado pelo governo federal.

Uma das propostas é fazer uma auditoria na folha de pagamento. Tudo bem, se você está dirigindo uma empresa. Mas se está há oito anos dirigindo o país e diz isso é o mesmo que o ministro da Fazenda declarar o ministro anterior incompetente. É um negócio absolutamente impensável. Mesmo R$ 50 bilhões não fazem diferença, porque ainda isso vai significar uma expansão de gasto relativamente ao observado no ano anterior.

Importações

Então os três componentes da demanda doméstica parecem seguir apontando na mesma direção. É provável que ela não se expanda na velocidade observada no passado, de quase 9%. Teremos um crescimento mais modesto neste ano, provavelmente na casa de 6 e pouco por cento, ainda expressivo, mas não tão forte quanto o de 2010. A produção industrial não vem acompanhando o aumento da demanda. Por que isso? Em boa parte deve-se ao crescimento das importações, que certamente desempenham um papel no processo. Há outras coisas acontecendo, mas uma parte grande dessa história de fato diz respeito à importação e isso traz algumas implicações para as contas de balanço de pagamentos.

Que efeitos esse crescimento tem tido sobre a utilização da capacidade produtiva da economia como um todo? Como tem impactado o uso do estoque de capital e de mão de obra, o mercado de trabalho em particular? O que se observa do lado do mercado de trabalho é uma expansão continuada do emprego. Pelos números do Caged até janeiro, novos postos formais seguem sendo criados a uma boa velocidade, que supera a que foi observada na média da última expansão, do final de 2006 até o terceiro trimestre de 2007. Era alguma coisa da ordem de 140 mil postos de trabalho formais ao mês, e estamos na casa de 150 mil a 170 mil. Enfim, parece um pouco mais vigoroso.

Obviamente, essa é uma visão parcial do mercado de trabalho. Embora o Caged divulgue um número nacional que abrange todas as indústrias, evidentemente está olhando para o mercado formal, que tem ganhado peso, mas ainda não é 100% do mercado de trabalho no Brasil. Um pedaço dele é informal, e também é expressivo. O número do IBGE que registra o desemprego traz igualmente uma visão parcial. Ele incorpora, diferentemente do Caged, a questão do mercado informal, dos autoempregados etc., mas também é parcial porque se concentra em seis regiões metropolitanas, sem observar o que ocorre nas demais. Apesar disso, os dois números juntos sugerem uma história parecida: a tendência de queda do desemprego, com desvios para cima e para baixo ao longo do processo.

O que significam esses desvios, qual é a implicação deles na dinâmica do mercado de trabalho e nos salários? O que se observa é uma relação negativa entre o crescimento dos salários e o desemprego. Quando o desemprego cai abaixo da tendência, o mercado de trabalho aperta e os salários aceleram. E vice-versa. Ou seja, mercado de trabalho apertado se traduz em aumentos de salários nominais. Obviamente, para quem recebe salário é muito bom, para quem paga nem tanto.

Porém, esses salários representam um aumento de custo?

Não necessariamente. Se o aumento de salário for tipicamente inferior ao aumento da produtividade, mesmo assim o custo continuará caindo. Se o aumento de salário superar a produtividade, ao contrário, os custos subirão.

O que está acontecendo?

Concretamente, não temos boas medidas de produtividade para a economia como um todo. Dá para tirar algumas inferências olhando para o setor industrial – em que se consegue medir produção com uma precisão razoável –, conclusões que em tese deveriam valer para a economia como um todo. O número do IBGE é de quantidade física mesmo, quantas toneladas de aço, quantos automóveis. O IBGE também nos faz o favor de medir o emprego industrial ou as horas pagas. Observando a relação entre horas pagas e produção, temos uma ideia da produtividade. Quando se aplica isso, vemos que o crescimento de salários no setor industrial tem superado a produtividade. A rigor, não conseguimos medir nada além disso, mas parece que também se aplica ao resto da economia.

Então há indicações de que o aumento de salário tem superado o crescimento da produtividade, o que se traduz num impacto sobre custos. Temos uma imagem espelhada disso no mercado de trabalho quando se olha também a utilização de capacidade. Houve um processo simultâneo de queda do desemprego e aumento de utilização de capacidade, obviamente muito mais pronunciada na questão de mercado de trabalho do que em utilização de capacidade. Penso que isso está ligado ao choque externo, que afetou muito mais a indústria que a parte de serviços e, portanto, o mercado de trabalho.

Olhando o núcleo de inflação e a relação dele com o grau de utilização de recursos, se antecipa o comportamento ou pelo menos a direção da inflação em alguma coisa como seis ou sete meses à frente. Como falei, um aperto no mercado de trabalho se traduz em salários que vêm crescendo a um ritmo superior ao da produtividade. Com isso os custos unitários sofrem aumento, que, dependendo do setor, vai ou não ser repassado para o preço para o consumidor final. Isso não acontece quando há algum competidor externo que produza o mesmo bem. A inflação, por exemplo, de bens duráveis de consumo está perto de zero nos últimos 12 meses, porque essa indústria tem um competidor pronto para vender a um preço melhor. Nos segmentos em que não há competição externa, como serviços, o aumento do custo unitário é traduzido na medida em que a demanda permite que isso ocorra. Então vemos uma inflação de serviços particularmente acelerada.

De fato é isso: por um lado uma inflação de bens duráveis muito baixa e por outro uma inflação de serviços muito alta. E em alguns setores vai depender do que está acontecendo com os preços lá fora, tipicamente commodities. Antes de entrar na questão do repasse de commodities, vemos claramente indicações de que há uma pressão de demanda, um excesso de pressão sobre a inflação. Mas não é alimento? Tudo bem, vou falar de alimentos adiante, mas aqui estou olhando para uma medida de núcleo de inflação que tira o efeito dos alimentos por um lado e tira o efeito dos preços administrados pelo outro. Na verdade, há indicações de que a inflação subjacente está se acelerando, porque algum crescimento tem causado uma pressão sobre a utilização geral de recursos na economia, que se traduz em aumentos de custos que estão sendo repassados em alguma medida para o consumidor final.

Commodities e real

E os alimentos? Aí há um problema. Os preços de commodities em dólares e em reais têm comportamento muito diferente. A expansão de preços de commodities teve um pico em 2008, despencou com a crise e voltou a crescer. Não é o preço medido aqui, mas lá fora, e traduzido pela taxa de câmbio. O Brasil exporta essencialmente commodities – soja, minério de ferro etc. –, mas não são só produtos primários, alguns manufaturados também, ou pelo menos alguns produtos que contamos como manufaturados e são também commodities. Placa de aço é commodity, como suco de laranja, açúcar refinado. Depende de como classificamos e onde se coloca exatamente a fronteira entre o que é commodity e o que não é. É um pouco complicado, mas podemos dizer que dois terços de nossa pauta são commodities. Então não é por acaso que toda vez que o preço de commodities sobe o real se aprecia e vice-versa.

Temos o problema de uma economia que está com níveis de utilização de capacidade muito altos, mas há também essa inconsistência entre política monetária e cambial, que permite a tradução integral dos aumentos de preços de commodities para os preços domésticos. Existe ainda um terceiro elemento, que são as expectativas de inflação perdendo a âncora.

Se me perguntarem qual é a melhor estimativa de inflação, é sempre a meta, particularmente se eu estiver falando de um horizonte longo, porque sei que o Banco Central vai tentar trabalhar nela. Mas estamos vendo o que está acontecendo com a credibilidade dessa percepção, cada vez menos gente acredita na capacidade do Banco Central de manter a inflação na meta. Então certamente é uma complicação vinda pelo lado das expectativas.

Vejo a situação inflacionária realmente complicada. Não estamos falando em explosão, mas muito provavelmente vamos ter de trabalhar num cenário em que a inflação permanece persistentemente acima da meta. Um tempo atrás fiz alguns trabalhos comparando o Brasil com outros países da América Latina nesse quesito, e há um dado curioso. Na América Latina, pegando países que seguem o regime de metas, no Chile e no Peru a inflação às vezes está acima e às vezes abaixo, mas é razoavelmente simétrica ao redor da meta. No México a inflação nunca está abaixo da meta, está sempre acima, então dá para imaginar qual é a melhor expectativa para a inflação no México, no Peru e no Chile. Brasil e Colômbia têm observações de inflação abaixo e acima da meta, mas com certa simetria para o lado superior da meta. Um detalhe: a Colômbia está indo claramente na direção do Chile e do Peru e o Brasil parece estar indo na direção do México, ou seja, já tivemos inflação acima da meta no ano passado, vamos ter este ano e muito provavelmente também no ano que vem.

Em relação à política cambial, quais são as variáveis importantes para determinar o comportamento do câmbio no Brasil? Resumidamente, são quatro. A primeira é o preço das commodities. Se esse preço subir 10%, o dólar fica 6% mais barato no Brasil. A segunda é o VIX, um índice de volatilidade na Bolsa de Nova York. Quando a volatilidade na Bolsa de Nova York está muito alta, as pessoas ficam muito avessas a correr riscos, reduz-se a demanda por ativos, ações e títulos brasileiros. Um aumento de 10% no VIX deprecia o real em 0,4%, um efeito muito pequeno. O DXY é um índice que compara o dólar a uma cesta de moedas – iene, euro, franco suíço, coroa sueca, libra. Em momentos em que o dólar sobe em relação a todas as moedas, também sobe em relação ao real. Então 10% de aumento do dólar contra todas as moedas se traduz em um aumento de 6% contra o real. E o último elemento é doméstico, a influência do juro. Um aumento de 1% no juro aprecia o real em 0,8%.

Qual é ou foi a relevância de cada um deles para o comportamento do real? Claramente o preço das commodities é a principal variável, seguido pelo comportamento do dólar com relação à cesta de moedas. De fato, não permitir que esse mecanismo funcione é o que tem afetado muito a questão inflacionária no Brasil e inclusive as expectativas. Por que preços de commodities? Porque o Brasil as exporta. O país também importa commodities, mas exporta muito mais do que importa. Quando o preço delas sobe, aumenta o das coisas que exportamos em relação ao daquelas que importamos.

O resto do mundo nos últimos oito anos nos deu o equivalente a 4% do PIB pela mesma quantidade de coisas que a gente exporta – ganhamos um ano de crescimento do PIB. Isso significa que, mandando a mesma quantidade física de mercadorias para fora, conseguimos comprar muito mais, consumir muito mais, e isso explica, entre outras coisas, por que a demanda doméstica cresce mais rápido que o PIB no Brasil. Por um lado estamos indo para o déficit externo, mas por outro, dado que a mesma tonelada de minério de ferro agora compra mais, conseguimos importar mais máquinas, mais sapatos, mais automóveis, mais vinho argentino, pela mesma quantidade de commodities. Isso é o que fica transparente no comportamento das contas externas.

No caso da balança comercial, as importações vêm crescendo, mas as exportações muito mais. É uma recuperação expressiva, embora muito desigual, porque está ligada a fenômenos diferentes do ponto de vista da economia global: os manufaturados têm perdido peso e os produtos primários vêm ganhando. Vamos focar cinco países na América Latina: Argentina, México, Chile, Colômbia e Venezuela. As vendas para esses mercados, mais Estados Unidos e União Europeia, representam três quartos da exportação brasileira de manufaturados. Então dá para ter uma ideia bastante razoável do que está acontecendo.

A primeira coisa que a gente nota é que as exportações brasileiras diminuíram, mas em larga medida porque as importações desses países caíram também. O que aconteceu com a participação de mercado do Brasil nesse período? Ela recuou um pouco, sendo o pior momento em 2009, por causa da crise. Na América Latina estamos mais ou menos ficando em 6,7%. Na Europa também estamos mantendo em 0,79%. Estamos perdendo mercado nos Estados Unidos, pois houve diminuição de competitividade no mercado americano. De fato, o mercado como um todo encolheu, com exceção da América Latina. Obviamente, o oposto acontece na questão dos produtos primários, na composição das exportações para a China. Isso se traduz, em que pese a melhora da balança, em piora das contas externas.

Gastos públicos

Para amarrar algumas das pontas que deixei soltas, vamos falar de investimento. Tem ocorrido no Brasil um aumento, que ganha participação em relação ao PIB. No quarto trimestre de 2010 foi alguma coisa ao redor de 19% do PIB, muito melhor que os níveis que tínhamos em 2003 e 2004. Historicamente, quando o investimento cresce, as exportações líquidas caem. Isso está dizendo que existe um nível de poupança relativamente baixo no Brasil. Na medida em que um pedaço do que a gente produz aqui está sendo consumido pelo setor privado e público, o que sobra para investimento não é suficiente. Então temos de usar recursos externos para financiar isso.

Por que a poupança é tão baixa no Brasil? Somos um país de gastadores compulsivos? De novo, não quero comparar o Brasil com a China, nem com economias que têm taxas de poupança muito altas. Vamos ficar na região. Relativamente a outros países da América Latina, infelizmente até 2009, não tenho os dados de 2010, verificamos que o investimento no Brasil, mesmo crescendo, tem ficado na casa de uns 6% do PIB, menos do que a média de Argentina, Chile, Colômbia e México. Onde está a discrepância do consumo no Brasil em relação aos outros países? É óbvio, é o consumo do governo, que está em alguma coisa como 20% do PIB. Esses países ficam na casa de 14%. Essa é a grande diferença, o nível de poupança no Brasil é reflexo do elevado nível de gasto público. Isso explica o baixo nível de poupança no Brasil.

Conclusão: para aumentar o nível de investimento no Brasil, há duas opções: ou se faz um ajuste fiscal, não permitindo que isso se transforme em déficit de conta corrente, ou não se faz um ajuste fiscal e a solução é que isso vire um déficit externo crescente. Optamos por qual solução? Acho que o caminho mais claro, atenuado pela melhora dos termos de troca, obviamente é ir para o déficit externo. Em 2010 foi de US$ 50 bilhões, este ano vamos para US$ 60 bilhões ou US$ 65 bilhões. Como proporção do PIB não é tão grande quanto no passado, mas claramente é o caminho de menor resistência. Na ausência de um ajuste fiscal, é a solução. O comportamento das contas externas é o resultado dos nossos padrões de consumo, em particular os gastos públicos muito elevados.

Debate

JOSUÉ MUSSALÉM – Em relação ao crescimento da demanda no Brasil, ao observar as transferências governamentais no nordeste em 2010, verificamos que o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] gastou R$ 61 bilhões em aposentadorias e pensões. O Bolsa Família, que é o segundo vetor de transferência de renda pública na região, vai pagar um pouco mais de R$ 9 bilhões. Isso abrange 80% da população de baixa renda na região, que, sabemos, tem propensão a consumir toda a renda que ganha. Foi por isso que Nestlé, Sadia e Perdigão correram para o nordeste.

Com relação ao BNDES, ele tem sido fortemente capitalizado pelo governo federal nos últimos anos, mas há uma crítica ao direcionamento dos financiamentos, que têm ido inclusive para frigoríficos de grande porte, o que, segundo alguns especialistas, não seria bem o objetivo do banco. Outra crítica que se faz é a de estar financiando projetos em Cuba, na Venezuela e no Equador. Finalmente, uma questão cambial. Se adotássemos o modelo chinês, teríamos uma situação cambial mais confortável?

ALEXANDRE – Vou começar pelo modelo chinês. Anos atrás li uma crônica de Luis Fernando Verissimo, dizendo que tinha ido assistir ao filme japonês Império dos Sentidos. No final convidou uma senhora ao lado para fazerem juntos o que estava acontecendo no filme e ela falou: “Tudo bem, mas onde a gente consegue o japonês?” Você quer o modelo chinês, mas onde estão os chineses para fazer isso?

O consumo na China é 35% do PIB, o nosso 60 e poucos por cento. Têm uma taxa de poupança extraordinária, e o investimento não é pequeno, tem sido de 35% a 40% do PIB. A taxa de poupança deles é suficiente para que invistam e ao mesmo tempo ainda gerem excedentes para exportar. O resultado é uma taxa de câmbio que, em equilíbrio, é fraca. Mesmo lá, em que a taxa de câmbio estruturalmente tem de ser muito fraca, ainda assim ela resulta em pressões inflacionárias. Se tentarmos usar o mesmo truque no Brasil, a inflação vai ficar completamente desancorada.

Estamos vendo um aperitivo disso na política cambial adotada nos últimos meses, que de fato não deixa o dólar passar de R$ 1,66. Dá para copiar a política chinesa? Só se você estiver disposto a copiar todo o resto do modelo chinês, o que significa um corte dramático de consumo e também dos gastos do governo.

Sobre a transferência de renda, o Bolsa Família é um tremendo programa, é barato e faz exatamente o que é necessário. Em tese, ele é mais bem desenhado do que operado, porque dá dinheiro como contrapartida de ida ao posto de saúde e escola, e isso não tem sido seguido necessariamente, mas essas duas coisas são importantes para que se dê o passo para a saída. Não sou grande estudioso do assunto, mas quem estudou acredita que realmente é por aí que temos de começar e não é à toa que esse programa tem tido efeitos tão importantes.

Quanto ao BNDES, acho injustificável continuar recebendo novos recursos a esta altura do campeonato. Vira investimento, é verdade. Mas quanto viraria investimento com ou sem o BNDES? Essa é uma conta que não foi feita. O BNDES desempenhou um papel importante no momento em que o mercado de crédito colapsou, mesmo no Brasil, no final de 2008. Os aportes vieram em 2009, quando a questão de crédito já tinha sido superada, em 2010 e agora em 2011, quando estamos impondo restrições de crédito na economia. A consequência disso é que se destrói o mercado de capitais. O caminho obviamente não é acabar com o BNDES. Já temos uma curva de juros. Por que não deixar o BNDES dar crédito nessa curva de juros? É uma aposta, mas desconfio que no momento em que eliminarmos o crédito subsidiado, a taxa de juros de mercado despencará. Gostaria de ser mais assertivo, mas não tenho nada muito mais sólido para oferecer a esse respeito.

HUGO NAPOLEÃO – Por falar em despesas públicas, depois que o Paraguai elegeu seu novo presidente, o Brasil resolveu triplicar o pagamento pela energia de Itaipu, de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões por ano. O contrato é de 1973 e somente seria revisto em 2023. Foi um presente, como o que demos também à Bolívia. Vemos que os gastos governamentais continuaram subindo, não obstante a crise, e os créditos do BNDES também cresceram. Mesmo na crise, não houve nenhum tipo de preocupação em reduzir as despesas. Estou fazendo alguma interpretação errada?

ALEXANDRE – A observação é muito boa. A economia de mercado está sujeita a crises e nesses momentos as políticas governamentais podem ter um papel. A reação dessas políticas no mundo foi muito forte e a crise em si, do ponto de vista de queda de produção, acabou sendo menor. Então existe um papel anticíclico da política monetária ou fiscal, ou seja, num momento de crise cresce o gasto público. Obviamente, anticíclico tem de ser anticíclico mesmo, ou seja, aumenta-se o gasto no momento de crise e se reduz quando ela acaba. Na verdade, a política fiscal no Brasil pareceu anticíclica, mas é anticíclica da mesma forma que um relógio parado parece estar certo duas vezes por dia. Ela só anda numa direção, é persistentemente expansionista. Política fiscal expansionista era necessária na crise, parece que funcionou, mas faltou a segunda parte da história, que é fazer o contrário depois de superada a crise, inclusive para guardar munição se houver outra.

O Chile fez isso e está indo muito bem. Países que entraram na crise com dívida elevada não conseguem fazer isso, por motivos óbvios. A Itália, por exemplo, não teve condição de fazer uma expansão fiscal, porque já tinha dívida muito alta. Outros países muito menos.

NEY FIGUEIREDO – O senhor fez uma radiografia do momento do Brasil, da economia, de nosso déficit e essa coisa toda, mas quero saber sua opinião sobre a política cambial. Ela está certa? Existe outro caminho que não seja o chinês? Outra questão: há poucos anos, quando vieram os grandes bancos internacionais para o Brasil, como Citibank, Boston, depois HSBC e mais tarde Santander, acreditávamos que eles dominariam o mercado e isso acabou não ocorrendo, continuaram na frente o Bradesco e o Itaú. O senhor diria que as alterações recentes do Santander podem indicar uma mudança de postura no Brasil, visando alavancar a posição do banco, ou foi somente um fato casual?

ALEXANDRE – Não vejo nenhuma mudança na estratégia do Santander. De qualquer forma, sendo economista, sempre olhei muito mais para fora do banco do que para dentro, então não sou a pessoa mais indicada para falar das estratégias.

A questão da política cambial tem uma alternativa que nunca tentamos e que não vamos tentar. Como é que se faz para contrabalançar a apreciação cambial? Vamos imaginar que tivéssemos condições de fazer um ajuste fiscal realmente forte no Brasil, que derrubasse o gasto público de maneira vigorosa. Derrubamos o gasto público, diminui a demanda, cai a inflação e o Banco Central pode trabalhar com um juro mais baixo. Então a inflação é a mesma e o juro é mais baixo. Se o juro é mais baixo, a taxa de câmbio também é menos apreciada, desvaloriza um pouco. Se a taxa de câmbio é mais desvalorizada com a mesma taxa de inflação, isso significa que conseguimos fazer uma desvalorização real da moeda, mas preciso mexer em variáveis reais na economia, mexer no gasto do governo.

Concretamente é difícil, pela rigidez do gasto, mas também nunca se tentou. Então não é o único determinante na questão de câmbio, penso que commodities é mais importante. É inclusive o maior determinante, pelas estimativas que fizemos. Uma alternativa com alguma chance de funcionar passaria por um ajuste fiscal vigoroso no Brasil, que permitisse atingir a mesma meta de inflação com uma taxa de juros muito mais baixa. Mas a chance de isso acontecer é baixíssima.

CLÁUDIO CONTADOR – Se o câmbio continua incomodando tanto o governo, por que não ter a audácia de dar mais flexibilidade ao mercado? Por exemplo, permitir a pessoas físicas abrir conta em moeda estrangeira no Brasil. Isso de alguma forma deprecia a moeda nacional, porque faz surgir demanda por dólares etc. E haveria a possibilidade de criar um mercado de moedas no Brasil, que não temos. Outra observação: tenho um pouco de receio de que a contabilidade imaginativa comece a proliferar no Brasil. O passo seguinte eventualmente será uma heterodoxia que já conhecemos. Na primeira fase respeita-se o mensageiro, na segunda o ignoram, na terceira matam o mensageiro. Isso lembra um pouco épocas passadas.

ALEXANDRE – Quando estive no Banco Central, a missão que Henrique Meirelles me deu foi lidar com a questão de normas e da unificação dos mercados de câmbio. O espírito da norma cambial no Brasil era este: a pessoa podia comprar moeda estrangeira para qualquer coisa que já estivesse prevista na legislação, todo o resto tinha de ir ao Banco Central. Você era culpado até provar inocência. Mudamos isso sutilmente.

Pode-se comprar moeda estrangeira no Brasil para qualquer fim, a não ser quando isso é explicitamente proibido por alguns motivos, na verdade muito poucos. Então houve uma liberação, regularizou-se a situação de uma série de empresas, a história do capital contaminado foi resolvida, eliminou-se a necessidade de conversão, os portadores não são mais obrigados a vender a moeda estrangeira, podem mantê-la fora.

Não chegamos ao ponto da conta em moeda estrangeira no Brasil, trabalhei nisso, mas não gosto da ideia. Por outro lado, qualquer pessoa pode ter uma conta em moeda estrangeira fora do Brasil e, por favor, façam isso. Aqui não, porque o que o Banco Central consegue garantir como emprestador de última instância é a moeda nacional. Então é mais por uma questão prudencial. Hoje os fundos podem aplicar fora, inclusive fundos de pensão. Agora, penso que devemos continuar caminhando para a liberalização do mercado de câmbio, com essa ressalva mais de ordem prudencial.

EDUARDO SILVA – Nossa realidade, quando se fala em crescimento e investimento, está muito ligada a infraestrutura. No que respeita ao trânsito em São Paulo, ainda vamos demorar muito para encontrar uma solução. Precisaremos investir. Também não temos energia disponível para atender a grandes cidades brasileiras.

Outra coisa: tenho visto muitos bolivianos e equatorianos vindo para São Paulo para trabalhar, então temos de nos preocupar não só com o preço dos produtos chineses. Há estrangeiros vindo trabalhar aqui e não estamos conseguindo visualizar o que isso pode gerar. Não é só uma questão de competição com a China.

ALEXANDRE – Infraestrutura é um assunto que está subjacente a nossas discussões, mas nunca é tratado de forma explícita. Preciso trabalhar isso um pouco melhor. Mas quando se fala em investimento e crescimento, um pedaço dessa história é a capacidade de entregar esse investimento. As pessoas falam que dizer que existem limites para o crescimento é uma bobagem, bastaria despertar o espírito animal que ele tomaria conta. No entanto, se não existir o diabo da estrada ligando o centro-oeste para cá, não haverá espírito animal que resolva, que faça o produtor de soja botar as sacas nas costas e atravessar o cerrado com elas. Falta de estrada e de energia são gargalos para o crescimento. Mas quem vai resolver isso?

Vivemos uma situação curiosa: infraestrutura é responsabilidade governamental, o gasto do governo aumenta e o investimento não. Em que pese o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], o investimento federal saiu de 0,8% para 1,3% do PIB de 2006 para cá. As amarras no investimento do setor público são enormes e ao mesmo tempo ele se recusa a passar isso para a iniciativa privada ou, quando passa, o faz sob condições ruins. O programa de concessão de estradas do governo federal é um fiasco. O que o governo pode fazer? Pode melhorar o clima institucional, pode de fato passar certas responsabilidades para o setor privado, que está disposto a assumi-las, e pode tratar de uma série de outras coisas.

Também não mencionei um tema de que gosto, a reforma tributária. Não vamos nem falar do tamanho da carga tributária, que é absolutamente indecente. Vamos lembrar apenas o seguinte: o Banco Mundial estima que uma companhia média no Brasil gasta o equivalente a 2,4 mil homens-hora por ano para a tarefa de pagar impostos, pessoas que estão lá para preencher papéis, calcular, pagar, buscar recibos etc. É um negócio absolutamente insano, o Brasil é o campeão mundial nesse quesito. Está na companhia de outros gigantes como a Nigéria, Camarões, Azerbaijão. Ainda assim, em Camarões, que é o segundo colocado, devem ser 1,3 mil homens-hora, em Cingapura são 300. Esse é um exemplo de uma coisa que poderia destravar de forma significativa a dificuldade de fazer negócios no Brasil, só uma delas.

A questão do mercado de trabalho é mais anedótica, é a história de que, por falta de mão de obra não qualificada no Brasil, há a necessidade de importar trabalhadores estrangeiros. Não vi dados a respeito, mas se for mais abrangente do que parece, teremos de repensar muito seriamente o que está acontecendo no país.

CARLOS ANTONIO ROCCA – A apresentação trouxe, entre outras mensagens, uma que não é tão agradável, a de que o país começou a achar que poderia crescer muito mais daqui para diante do que nos últimos anos e ficou claro que atingimos muito rapidamente os limites – de infraestrutura, de mão de obra qualificada e o próprio limite da poupança.

Fizemos recentemente um trabalho no Centro de Estudos do Mercado de Capitais sobre poupança. Calculamos a poupança do setor público sobre a carga tributária e a poupança do setor privado sobre o PIB, menos carga tributária. Examinando o que aconteceu nos últimos 30 anos, o resultado é muito interessante. A poupança do setor público perde alguma coisa como sete pontos percentuais em relação à carga tributária. Está com uma poupança negativa, o que também significa que qualquer real de investimento do setor público hoje é financiado exclusivamente por dívida, não há um centavo de poupança. Curiosamente, a poupança do setor privado nos últimos 30 anos é uma constante física, é da ordem de 27% sobre o PIB, menos carga tributária.

Com essas observações e mais aquela enorme dificuldade de mexer com o gasto público, é difícil ficar otimista com relação à possibilidade de virar o jogo, ou seja, subir um degrau significativo na poupança doméstica. Primeiro porque a poupança privada, embora relativamente alta, 27% da renda disponível, se manteve estável em várias circunstâncias de inflação, recessão e crescimento. Isso sugere que também não é tão fácil mexer nesse parâmetro no prazo curto.

O setor público é aquilo que todos sabemos, de uma rigidez extraordinária, não só do ponto de vista de obrigações contratuais, mas também do político. Isso sinaliza que a solução para sair disso é um programa daquele tipo que já foi sugerido, ou seja, um compromisso de médio e longo prazo, mantendo a despesa corrente abaixo do PIB e gradativamente ampliando a capacidade de o setor público gerar poupança, que poderá ser utilizada para reduzir a carga tributária e para reforçar o próprio investimento público.
Foi muito relevante sua observação com relação à atuação do BNDES e a destruição do mercado de capitais. Se examinarmos os últimos dois anos, é uma coisa extraordinária. De um lado se colocam títulos públicos, sustentando ainda mais os juros elevados, e de outro se empresta dinheiro subsidiado. Os investidores evidentemente acabam preferindo investir em títulos públicos e as empresas preferem o BNDES. Muitas multinacionais deixaram de fazer investimento direto, optando por se financiar no BNDES. Desse ponto de vista, a prioridade de desenvolver o mercado secundário de dívida privada em reais é extremamente relevante também para minimizar o descasamento de moeda, ou seja, um potencial de risco cambial mais adiante.

Com relação à questão do consumo privado, o impacto das recentes medidas talvez seja um pouco maior do que se imagina. São dois componentes, o primeiro dos quais é o das chamadas medidas macroprudenciais – e particularmente o requerimento de capital –, que já implicaram nos últimos dois meses numa queda significativa na oferta de crédito, redução de prazos e aumento de custos. O outro componente, menos destacado, é que quando há um momento muito forte de preços dos chamados itens inelásticos – alimentos, aluguel, transporte, energia e assim por diante –, a demanda mais elástica, no caso, de duráveis, sofre dramaticamente. Gostaria de ouvir sua opinião.

ALEXANDRE – No que respeita à demanda, as famílias não conseguem escapar das necessidades calóricas básicas, e isso acaba comprometendo a capacidade de renda. Mas aí vai depender muito do que vai acontecer com o mercado de trabalho. Falamos de repasse de aumento de salários para os custos, mas há momentos em que a própria inflação leva a mudanças também nas demandas salariais. O risco é que volte aquela antiga espiral que acreditávamos ter superado.

ROCCA – O que me chamou a atenção foi a estabilidade na poupança do setor privado contra o PIB, menos carga tributária, porque nesse período a carga tributária passou de 25% para 34%. Quando se calcula a poupança sobre o PIB, a poupança do setor privado dá a impressão de que está caindo também, mas na verdade o setor privado só pode poupar aquilo que fica depois de pagar os impostos. Para manter a proporção sobre o PIB, ele deveria aumentar a taxa de poupança sobre a renda disponível, e não fez isso.

LUIZ GORNSTEIN – Alexandre, dois colegas seus, Mansueto Almeida e Samuel Pessoa, fizeram um trabalho onde alegam que custeio restrito, desperdício, gasto social e juros são gastos que não há como reduzir. A conclusão deles é: ou se mexe no gasto social ou se aumenta a carga tributária. Como aumentar a carga tributária sem provocar mais sonegação?

ALEXANDRE – Depende da definição de gasto social. No INSS é uma política de transferência, o grande problema no Brasil do ponto de vista fiscal é previdenciário. Gastamos alguma coisa como 14% do PIB com aposentadorias e pensões, entre INSS e setor público. É mais ou menos metade para cada, só que o INSS atinge um universo de 18 milhões a 19 milhões de pessoas e o setor público alguma coisa como 2 milhões. O que chama a atenção é que o Brasil gasta 14% do PIB com aposentadorias e tem só 5% da população além de 65 anos. Gastamos o equivalente a um país que tem três vezes mais a proporção de pessoas acima de 65 anos. Obviamente, é uma distorção previdenciária. Qual é o caminho a seguir?

Para fazer alguma coisa com o gasto público no Brasil temos de endereçar a questão previdenciária. É difícil, passamos por algumas reformas previdenciárias e ainda assim o gasto continuou a subir. Mas há coisas que já estão praticamente prontas e decidimos, por um motivo ou outro, não levar adiante Em 2003 passamos por uma reforma previdenciária que se aplica ao setor público e tinha essencialmente três componentes: criava a contribuição previdenciária dos aposentados, aumentava a idade para a aposentadoria e, o mais importante, abriu a possibilidade de que se estabelecessem fundos de pensão para o setor público. Os novos ingressantes teriam direito a aposentadoria igual à do INSS, mais aquilo com que tivessem contribuído no esquema de contribuição definida. O efeito imediato seria muito pequeno, mas gradualmente iria funcionar. Estamos em 2011 e nunca regulamentamos a lei. Já desperdiçamos oito anos.

Então a solução para a questão fiscal brasileira tem de acontecer pelas bordas, como comer mingau quente. Tem de ser aquela proposta do ministro Antonio Palocci, que depois foi apelidada de “rudimentar”, de fazer com que o gasto cresça menos do que o PIB. É uma coisa que já está pronta, a gente já fez a reforma constitucional, a parte difícil da história foi superada, agora basta uma lei complementar. Em oito anos, imaginem quanta gente entrou no setor público e continua sujeita às mesmas regras de aposentadoria. Jogamos oito anos pela janela.

FRANCISCO BARBOSA – Sobre a utilização da capacidade industrial, de 2003 até 2010 houve três desativações, ou seja, numa média de dois anos e meio, quase dois passos para a frente e um passo para trás. De 1980 até o ano passado o PIB cresceu numa média de 2,5% ou um pouquinho mais. No governo Lula foram 4%, mesmo depois de toda a privatização dos sistemas ineficientes. Até afirmei que os 4% do governo Lula seriam piores do que os dois e pouco dos governos anteriores.

Um fator que faz com que o país cresça pouco é a excessiva volatilidade das atividades. Com a moeda constante depois de 1996, tivemos cinco ou seis desativações das atividades econômicas, ou seja, uma média de não mais que três anos numa flutuação completa. O sistema é extremamente volátil e o custo associado a isso é muito forte, um dos grandes desperdícios da economia. Atribuo essa excessiva volatilidade à própria política monetária do Banco Central, que é o grande perturbador do processo.

Por que acontece isso? Um estudo do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] diz que o consumidor brasileiro não é sensível à taxa de juros ou é muito menos sensível do que as empresas. Quando o governo aumenta a taxa de juros para segurar a demanda, a partir de certo ponto isso desacelera preços e as empresas se desativam, ou seja, antes de segurar a demanda, segura a oferta. A demanda só cai depois, quando as empresas desempregam. Ela não cai em função da taxa de juros, mas da desativação das empresas.

A política de juros faz com que haja uma grande flutuação na oferta, ou seja, numa crise ela cai antes e se reacelera depois. A flutuação decorre da própria taxa de juros. A taxa real de juros sobe na crise e baixa na expansão, porque os preços sobem mais depressa na expansão do que na recessão. A política de taxa de juros do Banco Central é ao contrário do mercado, porque na crise os preços caem muito mais depressa do que cai a taxa de juros e na expansão os preços sobem muito mais depressa do que a taxa de juros cai. Existe uma volatilidade provocada pela própria política do Banco Central, que tem por objetivo administrar a instabilidade do processo.

ALEXANDRE – Mostrei que na verdade as vendas do varejo reagem à taxa de juros.

FRANCISCO – Reagem com atraso.

ALEXANDRE – Mas isso em qualquer lugar do mundo. No Brasil a defasagem é da ordem de dois trimestres, na grande maioria dos países é mais lenta. Parece que o mecanismo de transmissão para as vendas no varejo no Brasil funciona mais rápido. Se olharmos para as flutuações da taxa de desemprego para tentar explicar as vendas no varejo, também não vai dar muito certo. Então não me parece ser isso. Inclusive, se fosse um fenômeno de que a oferta se contraísse mais rápido que a demanda, deveríamos ver os preços subindo durante uma recessão numa velocidade mais rápida do que durante a expansão. Não é o que se observa.

Se a contração da oferta fosse mais rápida do que a contração da demanda, deveríamos ver a inflação acelerando nos momentos de queda cíclica. Ela desacelera nos momentos de queda cíclica e acelera nos momentos de auge cíclico, ou seja, se comporta exatamente como deveria se comportar e não ao contrário. Então não me parece que é isso o que está determinando a instabilidade, sem contar que o último ciclo econômico não teve nada a ver com a taxa de juros do Banco Central, teve a ver com a crise internacional, e o de 2003 teve a ver com uma crise nossa. Houve uma desaceleração ao longo de 2005 e 2006, exatamente para derrubar a inflação.

FRANCISCO – Se bem que você está usando dados de inflação na área do consumo. Estou falando do que afeta as empresas, que é o índice de atacado. Outra observação: se demanda dependesse de taxa de juros, o que estaria acontecendo hoje no Japão, por exemplo? O Japão agora tem o problema da crise, mas outros países estão com taxas baixíssimas para acelerar a demanda e ela não aquece. Não existe ligação com a taxa de juros.

ALEXANDRE – No mundo inteiro, quando a inflação subisse, os bancos centrais estariam reduzindo a taxa de juros e quando a inflação caísse estariam subindo a taxa de juros. Eles fazem exatamente o contrário. A taxa de juros no Japão caiu muito e não conseguiu ativar a demanda, é verdade, só que a taxa de juros cai até um momento, não pode cair abaixo de zero.

FRANCISCO – Em outras situações, com taxa zero não aconteceu nada.

ALEXANDRE – Sim, porque a taxa nominal de juros vai até zero. Se você tem uma expectativa de deflação, como é o caso do Japão, a taxa zero mais a expectativa de inflação dá uma taxa de juros real positiva e, na medida em que tem uma taxa de juros real positiva, não consegue ativar a demanda. Você não consegue trazer a taxa de juros abaixo de zero porque, no momento em que se oferecer pagar menos do que zero, existe outro ativo na economia que garante pelo menos zero, que é a moeda. É a tal da armadilha da liquidez. Quando você está numa situação como essa, de fato a política monetária se torna muito mais efetiva em termos de aceleração da demanda. Agora, experimente subir a taxa de juros no Japão e veja se a demanda não vai despencar ainda mais.

NEY PRADO – A minha pergunta é de natureza metodológica. Estou percebendo que o seu estudo bem alentado tem se valido de dados da contabilidade pública e privada. Só que existe uma outra economia, chamada informal ou paralela, que nas três vertentes, tanto penal quanto fiscal e laboral, tem um papel relevante nas conclusões de estudos dessa natureza. Pergunto em que medida a economia informal interfere em suas conclusões.

ALEXANDRE – Como eu disse, só conseguimos visões incompletas do mercado de trabalho. Consigo ver a criação de emprego formal mês a mês, o número nacional cobre todos os setores, mas a gente perde o que acontece no mercado informal. Posso complementar isso usando o IBGE, que considera os empregados com carteira assinada, sem carteira assinada e autoemprego. Ele consegue cobrir isso, mas abre mão de uma série de outras coisas e cobre só seis regiões metropolitanas.

Podemos ver pedaços da coisa. Como é que se cobre a diferença? Com um pouco de imaginação mesmo. Por exemplo, a produção industrial tem uma medida razoável, porque o principal acontece no setor formal. Já o setor de serviços é muito mal medido. Quando tenho de olhar para o PIB, posso pôr mais confiança nos números que vêm da área industrial e tenho menos segurança nos que vêm do setor de serviços. Há coisas que o melhor dos institutos de pesquisa do mundo não vai conseguir resolver. Infelizmente é assim, a precisão dos dados deixa a desejar.

ROBERTO MAGALHÃES – Anotei algumas observações, inclusive uma que não vou esquecer, sobre o Bolsa Família, porque sempre tive dúvidas se esse programa é positivo ou negativo. Na verdade, ele estimula uma coisa que está muito próxima daqueles que se consideram fracassados, dos que se sentem vencidos na vida: acomodação e preguiça. Existe um programa social de que ninguém fala e já tem meio século, a merenda escolar. Ninguém fala porque se incorporou como uma conquista do país. Há crianças que sem a merenda escolar não poderiam estudar e existem escolas, inclusive no Recife, não só no interior, em que a merenda é dada de manhã cedo, porque se sabe que uma boa parte dos alunos sai de casa em jejum.