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Há diferentes visões a respeito da definição da arte contemporânea e de quando exatamente ela começa. Até a nomenclatura, arte pós-moderna, pós-histórica ou contemporânea, varia de acordo com a abordagem. A falta de consenso está ligada à pequena distância histórica e ao caráter múltiplo das manifestações correntes.

Apesar disso, é possível identificar algumas marcas comuns dessa produção, como a procura por maior comunicação com o público, o uso de referências à história da arte, as citações paródicas, o flerte com a sociedade do consumo e o hibridismo estético.

Por contraditório que pareça, é importante salientar que nem toda arte produzida atualmente é necessariamente contemporânea. “Quando falamos de arte contemporânea não estamos falando de tempo. Esse tipo de produção já existe há algumas décadas e há artistas fazendo arte contemporânea durante nosso tempo, mas também há outros produzindo arte moderna e clássica hoje em dia”, afirma o artista plástico, designer e pesquisador Maurício Trentin. Segundo ele, uma das principais marcas da arte pós-moderna é uma liberdade radical de suportes, estéticas e propostas.

De acordo com o professor da Pós-Graduação em Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e autor dos livros Tropicália, Alegoria Alegria (Ateliê Editorial, 2000) e A Invenção de Hélio Oiticica (Edusp, 2000), Celso Favaretto, o pós-modernismo é uma posição teórica em relação às artes, que se curva sobre a crise do modernismo iniciada quando as vanguardas das décadas de 1960 e 1970, entre elas a pop art, a arte conceitual e o minimalismo, entram em um limite expressivo.

Para ele, a multiplicidade atual das artes é uma conquista da modernidade que a contemporaneidade realizou. “A pesquisa modernista, enorme e de alta relevância, foi colocada à disposição de todos, dos artistas, dos apreciadores, para ser usada, transformada, deformada. As propostas modernas foram levadas até o seu limite, abrindo o campo para a arte ser o que sempre foi: tudo e qualquer coisa”, declara.

Favaretto acrescenta que uma das diferenças importantes em relação ao modernismo é que na arte pós-moderna não vigoram mais os valores da produção do novo, do choque e da ruptura em relação ao passado artístico, bases da arte moderna. “A ambição de ruptura deixou de existir por não ser mais viável numa situação histórica e social de fim das ideologias ou fim da história, e também por causa da avalanche das comunicações e das tecnologias da imagem e da comunicação – a televisão, o cinema e o computador – em que tudo se torna copresente continuamente”, afirma.

As artes da pós-modernidade têm uma relação muito forte com o passado, seja o clássico ou o moderno, de acordo com Favaretto. “Por isso, ressignificar é o procedimento pós-moderno por excelência. Ressignificar e citar são retomadas críticas, tentativas de articular o passado e o presente, de pensar a arte nas condições contemporâneas da existência, da cultura, da sociedade e da política”, detalha.

Em preto e branco e aparentemente mudo, o filme O Artista (2011), do diretor francês Michel Hazanavicius, é um dos exemplos de como a arte contemporânea se manifesta no cinema. O longa, sobre as transformações relacionadas à passagem do cinema mudo para o sonoro no final dos anos de 1920, retrata um ator em declínio e uma atriz em ascensão. Segundo o professor de cinema do programa de mestrado em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi, autor do livro Cinema Brasileiro Pós-moderno: o Neon-realismo (Sulina, 2008), Renato Pucci Jr., o cinema pós-moderno é marcado por filmes que buscam o contato com o grande público, por meio do uso de códigos e referências do cinema clássico, ao mesmo tempo em que inserem rupturas características do moderno para provocar estranhamento.

“O Artista simula ser um filme mudo dos anos de 1920, mas ele não é, ele tem som e de vez em quando ele dá sinais de que foi feito atualmente, como quando o som é inserido de forma estranha em algumas sequências”, diz. De acordo com Pucci Jr., a princípio, o filme poderia afastar o público pelo fato de ser em preto e branco e quase sem som, mas o que ele propõe é um jogo, para o espectador, de acreditar e não acreditar no que está sendo mostrado na tela, de se divertir e ao mesmo tempo pensar o que é cinema hoje.

“O cinema moderno, principalmente durante o século 20, tem a característica de romper a comunicação com o espectador comum; basta ver os filmes do Glauber Rocha, que exigem um treinamento, um olhar experimentado em relação às obras modernistas que deixa o espectador comum perdido”, acrescenta Pucci Jr. Segundo ele, através de referências modernistas e de uma narrativa que pode ser entendida, os filmes pós-modernistas possibilitam que o espectador participe de um jogo no qual a imagem parece e não parece real. “Ele se assemelha a um filme clássico, mas não se trata disso.”

O uso de instrumentos diversos, a ênfase na performance, as citações paródicas e a estetização são características encontradas, em diferentes graus, em artistas da música popular, como Madonna, Beatles e o músico instrumental grego Yanni, mas também em músicos de concerto, como o americano George Crumb, o brasileiro Gilberto Mendes e os russos Sofia Gubaidulina e Alfred Schnittke, ?segundo a compositora e professora do Curso de Produção Sonora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Roseane Yampolschi.

Ainda de acordo com a professora, John Cage, pioneiro da música aleatória e eletroacústica, que também influenciou a dança, trabalhando em parceria com o coreógrafo Merce Cunningham, é uma figura-chave na música pós-moderna. “Para ele, qualquer som seria um som ‘nobre’, musical, mesmo o silêncio, que em sua obra significa um campo conceitual, sonoro, daquilo que poderia vir a ser empregado como som. Além disso, ele não hierarquiza os componentes sonoros, todos têm o mesmo valor em uma composição”, diz.

Outra característica importante do trabalho de Cage é sua postura artística. “Ele não se coloca como o artista, o gênio, o criador, ele convida o público a ser cocriador”, completa. Apesar de buscar maior contato com o público, como as obras contemporâneas se constituem basicamente de conexões entre linguagens, pessoas que têm informações sobre a história da arte e experiência nesse embate artístico vão conseguir extrair mais significados de uma obra.

“As obras dependem dos intérpretes [aquele que decodifica os sentidos]. O intérprete ruim arruína uma obra boa e o bom melhora uma obra ruim”, considera Maurício Trentin. “As pessoas se relacionam com as obras com um jeito absolutamente particular, e é para ser assim mesmo, uma obra é para ter uma quantidade enorme de leituras, mas tem uma parte das pessoas que está lendo o melhor aspecto daquela obra, o aspecto mais profundo de linguagem; estas entenderam até onde aquele artista queria ir.”


Percurso conceitual

Saiba mais sobre os movimentos que deram origem à arte pós-moderna

Como o pós-modernismo é uma radicalização das vanguardas, tanto as do início do século 20 – cubismo, surrealismo, dadaísmo, expressionismo e abstracionismo – quanto as do pós-guerra, como arte povera, pop art e minimalismo, entender essa arte é fazer um percurso de matrizes estéticas.

“As várias linhas modernistas se desenvolveram muito até os anos de 1950, começo dos anos de 1960, como é o caso da linha construtiva, que vem do cubismo, do cubofuturismo russo, depois vai para a abstração ou a linha que vem do surrealismo, do dada, principalmente do [Marcel] Duchamp”, afirma o professor da Pós-Graduação em Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) Celso Favaretto.

“A partir daí há um descongestionamento das formas e um campo aberto de possibilidades. Então, você tem uma arte que é construtiva ao mesmo tempo em que tem elementos surreais ou uma arte que é construtiva com elementos Duchampianos, que vem do dada, como é o caso do [Hélio] Oiticica.”

Arte conceitual – Os ready-mades do artista plástico ?Marcel Duchamp, realizados desde as primeiras décadas do século 20, assim como as assemblages [justaposição de elementos diversos em uma obra] cubistas de Pablo Picasso e os objetos encontrados (objets trouvés) surrealistas, são considerados bases da arte conceitual.

Os procedimentos consistem em deslocar um objeto comum de seu contexto elevando-o ao estatuto de obra de arte. No Brasil, os neoconcretos e neofigurativos começaram a realizar experiências similares na década de 1960.
Arte abstrata – Duas vertentes que surgem na década de 1910 orientam a ampla gama de direções assumidas pela arte abstrata. A primeira tem como representante o russo Wassily Kandinsky, um dos pioneiros na realização de pinturas não figurativas, e é inclinada ao percurso da emoção, ao ritmo da cor e à expressão de impulsos individuais.

Essa linha tem origem no expressionismo e no fauvismo. Já a abstração geométrica, que tem o russo Kasimir Malevich como um dos expoentes, é mais afinada com os fundamentos racionalistas das composições cubistas, o rigor matemático e a depuração da forma.

Nos anos de 1950, a Europa e os Estados Unidos assistem a desdobramentos da pesquisa abstrata com o expressionismo abstrato de Jackson Pollock e o minimalismo de Donald Judd, Ronald Bladen e Tony Smith. Surgidos na mesma época, o movimento concreto de São Paulo (Grupo Ruptura) e do Rio de Janeiro (Grupo Frente) e o neoconcretismo são exemplos das ramificações dessa corrente no Brasil.

Pop art – Na década de 1960, artistas ingleses e americanos defendem uma arte popular que se comunique com o público por meio de signos e símbolos da cultura de massa e da vida cotidiana. Dessa forma, a pop art se caracteriza pela incorporação das histórias em quadrinhos, da publicidade, das imagens televisivas e do cinema, colocando-se em oposição ao hermetismo da arte moderna.

Eduardo Luigi Paolozzi, Richard Smith e Peter Blake são alguns dos principais nomes do grupo britânico. Entre os americanos, Andy Warhol e Roy Lichtenstein são alguns dos mais representativos. A antiarte dos dadaístas e surrealistas é uma das inspirações para esses artistas no que concerne à atenção concedida aos objetos comuns e à vida cotidiana.

Arte povera – Seguindo a lógica da pop art, de aproximar a arte do cotidiano, a arte povera, que surge na década de 1960, na Itália, propunha a utilização de materiais inúteis ou sucatas – como metal, pedra, areia, madeira e trapos – nas obras.

A crítica à economia capitalista e à sociedade de consumo era outro pilar da arte povera. Michelangelo Pistoletto, Jannis Kounellis, Giovanni Anselmo e Giuseppe Penone são alguns dos artistas de destaque. O movimento ganhou força na década de 1970, influenciado pela arte conceitual.

Happening e performance – Desenvolvimento da art pop, minimalismo e arte conceitual, o happening e a performance combinam elementos do teatro, das artes visuais e da música, rompendo com a rígida divisão artística modernista. O primeiro happening é atribuído a Allan Kaprow, que combinava assemblages, ambientes e elementos inesperados com o objetivo de levar as pessoas a tomar consciência do espaço, do corpo e da realidade.


Releitura do modernismo

Nelson Leirner ressignifica obra do artista plástico Lucio Fontana com múltiplos que tematizam a falência da subjetividade no pós-modernismo

Importante nome da arte pós-moderna nacional, o artista plástico Nelson Leirner criou, em 1967, uma das primeiras séries de múltiplos do país, composta pelas obras Homenagem a Fontana I, II e III, cada uma com tiragem de 25 exemplares. Múltiplos consistem em trabalhos artísticos concebidos para serem reproduzidos, realizados em geral com materiais e processos industriais.

Esse tipo de obra surgiu como uma crítica ao valor atribuído a um objeto de arte por sua singularidade, destinado apenas a colecionadores e museus, e tem como origem a pop art e grupos como o Fluxus [movimento da década de 1960 que propõe o rompimento de barreiras entre arte e não arte, dirigindo a criação artística ao mundo, à natureza, à realidade urbana ou à tecnologia, tem manifestações nas mais diversas formas de arte].

Homenagem a Fontana é uma brincadeira de Leirner em resposta a um tipo de obra realizada pelo artista plástico argentino-italiano (há discussões a respeito de sua nacionalidade) Lucio Fontana do final da década de 1940, que consistia em telas monocromáticas cortadas com navalha. De acordo com o curador e crítico de arte Agnaldo Farias, esses trabalhos representam uma agressão à pintura e questionam os limites desse suporte, pois quando o quadro é cortado ele deixa de ser apenas uma pintura para ser também uma escultura.

Além disso, também está sendo discutida a capacidade humana de transformação. “A ideia é a do lápis, do instrumento como uma espécie de falo capaz de fertilizar, de fecundar o papel imaculado em branco. Fontana está de certa forma fazendo uma regressão e indo para o gesto, entendido como o meio através do qual nós nos fazemos presentes, na medida em que modificamos o mundo por meio do gesto”, diz.

Como na sociedade de consumo a crença na subjetividade e no humanismo – base do modernismo e do trabalho de Fontana – é abalada, Leirner ressignifica o gesto criador modernista do corte da navalha no abrir de um zíper, movimento repetitivo, mecânico e estereotipado.

“Ele rompe com a ideia tão importante para os modernos da individualidade e do estilo por uma solução que é prêt-à-porter, industrializada, que nada tem a ver, portanto, com esse ideal do homem moderno de acreditar em si e em sua própria capacidade”, afirma. O uso do zíper também remete às teorias críticas da indústria que apontam para sua capacidade de massificar a subjetividade e sensibilidade dos indivíduos, o que inviabilizaria o pensamento original.


Conexões entre passado e presente

Mostra Sesc de Artes 2012 traz trabalhos que propõem releituras contemporâneas da tradição

Em sua décima edição, a Mostra Sesc de Artes reúne obras de artistas nacionais e internacionais nas áreas de artes plásticas, cinema, literatura, teatro, música, dança e artemídia. Realizada em todas as unidades da capital, de 19 a 29 de julho, a programação tem como foco as aproximações entre a tradição e a contemporaneidade. 

Entre os destaques de artemídia, está a exposição Significa: Artesania das Mídias, com trabalhos que realizam experimentações “artesanais” em suportes midiáticos, circuitos eletrônicos e códigos de programação, no Sesc Santana.

"Quando se fala em artemídia a tendência é imaginarmos obras ultratecnológicas. Para a programação da mostra, o nosso objetivo foi  apontar justamente que a tecnologia tem um processo histórico, e este processo fica evidenciado nas obras apresentadas por meio de alguns aspectos de manualidade e artesanais, presente em todas as obras", diz a assistente técnica da Gerência de Ação Cultural do Sesc e coordenadora da Mostra Sesc de Artes 2012, Nilva Luz.

Em artes visuais, as instalações, intervenções e exposições trabalham com os conceitos de apropriação e deslocamento, tendo como referência os ready-mades, objetos comuns que retirados de seu contexto assumem o estatuto de arte, de Marcel Duchamp. Obras da artista polonesa Agata Olek, do mexicano Ivan Puig e dos brasileiros Marepe, Nuno Ramos, Nazareth Pacheco, entre outros, ocupam várias unidades. 

O Poder da Loucura Teatral, do dramaturgo, coreógrafo e designer belga Jan Fabre, apresentado no Sesc Pinheiros, é outro destaque desta edição da Mostra Sesc de Artes. Trata-se de uma remontagem do trabalho concebido originalmente na década de 1980. “As óperas de Richard Wagner e Richard Strauss são referências visuais desse espetáculo, que traz muitas citações da história da arte e do teatro ocidental”, esclarece Nilva.

Um dos precursores do free jazz, o trompetista norte-americano Wadada Smith, apresenta suas peças inspiradas no movimento dos direitos civis americanos no Sesc Vila Mariana. O evento também ressalta a produção de hip hop africano, com shows, no Pompeia, do grupo sul-africano Tumi and The Volume e do ganês Blitz The Ambassador.

Artistas alemães interagem com o espaço urbano na intervenção Dressing the City and My Head Is a Shirt. “Bailarinos vestem com o corpo e com roupas o mobiliário urbano, dando outro significado para postes e corrimãos do centro da cidade, que passam despercebidos para os que transitam por essas ruas todos os dias”, comenta Nilva. Já a companhia Chunky Move apresenta, no Belenzinho, o trabalho solo interativo Glow, em que o movimento do corpo é usado como meio para controlar música e luz.

A programação de literatura volta-se para a tradição oral e as conexões entre mídias e pessoas. Entre as atividades estão o Tele Guimarães Rosa, em que quem cadastrar seu número de telefone no site da mostra pode ser surpreendido com uma ligação que reproduz trechos do livro Grande Sertão: Veredas  gravados por vozes conhecidas como Rosi Campos, Pascoal da Conceição, Arnaldo Antunes e Zélia Duncan, entre outros. No projeto Literatuta Móvel , microcontos de 140 caracteres, produzidos por 20 autores serão disponibilizados via bluetooth em estações de metrô de São Paulo.

Os eventos de cinema têm como foco os diálogos do contemporâneo com suas tradições, especialmente o cinema mudo. Tendo como referência o documentário O Homem com uma Câmera, do cineasta russo Dziga Vertov, o grupo britânico Cinematic Orchestra apresenta um espetáculo multimídia, com trilha sonora criada especialmente para o filme, no Sesc Pinheiros.

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